A Índia, que esta sexta-feira, 15, celebra 78 anos de independência, é já a quarta economia mundial depois de ultrapassar o PIB do Japão e em breve deverá chegar ao terceiro lugar, deixando para trás a Alemanha. Mas apanhar os EUA e a China é um desafio para décadas, certo? Sim, será desafio para muitos anos. Contudo, note que um país que arrancou, vencendo todos os pesos mortos da destruição colonial e os efeitos do modelo económico de tipo soviético até ao ano 1991, agora corre depressa. Numa democracia em que muitas pessoas pensam e desenvolvem ideias é mais fácil progredir. As iniciativas em TI-Tecnologias de Informação onde a Índia dá cartas; em GCC-Global Capability Centers, de multinacionais estrangeiras, que de 1800 atualmente, irão para 2200 em 2030; fábricas de semicondutores e wafers de silício a começar; utilização da AI e robótica, da energia verde, da energia solar com a progressiva melhoria da produtividade e em notável expansão, são pontos importantes para a Índia dar um grande salto. Além disso, a Índia tem muito “talento” a trabalhar com inteligência. Conta com 160.000 startups e com 100 unicórnios (avaliados em mais de 1000 milhões de dólares. A Índia só “acordou” em 1991, quando passou do modelo da União Soviética, estéril, para o de livre iniciativa, com efeitos majestosos que temos vindo a presenciar. A economia de um grande país a crescer deve ser reavaliada; o produto interno tem de ser ajustado ao real valor. Por exemplo, quando na Índia consulto um médico especialista, com muita experiência, pago o equivalente a 17 euros. Em Lisboa, pago 100 euros, para o “mesmo” serviço. Para comparar tenho de trazer todos os produtos e serviços ao nível igualitário; de contrário, comparo batatas com telemóveis. Lembro-me que na economia irlandesa há anos o seu PIB per capita tinha ultrapassado o Reino Unido, porque os valores tinham sido atualizados.Este elevado crescimento económico indiano, o mais alto entre as grandes economias, está a ser repartido socialmente ou as desigualdades sociais estão a aumentar?Era bom que todos ganhassem o necessário para uma vida digna para eles e sua família. Ao falar-se de desigualdades, elas estão a decrescer, sim. Um autor norte-americano, a propósito da crítica da criação de riqueza só aumentar as desigualdades, dizia que importava saber se os 10% da população da base da pirâmide social estavam a ganhar melhor agora do que antes. A acumulação de riqueza pode justificar-se para se investir em projetos vultuosos criadores de postos de trabalho e riqueza, como agora, para produzir semicondutores. Contudo, seria bom que se distribuísse mais e melhor, pois os pobres não podem esperar! O ensino é obrigatório até aos 14 anos. Os estratos sociais pobres e vulneráveis têm acesso aos cuidados de saúde e hospitalização, até um bom limite. A segurança nas ruas é muito melhor do que nas metrópoles europeias; os meios de deslocação são acessíveis. Mas ainda persiste a herança da pobreza dos tempos coloniais. Com reduções óbvias.Há estados que estão na vanguarda, atraindo mais investimentos e gerando maior riqueza, ou é um desenvolvimento que se faz sentir em todo o país?Os estados têm autonomia para criar condições e atrair investidores. E muitos já o têm feito magistralmente bem; outros seguem as suas pisadas. Há estados muito industrializados (Tamil Nadu, Maharastra, etc.) ou com alta densidade de Serviços de TI (Karnataka, Bengala Ocidental, Kerala), etc. A riqueza vai-se disseminando e há fácil movimentação de trabalhadores dos estados pobres para as metrópoles, onde eles ganham bem. As zonas rurais sofreram melhorias notáveis, incluindo Goa: os caminhos das aldeias estão asfaltados e bem conservados, com luz elétrica; há trabalhos para novas estradas, mercados melhorados, centros sociais nas aldeias, progressão da rede de frio. Centros de saúde para um conjunto de aldeias, etc.Quais as indústrias que mais forte desempenho têm na Índia?Sem nos determos nas indústrias básicas de aço e derivados, de cimento, etc., as indústrias transformadoras a destacar são: a automobilística, que ocupa o 4.º lugar mundial, com empresas indianas e estrangeiras atraídas pelo mercado local e pelos baixos custos de produção, para exportar. Grandes empresas atuam em produtos petroquímicos, na fabricação de tecidos sintéticos, de tecidos de algodão, de seda e lã, para fatos de homem, etc. e há crescente confecção de roupas. A indústria têxtil foi grande na Índia, até ser aniquilada pelo colonizador. Agora cresce em quantidade, em qualidade, com alto valor para roupas finas de cama, cortinados, atoalhados, etc. Há boa indústria de sapatos, com modelos próprios e imitados por marcas famosas e caras como a Prada, italiana. Conta com fábricas de acessórios para casas de banho, cozinha, ferragens, pinturas, vidros, espelhos, janelas e portas de madeira ou alumínio e móveis domésticos e de escritório. O ritmo da construção civil é muito grande. Toda a indústria eléctrica, frigoríficos, máquinas de lavar, de ar condicionado, ventoinhas, etc., trabalha bem. Cresceu muito a indústria de telefones móveis, com produção local de componentes, para marcas conhecidas e vendas na Índia, Europa e EUA. Várias fábricas de semicondutores (mais de 7) e de wafers de silício começam a funcionar. De painéis solares e de hidrogénio verde para a produção de energia. Há boas fábricas de aparelhagem para produção de energia eólica. Todo o material de transformação e transporte de energia e, agora, de armazenamento em baterias, está célere. A Índia continua a apostar em agro-business para conservas e transformação de produtos agrícolas e de pesca. A indústria farmacêutica funciona muito bem. Com os produtos genéricos a bons custos e preços, já faz I&D. Isso ajuda muito as economias pobres e também as economias ricas, como dos EUA e UE. A indústria da joalharia e polimento e corte de diamantes tem sido o forte da Índia, onde mais de 90% dos diamantes são trabalhados. A joalharia é importante e com grande tradição.A Índia ultrapassou há poucos anos a China a nível de população e tem maior número de jovens que o outro gigante asiático. Isso é uma clara vantagem?Até certo ponto, sim, é vantagem. Uma população jovem pode trabalhar muitos mais anos. Para ser uma real vantagem precisa que a juventude tenha instrução/formação básica e a seguir um treino para a aquisição de competências profissionais, skills. Sem instrução e sem skills a massa de juventude é amorfa, só para trabalho braçal, em lugar de ser um dividendo demográfico que poderia fazer mais e ganhar melhor com treino. Por isso é tão importante que os governos não tirem o pé do acelerador da formação, para dar as capacitações que a indústria necessita.Índia e China estão condenadas a ser rivais ou podem cooperar para benefício mútuo?Seria bom que se entendessem e colaborassem. Então seriam uma força enorme de desenvolvimento tanto delas próprias como para o levar a outros países, antes explorados pelo colonialismo, pelo racismo e pelo apartheid e que merecem ter uma vida digna no plano intelectual e material. A China, talvez consciente dos seus progressos, está em constante provocação, com incidentes nas fronteiras com a Índia e noutros pontos, como Taiwan, Filipinas, etc. Quando um país alimenta ideias imperialistas e de dominação, tudo à volta fica “em guarda”, desconfiado. A desconfiança é estéril!Como afeta a relação entre o poder central em Nova Deli e os governos estaduais o desenvolvimento do país?Não sou político, nem estou dentro dos meandros. Os impostos cobrados aos cidadãos e às instituições deveriam ser numa parte para os gastos centrais de defesa, de ensino, de saúde, de segurança pública, de grandes infraestruturas, etc. Outra parte, deveria ser utilizada por cada estado, de acordo com as suas prioridades, para eliminar a pobreza, melhorar a agricultura, indústria e serviços. Pode dar-se a tentação de que os estados com governos da cor do governo central possam ficar beneficiados. É importante ser-se muito justo na distribuição das receitas dos impostos por cada estado, de acordo com as regras estipuladas e ao seu devido tempo.Durante décadas, a Índia foi protecionista. Manmohan Singh, quando foi ministro das Finanças e mais tarde primeiro-ministro, foi o homem das reformas liberalizantes?Não só protecionista, mas seguindo um modelo anacrónico, cópia do da União Soviética. Como a economia era centralmente planeada, precisava de fortes controlos. O controlo é sempre uma fonte de corrupção a diversos níveis. Em 1991 as finanças estavam esgotadas e a Índia só podia fazer importações de poucas semanas. Foi quando Manmohan Singh, Ministro de Narashima Rao, teve de recorrer ao FMI, que ajudou, mas com a condição de abrir a economia. Não podia ter sido melhor. Aí começou uma nova época, “histórica” para a Índia, com a livre iniciativa pujante. Muitas iniciativas se terão perdido nos 43 anos, da independência até 1991. E sabemos, pelo que vemos hoje, que a Índia teve/tem muito bons empreendedores.O atual governo, liderado por Narendra Modi, pode ser considerado reformista do ponto de vista económico?Altamente. Sempre batalhou para tirar todos os entraves para que a Índia fosse um país mais atrativo aos investimentos de dentro e de fora do país. Trabalhou para que os produtos feitos para exportar não ficassem caros pelas más infraestruturas, demorando as exportações e perdendo competitividade. Insistiu na formação e treino como fator para ganhar competitividade e para se trabalhar bem. Um país ganha confiança quando há estabilidade nas políticas e previsibilidade no contexto em que se insere.Como está a politica de tarifas dos Estados Unidos a afetar a Índia?Isso é algo que se verá nos seus efeitos. De qualquer modo podem ser uma oportunidade para se defender, fazendo melhor, mais barato e consumir o que é produzido em casa. O mercado interno cresceu muito e hoje tem já uma capacidade aquisitiva bem forte. Importa muito que a criatividade indiana projete produtos mais simples e económicos e sobretudo que sejam de utilidade real: na agricultura, nos serviços de turismo, na restauração, na capacidade inovadora. Será isso que acontecerá, estou convencido. Contudo, é preciso procurar fazer mais FTA-Free Trade Agreement, ou acordos de livre comércio, para compensar a eventual redução do que irão comprar os EUA.Foi professor em Portugal, agora ensina na Índia. Os dois países têm condições para reforçar os laços económicos?Penso que sim. É necessária determinação para encontrar produtos que importar e exportar e onde possam colaborar. Em Portugal há a ideia de que a Índia é um mercado imenso e, como tal, inacessível. É preciso lá ir e aprender. Devem ser os empresários a tomar as decisões de começar algo. Os riscos devem ser bem estudados e assumidos. Muitos produtos para construção de casas Portugal pode exportar e/ou fabricar na Índia, sobretudo os de alta qualidade. Pode colaborar na produção de vinhos de qualidade, na Índia, que já o faz. Muito know-how de conservas de peixe pode ser utilíssimo para a Índia. Há muitos whiskies indianos do topo, entre as melhores marcas no Reino Unido e nos Estados Unidos. Um aspeto para mim muito importante seria colaborar em empreendimentos na África de língua portuguesa, ajudando e comprando gás em Moçambique ou petróleo em Angola, produtos agrícolas como o café em Angola, diamantes com escolas de lapidação em Angola, etc. E, sobretudo, criando Institutos de estatura intelectual como os IIT- Indian Institute of Technology, os I.I. of Management e os Medical Colleges, com a qualidade, seleção e ensino como na Índia. Isso é que seria utilíssimo para esses países. Já há alguns IIT no Golfo e na África Oriental..“Os membros do Parlamento indiano são livres de falar em qualquer uma das 22 línguas constitucionais”.“Os indianos são um povo cumpridor da lei, que se adapta bem às sociedades onde se estabelece”.Ministra das Finanças indiana já pensa entrar no pódio das grandes economias