“Os indianos são um povo cumpridor da lei, que se adapta bem às sociedades onde se estabelece”
É a presidente do país mais populoso do mundo. Como encara esta responsabilidade?
A Índia é a maior democracia do mundo, uma das civilizações mais antigas e também o país mais populoso e diverso. Estou ativamente na política há mais de 25 anos, durante os quais tive a oportunidade de servir a população desde a base, trabalhando para o empoderamento das mulheres, o bem-estar das comunidades tribais, de outras minorias e dos setores marginalizados da sociedade indiana. Antes de ser eleita a 15.ª presidente da República da Índia, em julho de 2022, fui governadora do Estado de Jharkhand. É sem dúvida uma enorme responsabilidade ser a presidente de mais de 1,4 mil milhões de pessoas - quase um sexto da Humanidade - e representar as suas esperanças e aspirações. Sinto-me humilde face a esta honra que o meu país me concedeu. Para além das responsabilidades políticas, sociais e constitucionais inerentes ao cargo de presidente da Índia, esta posição deu-me também a oportunidade de trabalhar para os setores marginalizados e economicamente desfavorecidos da sociedade e de contribuir para a notável trajetória de crescimento da Índia, que hoje ocupa o seu devido lugar no concerto das nações.
A Índia já teve mulheres como presidente e primeira-ministra. E há muitos casos de mulheres na política estadual. Considera que, devido à posição que ocupa, é uma fonte de inspiração para as mulheres indianas?
A História da Índia está repleta de exemplos de mulheres académicas, santas, rainhas guerreiras e líderes espirituais. Esta tradição tem sido continuada pelo atual governo, que promoveu o slogan Nari Shakti (poder feminino); não é apenas um slogan, uma vez que tem tido um real impacto positivo na vida das pessoas. Todas as áreas da vida pública, seja a Administração Pública, as Forças Armadas, o sistema judicial, a política ou os media, estão abertas às mulheres. Programas como Beti Bachao Beti Padhao (‘Salvem as Filhas, Eduquem as Filhas’) e a MUDRA Yojana (um programa de empréstimos para mulheres empreendedoras) tornaram possível o empoderamento das mulheres e facilitaram a sua participação na vida pública em pé de igualdade. A Constituição da Índia garantiu a igualdade de género desde a sua promulgação, em 1950. As mulheres indianas tiveram o direito de voto desde o início da jornada democrática do país, ao contrário do que aconteceu no Mundo Ocidental, onde esse direito foi concedido muito mais tarde. Recentemente, o nosso Parlamento aprovou a histórica Women Reservation Bill, uma diretiva que aloca um terço dos assentos no Lok Sabha (Câmara Baixa do Parlamento) e nas Assembleias Legislativas Estaduais às mulheres. Não sou apenas eu, mas também várias líderes femininas em toda a Índia que servem de inspiração às mulheres indianas. Naturalmente, se puder inspirar as gerações mais jovens, será uma grande alegria para mim.
A Índia é um país de grande diversidade, tanto linguística como religiosa e cultural. Como avalia a convivência dos 1,4 mil milhões de indianos?
Não seria incorreto dizer que a Índia é o berço da civilização. A civilização indiana tem mais de 7000 anos e tem absorvido influências externas, integrando-as de uma forma única, que resultou numa identidade civilizacional singular chamada Índia. O país foi moldado por fatores históricos, culturais, sociais e económicos, e alberga uma vasta diversidade de grupos étnicos, línguas, religiões e tradições. Existem mais de 2000 grupos étnicos e mais de 1600 línguas. É também uma terra de múltiplas religiões - aliás, todas as grandes religiões do mundo estão presentes na Índia. A tolerância e o respeito pela diversidade são elementos-chave do tecido social indiano e há tradições profundamente enraizadas de coexistência pacífica. A Constituição da Índia consagra os princípios de igualdade, secularismo, fraternidade, justiça e liberdade de expressão. O nosso sistema democrático oferece uma plataforma para diversas vozes. Apesar desta diversidade, a Índia tem uma longa história de sincretismo e demonstrou flexibilidade para absorver influências externas sem alterar o seu ethos civilizacional de base. Existe na Índia um forte sentido de identidade nacional. Embora as identidades regionais sejam importantes, o sentimento generalizado é o de uma Índia enquanto nação secular e democrática, com o princípio de “unidade na diversidade”. O elemento fulcral do nosso ethos civilizacional baseia-se no conceito de Vasudhaiva Kutumbakam, i.e., “O mundo é uma família”, princípio que também orienta as nossas relações externas. Acreditamos firmemente em Sarve Bhavantu Sukhinah, ou seja, “Que todos os seres sejam felizes”. Assim, laços de amizade e o sentimento de bem-estar coletivo fazem parte do nosso quotidiano.
Considerada a maior democracia do mundo, que papel vê para a Índia no palco internacional?
A Índia é a maior democracia do mundo. Na verdade, a Índia é a mãe da democracia. Se olharmos para as nossas últimas eleições gerais, em 2024, havia mais de 970 milhões de cidadãos registados para votar e a participação eleitoral foi de cerca de 650 milhões. Estes números destacam a vasta dimensão do processo eleitoral da Índia e a significativa participação dos seus cidadãos. Atendendo ao tamanho do país e à população de mais de 1,4 mil milhões de pessoas, representando mais de 18% da população mundial, a Índia merece o seu legítimo lugar no concerto das nações, sobretudo em órgãos multilaterais, como as Nações Unidas. A este respeito, gostaria de expressar o meu agradecimento ao Governo português pelo apoio à atribuição de um lugar permanente para a Índia num Conselho de Segurança das Nações Unidas remodelado. Temos sido firmes defensores da participação do Sul Global nos principais órgãos globais de tomada de decisão e temos consistentemente levado as suas preocupações aos vários fóruns internacionais. Foi durante a Presidência indiana do G20 que a União Africana aderiu como membro, na cimeira realizada em setembro de 2023, em Nova Deli. A Índia está entre os países que mais contribuem para as operações de manutenção de paz da ONU. Abrimos as nossas fronteiras para a formação de militares e civis de todo o mundo nas nossas instituições e também contribuímos para a segurança marítima e para a proteção das rotas de navegação. Somos uma potência nuclear responsável, com um programa espacial pacífico, tendo lançado uma missão a Marte e aterrado na Lua. A Índia tem desempenhado um papel ativo no palco internacional como primeira resposta em Crises Humanitárias e Assistência em Desastres (HADR, no seu acrónimo em Inglês) - seja no fornecimento de medicamentos e vacinas contra a covid-19 a mais de 100 países, apesar das prementes necessidades internas; no envio de equipas de resgate e materiais de ajuda em casos de desastres naturais (mais recentemente no caso do terramoto na Turquia, em 2023, e em Myanmar, no mês passado); na retirada dos seus cidadãos de zonas de crise, como no Afeganistão, Sudão e Ucrânia, entre outros, onde também ajudámos a retirar cidadãos de outros países; ou no apoio financeiro a países que enfrentam graves crises económicas e financeiras, como o Sri Lanka.
Portugal e a Índia têm uma longa História em comum, da qual Goa é um símbolo. Como vê esse passado partilhado e também o futuro do relacionamento?
A relação entre a Índia e Portugal assenta em laços históricos sólidos e evoluiu para uma parceria positiva e orientada para o futuro, sendo mutuamente benéfica. Acredito que, juntos, os dois países têm a capacidade de contribuir positivamente no palco global. Temos relações interpessoais fortes, com uma grande comunidade de pessoas de origem indiana a viver em Portugal. As nossas relações têm sido pautadas por interações regulares ao mais alto nível. Recordamos com grande apreço a visita do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa à Índia, em fevereiro de 2020. O nosso primeiro-ministro, Narendra Modi, visitou Portugal em 2017, enquanto o ex-primeiro-ministro António Costa visitou a Índia em 2017 e 2019. Visito este belo país num momento em que os nossos dois países celebram 50 anos do restabelecimento das relações diplomáticas. O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e eu lançámos os selos comemorativos para assinalar este marco. Os dois países decidiram agora explorar novas áreas para o aprofundamento dos laços bilaterais. As novas áreas em que concordámos reforçar a cooperação incluem a tecnologia da informação, tecnologia digital, energias renováveis, startups e inovação, mobilidade de profissionais e trabalhadores qualificados, energia verde e hidrogénio verde. Vejo muita positividade e potencial para um cresci- mento sustentado e construtivo nas nossas relações bilaterais que, como já referi, têm a capacidade de ser uma força para o bem no cenário mundial atual.
Portugal tem tradicionalmente uma população de origem indiana, tanto de origem gujarati como goesa (incluindo um antigo primeiro-ministro). Agora há também novos imigrantes indianos a chegar. Que contributo podem os indianos dar à sociedade portuguesa?
Os indianos fazem parte da sociedade portuguesa há muito tempo. A população imigrante indiana em Portugal está bem integrada e tem contribuído de forma positiva para o desenvolvimento social, económico e político do país, além de ajudar a colmatar a escassez de mão de obra qualificada em setores importantes da economia portuguesa, como os serviços, a agricultura e a construção, entre outros. Os indianos são um povo cumpridor da lei, que se adapta bem às sociedades onde se estabelece e que tem conseguido alcançar posições de destaque nos países onde reside. Fico satisfeita por ter mencionado o ex-primeiro-ministro António Costa, um distinto galardoado com o Pravasi Bharatiya Samman, tendo sido uma das primeiras pessoas de origem indiana a ascender a uma posição tão elevada no Mundo Ocidental.
O que espera desta visita a Portugal?
A minha visita a Portugal, no ano em que os nossos países celebram 50 anos do restabelecimento das relações diplomáticas, é uma demonstração da importância que os nossos Go- vernos atribuem a este relacionamento. Vem na continuação dos contactos políticos de alto nível que temos mantido recentemente, os quais têm sido uma característica distintiva desta relação. Durante os meus encontros com dirigentes portugueses, senti uma excecional cordialidade e um forte desejo de aprofundar e diversificar ainda mais esta parceria. Nas minhas interações com a comunidade indiana em Portugal, fiquei satisfeita ao saber que está bem integrada na sociedade portuguesa e a contribuir favoravelmente para o desenvolvimento económico do país. Aproveito esta oportunidade para agradecer ao Governo e ao povo de Portugal por os acolherem e garantirem a sua segurança e bem-estar. Os laços estreitos e históricos entre os povos dos nossos dois países têm funcionado enquanto forte alicerce para a nossa parceria multifacetada e orientada para o futuro. Acredito que a minha visita, assim como outras interações de alto nível entre os nossos dois países, forneceram a orientação e o impulso necessários para elevar as relações a um novo patamar. Estou absolutamente encantada por estar em Portugal.