António Costa, presidente do Conselho Europeu, e o presidente angolano João Lourenço.
António Costa, presidente do Conselho Europeu, e o presidente angolano João Lourenço. FOTO: EPA/AMPE ROGERIO

Cimeira União Africana-União Europeia: Declaração destaca comércio livre, migração, dívida e reformas globais

Os dois blocos comprometem-se em Luanda a combater a migração regular, de forma também a lutar contra o tráfico humano. Próxima cimeira será em Bruxelas.
Publicado a
Atualizado a

A Declaração de Luanda, aprovada esta quarta-feira, 25 de novembro, na Cimeira União Africana - União Europeia, destaca o compromisso na defesa do comércio livre e da migração regular, apela a reformas institucionais globais e limita-se a reconhecer as dificuldades da dívida africana.

Na mesma declaração, ambos os blocos comprometem-se a combater a migração regular, de forma também a lutar contra o tráfico humano.

Por outro lado, ainda que sem se avançar com um compromisso, são reconhecidos “esforços fiscais envidados pelos países africanos para honrar as suas obrigações de dívida e os desafios de liquidez, reconhecendo que o elevado nível de endividamento pode constituir um obstáculo ao crescimento inclusivo em muitos países e limitar a sua capacidade de investir”.

António Costa, presidente do Conselho Europeu, e o presidente angolano João Lourenço.
Declaração do G20 marca vitória do multilateralismo em cimeira sem os EUA

Os líderes europeus e africanos fazem também um sublinhado à defesa da ordem internacional e aos princípios de soberania e integridade territorial.

Nesse sentido, União Europeia (UE) e União Africana (UA) manifestam “apoio inabalável a uma paz justa, abrangente e duradoura na Ucrânia, nos territórios palestinianos ocupados, no Sudão, no Sudão do Sul, na República Democrática do Congo (RDCongo), no Sahel, na Somália”.

Os dois blocos expressaram ainda “profunda preocupação com a situação no Sudão”, condenando as atrocidades cometidas em El-Fashir e defendendo a mediação africana. No mesmo ponto, comprometem-se a reforçar a cooperação no combate ao terrorismo, crime organizado e cibersegurança.

UE e UA acordaram ainda acelerar investimentos em energia verde, transportes e conetividade digital, traçando o objetivo de garantir eletricidade limpa para 100 milhões de africanos até 2030.

Ao mesmo tempo, comprometem-se a reformar a arquitetura global da saúde, reforçar sistemas nacionais e apoiar a produção local africana de medicamentos.

O compromisso de defesa de reformas globais, já enunciada pelo presidente do Conselho Europeu, António Costa, abrange a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Conselho de Segurança das Nações Unidas e uma nova arquitetura financeira mundial que, na prática, consiga traduzir a representatividade africana.

Num resumo divulgado pelo Ministério das Relações Exteriores de Angola, que preside à União Africana, salienta-se no documento “o apoio ao Pacto para o Futuro e à reforma do Conselho de Segurança da ONU, à defesa de uma OMC mais equitativa e de maior inclusão de países africanos e o reconhecimento do legado histórico de escravatura, colonialismo e ‘apartheid’.

Na Declaração de Luanda destaca-se ainda a necessidade de se incentivar a restituição de bens culturais africanos.

A Cimeira UA-UE, que começou na segunda-feira, foi dedicada ao tema “promover a paz e a prosperidade através de um multilateralismo eficaz”.

O encontro de alto nível foi copresidido pelo Presidente de Angola, João Lourenço, e pelo presidente do Conselho Europeu, António Costa, estando a UE ainda representada pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e a UA pelo presidente da Comissão da União Africana, Mahmoud Ali Youssouf.

Oitenta delegações marcaram presença na cimeira.

A União Europeia é constituída por 27 países, incluindo Portugal, representado no encontro pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro. e pelo ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel.

A União Africana é composta por 55 nações, incluindo Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Pela União Africana estiveram 29 chefes de Estado e de Governo ou seus representantes, entre os quais o Presidente de Moçambique, Daniel Chapo, e o primeiro-ministro de Cabo Verde, Ulisses Correia e Silva, além do chefe de Estado de Angola.

A próxima cimeira terá lugar em Bruxelas, Bélgica.

António Costa diz que europeus e africanos vão trabalhar para reformar instituições internacionais

O presidente do Conselho Europeu destacou, no encerramento da Cimeira União Europeia–União Africana, que europeus e africanos vão trabalhar juntos na defesa da reforma das instituições internacionais, “uma mensagem comum” dirigida ao mundo.

“Defender o multilateralismo implica defender a reforma das instituições internacionais”, afirmou António Costa, nomeando “as organizações financeiras, Organização Mundial do Comércio e o Conselho de Segurança das Nações Unidas”.

“Esta é uma mensagem comum que transmitimos ao mundo, e fazemo-lo com a legitimidade de já termos provado que quando trabalhamos juntos conseguimos resultados”, acrescentou.

O antigo primeiro-ministro português fundamentou essa legitimidade: “Foi assim que aprovámos o pacto para o futuro na Assembleia Geral das Nações Unidas em 2024, foi assim que garantimos que a União Africana tenha assento no G20 e que este ano tivemos a honra de ter a primeira reunião organizada pela África do Sul, uma reunião do G20 no continente africano”.

Na sessão de encerramento, que juntou ao mais alto nível líderes da União Europeia (UE) e da União Africana (UA), Costa sublinhou o facto de a UE ser o primeiro parceiro comercial africano, com um terço das transações, e mostrou-se esperançado no passo seguinte entre os dois blocos: “Seguramente, o investimento da área de comércio livre do continente africano vai potenciar o crescimento das nossas relações comerciais e do nosso investimento”.

Costa admitiu que pode e deve fazer-se “bastante mais” e que “para isso é essencial tratar seriamente o tema da dívida que tolhe a capacidade de desenvolvimento do continente africano”.

Por outro lado, destacou que, na discussão de dois dias em Luanda, os representantes dos países europeus e africanos apontaram a necessidade de maior investimento em infraestruturas, na energia renovável, na conectividade digital, na capacidade africana para produzir vacinas em África e para África.

Um dos consensos respeitou à necessidade de se “desenvolver cadeias de valor sustentáveis na agricultura e nos materiais críticos”, indicou, sem esquecer que “os recursos naturais são essenciais para a dupla transição energética e digital”, mas sobretudo “que a maior riqueza [africana] é o seu capital humano e a sua juventude”.

Ou seja, explicou, uma das prioridades vai passar por gerar valor acrescentado e emprego no continente africano, até porque “até 2050 cerca de 800 milhões de novas pessoas chegarão ao mercado de trabalho em África”.

Paulo Rangel considera que a conversão da dívida africana tem “pés para andar”

Paulo Rangel, ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, disse que mais do que a reestruturação ou perdão, a conversão da dívida africana aos países europeus “tem pés para andar”.

“Mais do que reestruturação, ou um apelo de reestruturação ou até de perdão, (…) aquilo que foi (…) falado como uma perspetiva com pés para andar, isto é, que efetivamente está no terreno, é a conversão da dívida”, tendo sido “um instrumento que aqui foi altamente elogiado”, apontou Paulo Rangel.

“Muitos países estão disponíveis para este instrumento, isto é, compreendem que não sendo possível um perdão, (…) puro e simples, não sendo possível uma reestruturação - o que não quer dizer que num caso ou outro ela não tenha de ser feita, porque isto também depende do quadro macroeconómico de cada país -, o que se está a pensar, essencialmente, é na conversão, porque a conversão da dívida é mais fácil para os países que são credores e, por outro lado, traz muito valor acrescentado para os países que são devedores”, explicou o governante.

Rangel indicou que, “a partir de exemplos que começaram por ser exemplos muito residuais - embora significativos, (…) paradigmáticos, mas residuais -, [a conversão] está a ser usada cada vez mais como um instrumento de desenvolvimento económico, que alivia a pressão da dívida e que, por outro lado, cria valor económico”, enfatizou.

O ministro lembrou o programa já existente entre Portugal e dois países lusófonos. “Nós temos um programa com Cabo Verde que tem tido imenso sucesso, justamente com as energias renováveis, portanto, é a conversão da dívida num instrumento, digamos, de modernização ambiental e até da autonomia energética. Temos agora o mesmo instrumento com o São Tomé e Príncipe e isto tem vindo a ser algo muito utilizado, não apenas para questões de transição ambiental ou ecológica, mas também para outros domínios, digamos, talvez com outra perspetiva mais económica".

Em conclusão, Rangel garantiu que “muitos países estão disponíveis para converter a dívida em investimento” e aponta as razões: “A dívida, no fundo será, se quiser, perdoada, desde que haja investimento naqueles setores. E isto é uma solução em que todos ganham, porque é uma simbiose, no fundo, traz vantagens para todos, porque também permite, muitas vezes, criar oportunidades para empresas e para a sua fixação, criando emprego, criando valor na própria economia dos países africanos”.

João Lourenço diz que líderes concordam expandir segurança e ampliar mobilidade

O presidente angolano João Lourenço destacou que os líderes da União Africana e da União Europeia concordaram expandir a cooperação em matéria de paz e segurança, reforçar os laços económicos e ampliar a mobilidade e intercâmbio entre os povos.

João Lourenço destacou no seu discurso de encerramento o facto de as partes terem acordado sobre a necessidade de expandir a cooperação em matéria de paz e segurança, promovendo respostas conjuntas mais fortes contra o terrorismo e o extremismo violento.

Segundo o presidente angolano, os blocos continentais acordaram também em intensificar a ação climática, incluindo o financiamento para adaptação e resiliência e o apoio à transição energética africana, reforçar os laços económicos com compromissos para impulsionar investimentos a nível das infraestruturas, manufatura e agricultura sustentável.

Ampliar a mobilidade e intercâmbio entre povos, “garantindo que a migração seja segura, coordenada e benéfica para ambos os continentes”, e promover o empoderamento da juventude, através da educação e o desenvolvimento de competências e de programas de empreendedorismo constam também entre as pretensões das partes.

“Ficou assente entre nós que a defesa de um multilateralismo continua a ser a nossa melhor esperança para reconstruir um mundo mais justo, mais equilibrado, pacífico e próspero”, afirmou João Lourenço.

O chefe de Estado angolano referiu igualmente, na sua intervenção, que a Cimeira de Luanda deixou claro a todos que a parceria União Europeia e União Africana “não se faz apenas na base de um conjunto de ideias, mas, sobretudo, na base de ações concretas, desenvolvidas com dinamismo, com sentido prático e com resultados que impactam de forma transformadora" sobre ambos os povos.

Salientando a evolução positiva das relações entre a União Europeia e a União Africana desde a Cimeira de Bruxelas em 2022, destacou os resultados “muito positivos” alcançados no quadro da colaboração em matéria de paz e segurança, no setor da saúde, no âmbito da cooperação climática e energética, no capítulo da transformação digital, no setor do comércio, no investimento e na mobilidade e migração.

De acordo com o presidente em exercício da UA, os aspetos específicos dessas conquistas estão refletidos no relatório de implementação da Declaração da 6.ª Cimeira, adotado no quadro do encontro de Luanda, o qual "realça os desenvolvimentos alcançados, mas também reconhece as áreas em que são necessários progressos adicionais”.

No entanto, considerou que o sentido crítico constatado na colaboração entre a UA e a UE e as ações empreendidas conjuntamente permitem "melhorar e atenuar, continuamente, os (...) esforços de cooperação”.

“Este aspeto ao qual atribuímos uma importância fundamental está refletido no resultado deste fórum, que terminou com êxito, espelhado na Declaração de Luanda sobre a sétima cimeira da parceria União Africana e União Europeia que traduz a nossa vontade política e a de seguirmos em frente por caminhos conjuntos que nos levem a resultados que impactam positivamente no desenvolvimento e melhoria das condições de vida dos povos de África e da Europa”, notou.

João Lourenço recordou que as partes assumiram, muitas vezes, que a cooperação UA/UE “é dinâmica” e que, por isso mesmo, procura “sempre ir para além" do que já conseguiu realizar "e traçar perspetivas que ampliem resultados e benefícios recíprocos”.

Manifestou ainda “profunda convicção” de que a cimeira de 2028, que terá lugar na Europa, deve dar maior clareza e maior alcance à “visão partilhada sobre os aspetos relativos à industrialização, comércio e investimento, financiamento sustentável, liderança em matéria de mudanças climáticas, às parcerias digitais e de inovação e ao reforço da (...) ação coletiva no sistema multilateral”.

“Tenho a certeza de que sairemos daqui profundamente empenhados na realização das nossas decisões, por estarmos cada vez mais seguros de que este esforço conjunto que realizamos tem benefícios recíprocos para todos, aproxima-nos cada vez mais, reforça e melhora a compreensão mútua a aprofunda o nosso papel no concerto das nações como parceiros determinados a contribuir para a construção de um mundo mais equilibrado de paz, de justiça e de prosperidade para todos os povos deste planeta”, concluiu João Lourenço.

Líder angolano diz que África agradece apoio russo na libertação, mas defende soberania da Ucrânia

João Lourenço, presidente angolano, afirmou por sua vez que África está “eternamente” grata à Rússia pelo apoio nas lutas de libertação, mas sublinhou que os países africanos defendem, tal como a Europa, o direito da Ucrânia à soberania e à integridade territorial.

“Os povos africanos estão eternamente gratos à Rússia pelo apoio dado. Não há nada acima da liberdade e da soberania dos povos”, afirmou o chefe de Estado angolano, recordando o apoio russo enquanto vários países africanos permaneciam colonizados por potências europeias.

“O principal país que se levantou em nossa defesa, em nosso apoio, e contribuiu para que pudéssemos alcançar as nossas independências foi, sem sombra de dúvidas, a Rússia”, salientou.

A então União Soviética foi a potência que, no contexto da Guerra Fria, apoiou o MPLA, de Angola, e outros movimentos africanos com “conhecimento, equipamento aeronáutico e militar e formação” militar, recordou Lourenço.

“Os povos africanos que beneficiaram dessa ajuda estão eternamente gratos por esta solidariedade”, destacou.

Sobre a Ucrânia, João Lourenço foi claro: “Em relação aos dias de hoje, ao facto de a Ucrânia ter sido atacada, ter sido invadida e parcialmente ocupada, África defende a justiça, defende princípios. Nós defendemos, a exemplo do que se passou connosco, o direito à independência, o direito à soberania, o direito à integridade territorial na Ucrânia”.

Já António Costa remeteu para a declaração conjunta aprovada no final da cimeira, na qual os dois blocos reiteraram o apoio a “uma paz duradoura” na Ucrânia e em outros territórios em conflito no mundo.

“Quando permitimos que um Estado desrespeite a soberania e as fronteiras reconhecidas de outro país, estamos a permitir que todos os outros façam o mesmo”, disse o responsável europeu, realçando que a alternativa a um sistema baseado em regras “é o caos.”

Questionados sobre as lições políticas e económicas do encontro, António Costa disse que africanos e europeus “continuam a trabalhar juntos por paz e prosperidade” e João Lourenço completou: “Em vez da confrontação, preferimos a parceria.”

O Presidente angolano afirmou que apenas as parcerias permitem que os países se desenvolvam e melhorem as condições de vida das suas populações, dando “um sinal contrário” ao que se observa no mundo, onde “o unilateralismo procura suplantar o multilateralismo”.

João Lourenço acrescentou que a melhor garantia de uma parceria equilibrada é a confiança construída entre os dois blocos nos últimos 25 anos, sendo essa a “maior garantia de sucesso”.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt