A aplicação de taxas aduaneiras de 50% às exportações indianas para os EUA desde esta quarta-feira e a presença do primeiro-ministro Narendra Modi numa cimeira na China no domingo materializam um afastamento entre o país mais populoso e a maior economia do mundo e ao mesmo tempo o recalibramento entre Nova Deli e Pequim.“Estamos todos a testemunhar a política de egoísmo económico no mundo, de como todos estão ocupados a proteger o seu interesse”, afirmou o nacionalista Modi na segunda-feira quando se aproximava a imposição de 25% extra de tarifas pela compra de petróleo russo. Apesar da boa relação que manteve com Donald Trump durante o primeiro mandato deste, e da visita de quatro dias do vice-presidente J.D. Vance e família em abril, o presidente dos EUA já tinha advertido repetidas vezes que a Índia iria sofrer com a sua política. Desde logo quando, em fevereiro, Modi visitou o “amigo” na Casa Branca com o objetivo de aplacar sua a fúria tarifária, fundada na visão nacionalista do America First. Trump queixou-se das “barreiras comerciais” e das “tarifas injustas e muito altas que limitam fortemente o acesso ao mercado indiano”. O chefe do governo indiano não voltou para casa sem antes ouvir que “isso é realmente um grande problema”. Chegados ao fim de julho e não só os executivos não chegaram a entendimento para alcançarem um acordo mais favorável à economia indiana como surgiu a ameaça de mais taxas aduaneiras, agora pela compra de petróleo à Rússia. A confirmação deu-se no início de agosto: “A Índia não se limita a comprar grandes quantidades de petróleo russo, também está a vender grande parte do petróleo adquirido no mercado aberto, obtendo lucros elevados. Eles não querem saber quantas pessoas estão a ser mortas pela máquina de guerra russa na Ucrânia. Por esse motivo, irei aumentar substancialmente as tarifas pagas pela Índia aos EUA”, escreveu Trump na sua rede social. Antes de o Ocidente aplicar sanções económicas e limitar a importação de hidrocarbonetos russos, a fatia de petróleo russo importada pela Índia era de 2%e agora ascende a 36%, segundo dados do Ministério do Comércio indiano. Nova Deli argumenta não ser o principal cliente de petróleo russo, mas a China. Ambos os países estavam na mira quando Trump ameaçou com sanções secundárias a Rússia se esta não parasse a guerra no prazo de 30 dias. Porém, no final da reunião com Putin, no Alasca, o presidente dos EUA deixou cair a ameaça. O secretário de Estado Marco Rubio disse que a imposição de sanções secundárias iria ter como consequência a subida dos preços da energia. Em paralelo, as relações da Índia com a China, que conheceram um momento de particular tensão aquando das escaramuças fronteiriças de 2020, e que resultaram na morte de 20 soldados indianos e quatro militares chineses, estão a conhecer uma normalização. Depois de ter recebido, há dias, o chefe da diplomacia chinesa, Modi vai deslocar-se à cimeira da Organização de Cooperação de Xangai, a decorrer na cidade de Tianjin, onde é esperado que se encontre com Xi Jinping. As relações pessoais entre ambos foram restabelecidas no ano passado, na Rússia, durante o encontro dos BRICS, mas é a primeira visita de Modi à China em mais de sete anos. Para Yun Sun, que dirige o programa sobre a China no think tank Stimson Center “a distensão” entre Nova Deli e Pequim foi “definitivamente iniciada por Trump”. Em declarações à CNN, diz que a visão chinesa é a de que, como os EUA ”se afastaram”, a Índia tem de “recalibrar a sua política externa e melhorar a sua relação com a China”. Nova Deli perde até 1% do PIBO efeito das taxas aduaneiras de 50% aos produtos indianos importados pelos EUA vai equivaler à perda de um ponto percentual do produto da Índia, estimam os economistas. Nem todos os bens são atingidos: os produtos farmacêuticos ficam isentos desta medida - metade dos genéricos do mercado norte-americano tem origem indiana -, enquanto produtos eletrónicos, semicondutores, veículos de passageiros, alumínio e aço estão sujeitos a uma pauta própria. Prevê-se que o impacto maior recairá nos têxteis, joalharia, químicos, móveis e aquacultura, que perderão competitividade face a outros países asiáticos. Segundo um relatório da Global Trade and Research Initiative, 66% das exportações indianas para os EUA serão afetadas, “pondo em perigo centenas de milhares de postos de trabalho”. Os EUA são de longe o maior destino das exportações indianas, ao passo que o mercado indiano é o décimo dos produtos e bens norte-americanos.