Ter sido acusado de ofender “gravemente os valores, a identidade e a cultura do PS” por António Costa foi a gota de água que levou Ricardo Leão a demitir-se da presidência da Federação da Área Urbana de Lisboa do partido, semanas após ser eleito para o cargo. Mas não da Câmara de Loures, que conquistou à CDU nas Autárquicas de 2021, garantindo que se afasta de funções partidárias para se concentrar na recandidatura..A decisão da demissão foi tomada e comunicada na manhã desta quarta-feira, na sequência de um artigo de opinião assinado no Público pelo antigo primeiro-ministro e secretário-geral do PS, juntamente com os camaradas de partido José Leitão e Pedro Silva Pereira, em que condena o Regulamento Municipal de Loures, que consagra o despejo forçado dos arrendatários de habitações municipais que sejam condenados pela participação em distúrbios na via pública. Para o futuro presidente do Conselho Europeu, esse tipo de “sanções acessórias”, complementares das sanções criminais, “além de violar grosseiramente as competências reservadas da Assembleia da República e dos tribunais, iria atingir, de forma manifestamente desproporcionada, o direito fundamental à habitação dos próprios e, por maioria de razões, dos inocentes que, integrando o respetivo agregado familiar, seriam colateralmente punidos apenas por residirem na mesma habitação”..O texto do anterior secretário-geral do PS, que liderava o partido quando o então deputado Ricardo Leão foi a aposta para a reconquista de Loures, na altura um bastião autárquico comunista, também lançou uma farpa ao seu sucessor à frente do partido, afirmando-se que, “quando um dirigente socialista ofende gravemente os valores, a identidade e a cultura do PS, não há calculismo taticista que o possa desvalorizar”. Isto depois de Pedro Nuno Santos ser acusado de excesso de compreensão, durante as visitas que fez a bairros da Grande Lisboa afetados pelos distúrbios que se seguiram à morte de Odair Moniz, vítima de disparos de um agente da PSP, para com declarações de Ricardo Leão que foram atacadas pela líder parlamentar Alexandra Leitão e pelas deputadas Elza Pais e Isabel Moreira..Depois da aprovação de uma moção do vereador do Chega Bruno Nunes (igualmente deputado na Assembleia da República), com os votos favoráveis do próprio, do presidente e dos vereadores do PS e do PSD, com votos contrários dos quatro vereadores da CDU, Leão prometeu “despejar sem dó, nem piedade”, beneficiários de habitação municipal em Loures que tenham participado nos tumultos na Área Metropolitana de Lisboa..Pedro Nuno Santos reagiu esta quarta-feira, após a notícia de que Ricardo Leão deixara a presidência da FAUL, levando a que Pedro Pinto de Jesus, muito próximo do secretário-geral do PS, tenha de assegurar o lugar, como fez quando Duarte Cordeiro se afastou. O líder do PS disse que não pode “sequer aceitar a ideia de que tenha desvalorizado uma matéria central”, acrescentando que quem o conhece e acompanha a sua intervenção política sabe que “não hesita um milímetro” nessas matérias. Ainda assim, retribuindo a farpa ao antecessor, fez notar que “um secretário-geral do PS não faz julgamentos na praça pública dos seus eleitos” e deve resolver problemas internamente..Por seu lado, na nota divulgada esta quarta-feira, Ricardo Leão agradeceu a “solidariedade e apoio” manifestado “por todos” os presidentes de concelhias da FAUL e “por todos” os presidentes de câmara eleitos pelo partido no Distrito de Lisboa..Ricardo Leão garantiu ainda rejeitar “a associação entre criminalidade e imigração”, afirmando que nunca fez tal associação, que isso seria “atentatório dos valores humanistas do socialismo democrático e internacionalista”. “Continuarei a trabalhar no exercício do meu mandato popular como presidente da Câmara Municipal de Loures, como sempre empenhado na aplicação dos princípios do socialismo democrático e do humanismo que coloca as pessoas, em especial os mais desprotegidos, as mulheres e as crianças, no centro da ação política e das políticas públicas com direitos e deveres iguais para todos e todas”, acrescentou..Ricardo Leão agradeceu a “defesa pública” do seu trabalho enquanto presidente da Câmara de Loures “que é feita pelo secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos”, e adiantou que irá focar-se na recandidatura nas Eleições Autárquicas que se realizam em 2025..CDU defende alteração .Entretanto, na reunião da Assembleia Municipal de Loures marcada para o final da tarde desta quinta-feira, o deputado municipal comunista Bruno Caçador Simão, irá propor uma alteração ao Regulamento de Habitação do Município de Loures, com a recomendação de que “não proceda à elaboração e submissão proposta de alteração” ao documento, nos termos da proposta do vereador do Chega que foi aprovada pelo Executivo camarário a 30 de outubro, passando a “contemplar a pena acessória de despejo para quem se prove culpado pela prática de um qualquer ilícito, mesmo que este em nada se relacione com as obrigações constantes do contrato de arrendamento”..Nessa iniciativa dos eleitos da CDU na Assembleia Municipal de Loures, a que o DN teve acesso, defende-se que “a determinação de penas acessórias por delitos julgados e sentença transitada é competência exclusiva dos tribunais, nos estritos termos das leis aplicáveis, pelo que a sua fixação em regulamento administrativo municipal viola grosseiramente a lei e a Constituição da República Portuguesa”.