A revisão da disciplina de Português Língua Não Materna (PLNM), a criação de um nível zero de proficiência, a agilização da integração no Ensino Básico (EB) e a contratação de mediadores linguísticos e culturais foram algumas das medidas implementadas no decorrer do 2.º período para fazer face ao aumento crescente dos alunos migrantes no sistema de ensino. Os dados mais recentes do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) dão conta da contínua chegada às escolas de alunos estrangeiros. Entre os anos letivos 2018/2019 e 2023/2024, o número evoluiu de 53 mil para 140 mil (de 187 nacionalidades), representando quase 14% dos alunos do Básico e Secundário. Esta evolução foi particularmente rápida nos dois últimos anos letivos, pois o número de alunos estrangeiros duplicou, de 70 mil para 140 mil, e em algumas zonas do país até quadruplicou. Segundo a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), num relatório divulgado na semana passada, a 31 de dezembro de 2024 Portugal tinha “pelo menos 1.546.521 cidadãos estrangeiros”, mais 81.075 do que no final do 1.º semestre de 2024 (1.465.446). Os números do MECI indicam um aumento generalizado de alunos migrantes em todo o país, com exceção dos municípios de Barrancos e Mora. Quase todo o Litoral tem entre 11 e 20% de alunos migrantes nas suas escolas. As zonas onde esses números são mais expressivos são as da Grande Lisboa (entre 21 e 30%), Odemira, Aljezur ,Vila do Bispo e Albufeira (entre 31 e 40%).Segundo Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), as escolas continuam a receber diariamente alunos provenientes de diferentes países, “principalmente do Brasil”. “É uma constante e um autêntico desafio para as escolas, mas principalmente para a sociedade”, afirma ao DN. O responsável considera prematuro avaliar as medidas implementadas neste período, embora acredite que “os resultados devam ser positivos, com base na autonomia concedida às escolas”. “Francamente positiva” é, segundo o presidente da ANDAEP, a chegada às escolas de mediadores linguísticos e culturais. Mas faz uma ressalva: “Dará frutos mais tarde, embora insuficiente, pedindo-se que no próximo ano o número destes mediadores seja reforçado, e o seu vínculo deixe e ser precário”. E há, para Filinto Lima, ainda outros pontos a melhorar e uma necessidade de maior investimento. “As escolas fazem o melhor que podem com os recursos humanos de que dispõem. A qualidade da sua intervenção pode aumentar se dispuserem de mais professores de PLNM, mediadores linguísticos e culturais que, para além da aprendizagem da língua, promovam atividades de integração, como a apresentação dos usos, costumes e tradições dos seus países”, conclui.Escolas precisam de mais recursos humanosPedro Barreiros, secretário-geral da Federação Nacional da Educação (FNE), adianta ao DN que a maioria das medidas previstas foram implementadas e “as escolas têm conseguido efetivar a integração dos alunos, com maior ou menor dificuldade”. Até porque, conta, “é uma preocupação maior ir ao encontro das necessidades dos alunos”. “Mas os processos levam algum tempo a serem interiorizados”, confessa. Segundo o sindicalista, embora nem todos os diretores escolares sejam unânimes na avaliação dessas medidas, a maioria acredita estarem a ser “vantajosas”, embora sejam “ainda insuficientes”. “O nível zero veio facilitar a inclusão e o acompanhamento dos alunos sem qualquer referência/proximidade com a língua portuguesa. O reconhecimento da realidade de que muitos alunos chegam às escolas sem qualquer conhecimento da língua portuguesa, facilitou a criação de processos para que estes alunos se sentissem melhor acolhidos”, explica. No que se refere ao ensino de Português aos pais dos alunos migrantes, a FNE diz não ter nenhuma indicação de que este objetivo esteja a ser concretizado.Pedro Barreiros garante haver um grande esforço por parte das escolas para fazer face à crescente chegada de alunos migrantes e para rentabilizar os recursos disponíveis. Contudo, salienta, há um sentimento de “desalento”, pois “apesar dos melhores esforços, estão a falhar, sobretudo por falta de recursos humanos”.Para minorar as falhas, o secretário-geral da FNE afirma ser necessário permitir às escolas “a utilização de crédito horário para programas focados na integração de todos os alunos que não têm o português como língua materna”, bem como “permitir a constituição de equipas de acompanhamento, constituídas por professores com a sensibilidade e o conhecimento que potenciem uma integração mais eficaz, e formar docentes para um perfil capaz de desenvolver estas dinâmicas de integração e acompanhamento”.“Há escolas com mais de 40 alunos inscritos em PLNM sem mediador atribuído”Cristina Mota, porta-voz da Missão Escola Pública (MEP) – um movimento apartidário de professores –, tece várias críticas ao processo de integração dos alunos migrantes por falhas nos recursos disponíveis para fazer esse acompanhamento e garante que as medidas implementadas “não tiveram impacto visível nas escolas neste 2.º período”. “Tendo sido introduzidas já com o ano letivo em curso, a sua operacionalização apenas será possível no próximo ano, nomeadamente no que respeita à revisão da disciplina de PLNM ou à criação do nível zero de proficiência”, explica. Critica também a crescente responsabilização das escolas no processo de colocação de alunos estrangeiros “sem que lhes tenham sido atribuídos meios adicionais”. “Trata-se, portanto, de uma mudança burocrática que recai sobre as escolas, sem garantir melhorias efetivas no processo de acolhimento”, refere. Cristina Mota lamenta ainda o reduzido número de mediadores culturais contratados, face à necessidade dos agrupamentos. “É urgente reforçar esta resposta e assegurar que todos os alunos estrangeiros, mesmo os que falam português, tenham acesso a este tipo de apoio, essencial para a adaptação ao sistema educativo português”, reforça. A porta-voz da MEP denuncia ainda “casos concretos, confirmados pela MEP, de escolas com mais de 40 alunos inscritos em PLNM sem qualquer mediador atribuído”. “Os critérios de atribuição são, na prática, muito restritivos, e a distribuição revela-se insuficiente e pouco transparente”, afirma.Cristina Mota pede, por isso, mais investimento porque, garante, “as escolas não estão a conseguir dar resposta adequada a estes alunos – não por falta de empenho dos profissionais, mas porque não lhes são dadas condições, recursos humanos e materiais para o fazer”. Umas das medidas considerada essencial para os professores é a criação do “Ano Zero” obrigatório para todos os alunos estrangeiros, independentemente do seu grau de proficiência em português.“As escolas estão a receber os alunos. Falta agora que o Estado os saiba acolher com dignidade”, conclui.“A escola não pode lidar sozinha com o processo de integração”Fabrício Reis, especialista em educação e integração de alunos migrantes, pede uma visão mais ampla do processo de integração dos estudantes, no qual toda a comunidade esteja envolvida. “O grande problema é pensar que é a escola que tem de dar todas as soluções. A escola não pode lidar com o processo de integração sozinha, tem de contar com a comunidade e com as associações locais”, justifica. Quando questionado pelo DN sobre os problemas existentes na integração de alunos migrantes, Fabrício Reis diz ser preciso, primeiro, fazer um diagnóstico nacional. O especialista é também gestor de projetos da associação Comparte e tem em mãos o “Escola Sem Fonteiras”, cujo objetivo é fazer um mapeamento do que está já implementado, o que funciona e o que é preciso fazer mais para que o processo de integração seja o mais eficaz possível. Os resultados desse diagnóstico serão conhecidos no final do mês de maio.Conhecimento limitado da língua portuguesaSegundo o MECI, “embora cerca de metade dos alunos estrangeiros tenha nacionalidade brasileira e 72% dos alunos estrangeiros tenham nacionalidade de um país da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, um pouco mais de 1 em cada 4 alunos estrangeiros matriculados tem um conhecimento de origem limitado da língua portuguesa”.