À medida que a pandemia de coronavírus se espalha pelo mundo, cada país vai empreendendo medidas para tentar travar a propagação. Tal pode significar decretar o estado de emergência, como aconteceu em Portugal, e dar poderes especiais aos governos para poderem lidar com o covid-19..Na maioria dos casos, os poderes especiais têm de ser constantemente revalidados: em Portugal, o estado de emergência dura 15 dias e é preciso autorização do Parlamento para o prolongar; tal como em Espanha com o estado de alarme, que já foi prolongado durante mais 15 dias. Mas pode durar mais: no Reino Unido a legislação de emergência aprovada para enfrentar o coronavírus e que deverá durar dois anos só será revista dentro de seis meses (e depois de o Labour pressionar nesse sentido)..Mas há quem esteja a aproveitar as circunstâncias excecionais para reforçar o poder, fazendo soar os alarmes entre a oposição ou na comunidade internacional, como é o caso da Hungria..Hungria, poderes sem limite de tempo.Dentro da União Europeia, é o caso da Hungria que mais está a chamar a atenção. O Parlamento húngaro aprovou nesta segunda-feira um projeto de lei que permite ao primeiro-ministro Viktor Orbán prolongar de forma indefinida o estado de emergência que está em vigor desde 11 de março. Só uma maioria de dois terços (que o Fidesz, o partido de Orbán detém) pode levantar essa medida..Segundo o projeto de lei, aprovado por 137 votos a favor (além dos deputados do Fidesz, os da extrema-direita do Movimento Nossa Pátria) e 53 contra, o governo pode "suspender certas leis por decreto" e "introduzir outras medidas extraordinárias" com o objetivo de garantir "a saúde, a segurança pessoal e material dos cidadãos, bem como a economia"..Entre outras medidas, o decreto estabelece como crime a publicação de factos "falsos" ou "distorcidos", com os responsáveis a poderem ser condenados a penas de até cinco anos de prisão. "Com o terrível histórico de Orbán em relação à liberdade de imprensa, isto levanta receios genuínos de que a lei tem como objetivo esmagar as últimas vozes críticas da oposição", segundo a Human Rights Watch. .Quando políticos da oposição recusaram aprovar o projeto de lei através de um procedimento de emergência, na semana passada, foram apelidados de traidores. Uma retórica que o deputado independente Akos Hadhazy disse à AFP ser uma "armadilha para a oposição", que o governo acusa de estar "ao lado do vírus", uma vez que, como já tinha maioria de dois terços no Parlamento, Orbán não precisava de ter poderes acrescidos..O líder do partido da oposição Jobbik, Peter Jakab, diz que o decreto coloca a democracia húngara de quarentena. Mas o primeiro-ministro diz que irá usar os seus poderes extraordinários de forma "proporcional e racional"..A Human Rights Watch tinha apelado à rejeição do projeto de lei para "salvar a democracia", avisando que caso tal não acontecesse a Hungria corria o risco de enfrentar as consequências durante muitos anos, mesmo depois de a pandemia acabar. Já a Amnistia Internacional tinha alertado para o facto de o projeto criar "um estado de emergência indefinido e não controlado", dando a Orbán "carta-branca para restringir os direitos humanos" no país. "Essa não é a maneira de lidar com a crise real que foi causada pela pandemia do covid-19", disse o diretor da organização na Hungria, David Vig.."Um estado de emergência por tempo ilimitado e sem controlo não pode garantir que os princípios básicos de democracia vão ser observados e que as medidas de emergência que restringem os direitos humanos fundamentais são proporcionais à ameaça que deviam combater", lia-se numa carta enviada a Orbán pela secretária-geral do Conselho da Europa, Marija Pejčinović Burić..Não é a primeira vez que Orbán, um anticomunista de 56 anos que lidera um projeto que apelida de democracia iliberal (em que se limitam certas liberdades em nome do interesse nacional), é criticado por organizações de direitos humanos ou pela União Europeia, que já o acusou de violar os valores europeus. No poder desde 2010, depois de um primeiro mandato entre 1998 e 2002 e oito anos na oposição, Orbán transformou o cenário político, judicial e constitucional da Hungria..Orbán acusou os imigrantes de levarem o coronavírus para a Hungria, uma vez que os dois primeiros casos confirmados eram de dois estudantes iranianos. O país de dez milhões de habitantes tem agora 447 infetados e já registou 15 mortos, com o governo a dizer nesta segunda-feira que já tinha feito mais de 13 300 testes. O país está num confinamento parcial, com os húngaros a sair de casa só para atividades essenciais, com lojas, restaurantes e escolas fechadas. As fronteiras estão fechadas..Bélgica, um governo coronavírus.As eleições belgas foram em maio de 2019, mas só em outubro é que o país teve um novo governo - interino, por falta de acordo entre os diferentes partidos a nível federal. Sophie Wilmès tornou-se então a primeira mulher a assumir a chefia de governo na Bélgica, à frente de um executivo de continuidade em relação ao de Charles Michel (que tinha saído para assumir a presidência do Conselho Europeu)..O coronavírus veio mudar a situação. A 17 de março, Wilmès foi eleita com o apoio de todos os partidos (com a exceção da extrema-direita flamenga e da extrema-esquerda) para liderar um governo de resposta à epidemia, com poderes legislativos completos que não tinha enquanto interina e durante pelo menos três meses (que pode ser prolongado por mais três meses)..Mais terá poderes especiais para evitar o normal processo legislativo, de forma a lidar com o impacto do coronavírus no sistema de saúde e na economia. Mas também em áreas como segurança, indústria, transportes, forças armadas ou energia..Mas os poderes especiais não são um "cheque em branco", avisou a oposição, já que o Parlamento mantém a função de supervisão e o governo tem de o manter informado das medidas. Além disso, o decreto estabelece, por exemplo, que o poder de compra das famílias e a proteção social não podem ser afetados..Na Bélgica, um país de 11,4 milhões de habitantes, há registo de 513 mortes por coronavírus e 11 899 casos confirmados de infeção. As medidas de confinamento foram alargadas por mais duas semanas na passada sexta-feira, até 18 de abril. As escolas, os restaurantes e a maioria das lojas estão fechadas, sendo a entrada nos supermercados controlada para permitir o distanciamento social..Polónia, mudanças na lei eleitoral.Os nacionalistas polacos aproveitaram uma lei que devia servir para proteger a economia dos efeitos da emergência sanitária causada pelo coronavírus para aprovar alterações à lei eleitoral, numa altura em que a oposição pede o adiar da primeira volta das presidenciais prevista para 10 de maio no país. O favorito é o atual presidente Andrzej Duda, aliado do Lei e Justiça (PiS, na sigla original) de Jarosław Kaczyński (considerado o homem por detrás do governo do primeiro-ministro Mateusz Morawiecki)..As alterações vão permitir o voto por correspondência dos cidadãos mais idosos e dos que estão em quarentena ou em auto-isolamento, mas não dos que vivem fora do país. As mudanças foram introduzidas à última hora na proposta de lei, aprovada numa sessão do Parlamento caótica durante o fim de semana com voto à distância (e queixas de alguns que não puderam ligar-se)..O problema, diz a oposição, é que o Tribunal Constitucional tinha decidido em 2006 que não era permitida qualquer alteração à lei eleitoral nos seis meses anteriores às eleições. O governo alega que era em matéria de fundo, não de procedimento..A proposta começou a ser discutida nesta segunda-feira no Senado, onde a oposição está em maioria, prevendo-se que houvesse uma tentativa de retirar as alterações à lei eleitoral. Contudo, qualquer atraso implica também atrasar medidas essenciais para a economia, que podem prejudicar a oposição aos olhos dos eleitores..Apesar da pressão da oposição, o PiS e Duda querem avançar com as eleições, aproveitando o sentimento de apoio às autoridades num momento de crise como a pandemia e a dificuldade de os candidatos opositores fazerem campanha, correndo o risco de ver o presidente perder apoio à medida que o tempo passe e o covid-19 deixe marcas na Polónia..A Polónia tem 1984 casos confirmados de coronavírus e já contabilizou 26 mortos. Na semana passada, as autoridades anunciaram que os polacos só são aconselhados a sair de casa em situações essenciais e limitaram a dois o número de pessoas que podem estar juntas nas ruas. Contudo, não declararam o estado de emergência - já que isso obrigava a adiar as eleições para, no mínimo, 60 dias após o fim desse período excecional.