Veto da Hungria e Polónia. "Avançar a 25 é difícil e seria um fracasso europeu"
De visita Lisboa no dia em que Hungria e Polónia reafirmaram o seu veto ao orçamento plurianual da União Europeia e ao plano de recuperação para o combate à pandemia, Clément Beaune diz esperar que se encontre uma solução "até ao fim do ano". Mas o secretário de Estado francês para os Assuntos Europeus não está dispostos a tudo para isso: "Temos de ser claros: é preciso ultrapassar este bloqueio. E não podemos abandonar o plano de retoma, mas também não vamos abandonar os nossos valores e este mecanismo do Estado de Direito". A solução? Para já negociar com húngaros e polacos. E se tudo falhar? "Se tivermos um bloqueio persistente, é preciso pensar noutras opções. Mas avançar a 25, digo-o já, é difícil e seria uma espécie de fracasso europeu".
Sentado numa sala do Palácio de Santos, a embaixada de França em Lisboa, Beaune é muito claro: "Este orçamento tem de traduzir uma solidariedade europeia e uma resposta comum à crise: o plano de recuperação ainda mais. E se não conseguimos fazê-lo todos juntos, seria uma desilusão". Num encontro com jornalistas pouco antes de apanhar o avião de volta a Paris, acrescenta: "De qualquer forma, tudo é melhor do que abandonar o plano de recuperação e o respeito pelo Estado de Direito".
Destacando que um recuo de Bruxelas neste momento seria "um sinal muito negativo", Beaune lembrou que o mecanismo de Estado de Direito já estava previsto no acordo firmado em julho pelos 27. E lamenta o tempo perdido, mas volta a sublinhar que não podemos "recuar nos nossos valores". E questiona o conceito de unanimidade, que põe em causa muitas decisões na União Europeia.
A pouco mais de um mês da presidência portuguesa da UE, que antecede num ano exato a presidência francesa, Beaune vê este momento como uma "ponte" entre os dois países (até final do ano está a Alemanha na presidência da UE e em julho de 2021 Portugal passará a pasta à Eslovénia). E destaca a "convergência" entre franceses e portugueses em assuntos como o clima, as migrações, os direitos sociais, a defesa ou o Brexit, sublinhando a importância dos "impulsos por pequenos grupos de países" dentro da União.
Uma questão inevitável neste momento é a pandemia. "No plano sanitário estamos numa situação inédita", admite Beaune, sublinhando o facto de até agora não haver competências organizadas ao nível europeu em termos de saúde. Mas olhando para os últimos nove meses, o secretário de Estado francês admite que se no início houve "falhas" na cooperação e "tensões", como foi o caso na entrega de equipamentos e máscaras, no fecho de fronteiras, mas passado esse tempo, a Europa da Saúde ganhou existência eficaz e concreta.
E destaca o caso das vacinas. "Decidimos, hoje a 27, avançar com uma negociação europeia comum. É com o orçamento europeu que estamos a negociar com os grandes laboratórios internacionais". Para já há seis contratos assinados, e talvez um sétimo a caminho, e 1,5 mil milhões de doses reservadas pela UE, que serão distribuídas proporcionalmente por cada país nas próximas semanas ou próximos meses.
A alternativa, explica, era haver "um, dois ou três países que conseguiam a vacina primeiro, mas o país vizinhos ainda não a teria". Com todas tensões que isso iria criar a nível humano e político.
Beaune reforça a necessidade de os países europeus coordenarem as suas políticas de vacinação nos próximos meses. E admite que ainda falta muito para haver uma política de saúde comum aos 27, apesar de estar a avançar um orçamento que permite a aquisição de material como máscaras, luvas e batas de proteção contra a covid, bem como de kits de teste. Mas falta a partilha de dados. "Na primeira vaga, por exemplo, cada país contava os seus casos de covid de forma diferente e faziam-se comparações que muitas vezes não tinham muito sentido", afirmou.
Isso está a mudar. E o secretário de Estado também destaca a ironia de nesta crise sanitária global, até as forças políticas que tradicionalmente se opõem à União Europeia se terem queixado não por Bruxelas estar a intervir demasiado, mas por estar a fazer pouco. Além de saudar a solidariedade entre países, lembrando que França teve de transferir doentes por exemplo para a Alemanha, o Luxemburgo ou a Áustria. "Não querendo parecer demasiado otimista, ou mesmo ingénuo, acho que nasceu aqui um espírito europeu que se foi desenvolvendo ao longo da crise".
Outro assunto premente por estes dias é o Brexit. A 31 de dezembro, termina o período de transição e ou Bruxelas e Londres chegam a um acordo comercial ou o Reino Unido sai sem acordo. "Não se pode dizer que já tenhamos um acordo e não sei se vamos ter um", admite Clément Beaune, admitindo que seria "preferível. Para nós mas mais ainda para o Reino Unido". Mas também aqui, como defende no orçamento, o secretário de Estado lembra que os europeus têm de se manter fiéis aos seus interesses. Afinal "somos um mercado oito vezes maior do que o britânico" e, negando qualquer "arrogância", garante que se os 27 se mantiverem firmes, há mais hipóteses de chegar a um acordo que respeite as suas prioridades.
Na visita de dois dias a Portugal, Beaune reuniu-se com a homóloga Ana Paula Zacarias para abordar as prioridades da agenda da presidência portuguesa da UE, mas esteve ainda com Carlos Moedas, ex-comissário europeu e administrador da Fundação Gulbenkian, bem como com o presidente da Câmara de Lisboa no âmbito da preparação da temporada cruzada França-Portugal, prevista para 2022.