Nova pneumonia na China. Os riscos, o que se sabe... e o que ainda falta saber
Contágio parece estar mais forte e os casos mortais ascendem a 56. Confirma-se que os doentes ainda sem sintomas transmitem a doença. A fonte original do novo coronavírus ainda é desconhecida, mas o comércio de animais selvagens está agora proibido no país.

Em Hong Kong, onde já há seis casos da doença, a população protege-se como pode.
© EPA/JEROME FAVRE
Quase um mês depois de a China ter anunciado o surto de uma nova pneumonia na cidade de Wuhan, a doença já alastrou à maioria das províncias do país, com casos também reportados em vários países. Na última semana, depois de um período de cerca de 15 dias em que o surto parecia ter sido contido no seu foco inicial, os novos casos começaram a multiplicar-se e a alastrar no país.
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Nesta altura sabe-se que a pneumonia é causada por um novo coronavírus, cujo genoma já tem uma primeira versão publicada. As autoridades chinesas tomaram, entretanto, medidas sem precedentes para tentar travar a progressão da epidemia, mas há muitas incertezas. Eis o que se sabe - e o que ainda falta saber.
Os números e a progressão da doença
Na última semana, os números sucessivamente anunciados pelas autoridades de saúde chinesas ficaram sempre rapidamente desatualizados. Neste domingo, os casos confirmados ascendem a cerca de 2000 no país, enquanto o número de mortos cifra-se em 56. No sábado foram identificadas 688 novas infeções e reportadas mais 15 mortes. As autoridades chinesas admitem que os doentes em estado grave nesta altura são 324. Positivo, por outro lado, é o número confirmado de 49 pessoas que superaram a infeção e já tiveram alta hospitalar.
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Segundo as autoridades de saúde do país, este é o momento "mais crítico" para travar a progressão da doença e conseguir contê-la. No entanto, avisam, a epidemia parece estar a acelerar e o contágio a tornar-se mais rápido.
"Há sinais de que a sua transmissão está a aumentar, e as fontes de contágio [as pessoas infetadas ainda sem sintomas da doença] tornaram difícil controlar e prevenir a doença", afirmou neste domingo Ma Xiaowei, presidente da Comissão Nacional de Saúde da China.
Casos na China e em mais 14 países e territórios
A esmagadora maioria dos casos ocorrem na China - são cerca de 2000 nesta altura -, onde ocorreram também todas as mortes registadas até agora. A maioria das províncias do país tem casos confirmados, escapando apenas as regiões mais a norte.
Fora da China, os casos confirmados ascendem a 38 e ocorreram em Macau e em Hong Kong, estando confirmados casos de infeção também em Taiwan, Tailândia, Japão, Coreia do Sul, Estados Unidos, Singapura, Vietname, Nepal, Malásia, França, Austrália e Canadá.
Todos os casos reportados fora da China estão ligados a visitas recentes à cidade de Wuhan. Portugal anunciou no sábado o primeiro caso suspeito da nova pneumonia, de um viajante também oriundo de Wuhan, mas as análises laboratoriais, cujos resultados foram conhecidos nesta manhã de domingo, não confirmaram a doença.
Um novo coronavírus na origem da doença
A pneumonia que emergiu na cidade chinesa de Wuhan há cerca de um mês é provocada por um novo coronavírus, anteriormente desconhecido da ciência, que os cientistas batizaram como 2019-nCoV e que é aparentado daquele que em 2002 e 2003 causou uma epidemia global de uma síndrome respiratória aguda (SARS, na sigla em inglês) com um saldo global de 774 vítimas mortais, em mais de oito mil casos.
A origem do coronavírus, assim chamado devido à sua forma, que faz lembrar uma coroa, ainda é desconhecida. Sabe-se que o surto emergiu a partir de um mercado de venda de peixe fresco e marisco e outros animais vivos, incluindo espécies selvagens, como morcegos e cobras.
O mais provável é que a fonte original do agente patogénico seja uma das espécies de selvagens, à semelhança do que aconteceu na epidemia de SARS, em que o reservatório do respetivo coronavírus, como depois se verificou, eram as civetas, um gato selvagem. Neste momento, porém, os investigadores não conseguiram ainda determinar de que animal provém o novo coronavírus, que passou a barreira de espécies e passou a infetar os humanos.
Os sintomas da doença e as incertezas sobre o contágio
Os sintomas associados à infeção causada pelo novo coronavírus são mais intensos do que uma gripe e incluem febre, dor, mal-estar geral e dificuldades respiratórias, incluindo falta de ar.
Neste domingo, o presidente da Comissão Nacional de Saúde, Ma Xiaowei, afirmou que "a capacidade de propagação do vírus se reforçou", o que indica que já terá sofrido mutações desde que passou a infetar humanos.
O período de incubação da doença, que parece ser em média de 14 dias, é outro fator desfavorável, já que os doentes ainda sem sintomas, desconhecendo portanto a sua condição, são fonte de contágio para outras pessoas. Ma Xiaowei afirmou a propósito que isso tem tornado difícil o controlo da doença, admitindo que o novo coronavírus não é tão perigoso como o da SARS, mas é mais contagioso.
Medidas sem precedentes na China
Ao longo da última semana, quando se tornou claro que o surto não tinha ficado contido na origem e começaram a surgir casos dispersos em diferentes províncias do país, que por sua vez se multiplicaram exponencialmente a cada novo dia, as autoridades chinesas foram tomando medidas crescentemente apertadas, isolando sucessivamente várias cidades - são agora 17, afetando cerca de 52 milhões de pessoas -, cancelando festejos do ano novo lunar, encerrando monumentos e parques de diversões, bloqueando transportes e vias e adiando indefinidamente o reinício das aulas nas cidades de quarentena.
Pequim, Xangai, Xian e Tianjin cancelaram todos os transportes de longo curso de e para fora das respetivas cidades. Nas províncias de Guandong e nas principais de cidades das regiões afetadas, o uso de máscara é obrigatório.
Em Wuhan há dois novos hospitais em construção para tratar exclusivamente estes doentes. Um deles abre já a 3 de fevereiro, o outro ficará operacional na semana seguinte.
Uma medida inédita tomada igualmente neste domingo tem que ver com o comércio de animais selvagens, que a partir de hoje está temporariamente banido em todo o país.
"Baixo risco" para o resto do mundo
Apesar de na China se viver uma situação de emergência médica, o risco global parece ser menos preocupante. O Centro Europeu de Controlo de Doenças (ECDC, na sigla em inglês) considerou neste domingo que é baixa a possibilidade de transmissão secundária no espaço da União Europeia (a partir dos casos chegados de fora) "desde que sejam cumpridas as práticas de prevenção e controlo de infeção relacionadas com um eventual caso importado".
O Canadá reportou neste domingo o seu primeiro caso, o de um viajante da China. Os Estados Unidos anunciaram que um terceiro caso de coronavírus foi confirmado no sábado e que respeita a um homem que está na Califórnia e que esteve em Wuhan. Os três primeiros casos na Europa foram registados na França na sexta-feira.
Medidas de controlo fora da China
Nesta semana, a Organização Mundial da Saúde decidiu não declarar a nova pneumonia como emergência médica global, reconhecendo, no entanto, que se trata de uma emergência médica na China e mantendo em aberto a possibilidade de tomar outra decisão no futuro.
Inúmeros países, incluindo os Estados Unidos e vários da Ásia, implementaram entretanto medidas de rastreio da temperatura de viajantes procedentes da cidade de Wuhan.
Os Estados Unidos decidiram também que vão retirar o seu pessoal e cidadãos americanos que se encontram bloqueados em Wuhan.
Medidas tomadas por Portugal
A Direção-Geral da saúde acionou na quarta-feira os protocolos estabelecidos para este tipo de situações, reforçando no Serviço Nacional de Saúde a linha Saúde 24, através do número 800242424, e a linha de apoio médico, para triagem, a fim de evitar que em caso de eventual contágio as pessoas não encham os centros de saúde e as urgências, estando em alerta o Hospital de São João, no Porto, o Curry Cabral e o D. Estefânia, em Lisboa.
O governo português indicou, entretanto, que foram identificados 20 portugueses que são residentes em Wuhan ou que se encontram em visita e está a estudar a possibilidade de os retirar daquela cidade, "se isso for viável à luz das regras de saúde pública".
O governo emitiu neste domingo também um aviso desaconselhando "viagens não essenciais" à China, enquanto a Embaixada de Portugal em Pequim alertou os portugueses residentes na China para a "evolução muito rápida" do novo coronavírus no país, apontando a celeridade com que as autoridades locais estão a implementar medidas de quarentena.
"Sublinhamos que a evolução da situação é muito rápida e que as decisões das autoridades chinesas em impedir a circulação de transportes ou de implementar medidas de quarentena não são comunicadas com antecedência e têm aplicação praticamente imediata", lê-se na nota, difundida através do portal oficial da embaixada.