"Ainda não usei máscara, até porque não a tenho, mas fui à rua à hora do almoço e vi que estava toda a gente de máscara", conta Ana Cristina Vilas, que vive em Macau há 38 anos, A "única coisa" que a preocupava era haver máscaras, preocupação que deixou de ter depois de a Região Administrativa Especial encomendar 20 milhões de unidades. Mas ainda não as conseguiu comprar..O uso da máscara é uma das precauções recomendadas pelas autoridades para prevenir a expansão do coronavírus, responsável nova pneumonia. Já matou 25 pessoas na China, segundo balanço das autoridades divulgado esta madrugada (hora de Lisboa) e infetou mais de 800 pessoas, duas delas detetadas em Macau..Um dos casos foi identificado na quarta-feira, uma mulher de 52 anos que estava a jogar no Casino Landemark, e outro, nesta quinta-feira, um homem de 66 anos intercetado quando entrava em Macau, ambos residentes em Wuhan. Esta cidade tem 11 milhões de habitantes e registou os primeiros casos e mortes com a doença, estando agora proibidas entradas e saídas de pessoas. A mesma proibição foi entretanto alargada a Huanggang (7,5 milhões) e Ezhau (1 milhão)..O Centro de Coordenação de Contingência do novo tipo de Coronavírus de Macau fez na tarde desta quinta-feira o último balanço. Além das duas vítimas confirmadas, há 15 pessoas em quarentena: dez são amigos dos dois doentes e cinco são casos de alto risco..Dez unidades por pessoa."Cinquenta e quatro farmácias começaram a distribuir mais máscaras por volta das 18.00 desta quinta-feira e houve pessoas que foram para a fila às 09.30. São muitas filas e não estou para isso, vou esperar, até porque o problema não é de ontem, de hoje ou de amanhã, vai ser daqui a 15 dias, quando terminar todo este afluxo de pessoas motivado pelas celebrações do Ano Chinês [neste sábado]", descreve Ana Cristina Vilas..A portuguesa, de 54 anos, que é funcionária pública e está casada com um cidadão chinês, refere-se à rede de distribuição de máscaras ao preço de cerca de 80 cêntimos pelas farmácias do território. Vendem dez máscaras a cada pessoa, o suficiente para usar durante dez dias, altura em que pode fazer nova aquisição. As compras são registadas mediante a apresentação da identificação. Inicialmente, as autoridades disseram que seria dada prioridade aos trabalhadores residentes, mas perante os protestos recuou, permitindo a venda a não residentes. Também podem ser compradas noutros estabelecimentos, só que estes não têm o fornecimento garantido.."Vivo em Macau há 38 anos, já passei pela SARS (síndrome respiratória aguda grave) e pela MERS (síndrome respiratória do Médio Oriente) e não vou dizer que não estou apreensiva, mas estou a tentar levar isto com calma", argumenta Ana Cristina Vilas. E mesmo os que não viveram em Macau nessa altura recordam a gravidade da situação.."Em 2003, com a SARS, só houve uma pessoa doente em Macau, dizem até que foi um milagre. Agora já há dois casos, mas são pessoas que vieram de Wuhan. Uma mulher que entrou e andou a passear por Macau e um homem detetado na fronteira. As autoridades tomaram medidas mais cedo", conta Gonçalo Lobo Pinheiro, fotojornalista, a viver em Macau há dez, onde tem a mulher, uma filha e os gémeos..O único caso de SARS registado em 2003 em Macau foi posteriormente desconfirmado pelas autoridades sanitárias locais..Ana Cristina reside em Taipa, uma das ilhas que constituem o território de Macau, que tem muito menos afluência do que a ilha de Macau. Por isso, Ana Cristina ainda não sentiu necessidade de usar máscara e a família vai manter os convívios à mesa para celebrar o novo ano, com uma ou outra diferença: neste ano não vai comemorar a passagem de 2019 para 2020 no casino como costuma fazer..Os chineses e os macaenses têm feriado a partir da tarde desta sexta-feira até segunda-feira, inclusive, há bancos que fecham também na terça-feira. Os funcionários públicos regressam ao trabalho na quinta e os estudantes têm 15 dias de férias. Se por um lado a população vê com tristeza que a doença se tenha revelado nesta altura do ano, limitando as celebrações, por outro acredita que pode resguardar-se mais em casa.."Estará calmo no primeiro e no segundo dia do novo ano, mas a partir do terceiro (terça-feira) as pessoas já não se visitam - os chineses dizem que ao terceiro dia de visitas pode haver confusões na família - e Macau começa a encher, entram milhões de chineses. Vivo na ilha de Taipa e não costumamos ir a Macau nesta altura, também não vamos em outubro e aos fins de semana", justifica Ana Cristina..Gonçalo Pinheiro não vai entrar em histerismos, o que não significa que não esteja preocupado. "Há sempre uma certa apreensão, estamos na expectativa. Obviamente que temos de tomar as precauções que o governo aconselha", diz. Como o uso de máscara, tomar vitamina C, beber muita água, desinfetar as mãos, evitar espaços com muita gente..A parada e o fogo-de-artifício do Ano Novo Chinês foram cancelados, apenas se mantendo a queima de panchões (cartuchos vermelhos com pólvora), uma espécie de foguetes..O fotojornalista trabalha no centro de Macau, numa zona muito movimentada, e começou logo a usar máscara. Tinha em casa, mas comprou mais duas caixas, além de desinfetante e vitamina C, para crianças e para adultos..Espaços públicos em alerta.Nélson Rocha abriu, com o pai, o restaurante Mariazinha no centro de Macau, mesmo junto às ruínas de São Paulo. Entre as especialidades gastronómicas servem francesinha, ou não fossem eles do norte e com marca familiar na restauração. Marca essa iniciada há 38 anos por um tio em Matosinhos e em Leça da Palmeira..Nélson conheceu a mulher em Portugal, que é da China e cresceu em Macau, e não descansou enquanto não levou o pai para Macau. Foi há seis anos, a crise em Portugal ajudou a convencer o progenitor. Abriram o restaurante há quatro anos e não se arrepende da mudança.."O restaurante está a correr bem e Macau é uma terra extremamente simpática para uma família crescer. Vim com a mulher e a filhota, agora já somos cinco", explica Nélson Rocha. O Mariazinha abre todos os dias, só fecha algumas horas durante a tarde. Ao almoço atendem sobretudo portugueses, ao jantar é uma clientela mais oriental, oriunda de vários países..Nélson, o pai e os 12 funcionários usam máscaras desde esta quinta-feira. "O governo deu indicação para os empregados de restaurantes, cafés, casinos, etc. usarem máscara, esta é uma doença grave e tentamos prevenir os danos." Não é agradável, mas tem de ser", diz. Sente que "continua tudo mais ou menos normal", à parte o uso de máscaras e de perceber que as pessoas tentam evitar concentrações, sobretudo em sítios fechados..As duas filhas de Nélson Rocha andam na Escola Luso-Chinesa da Flora, uma instituição que sempre verificou a temperatura das crianças à entrada, mas agora reforçou as medidas de prevenção da doença. Já na escola da filha de Gonçalo Lobo Pinheiro essa medida foi introduzida só agora..João Guedes, 35 anos, jurista, nasceu em Macau e tirou Direito na Universidade de Coimbra, regressou a Macau, onde vive com a mulher e as filhas de 12, 11 e 2 anos. As crianças andam na Escola Portuguesa, que "implementou uma série de medidas para prevenir o coronavírus, sobretudo a verificação da temperatura, a distribuição de máscaras", conta João Guedes, que trabalha para o governo. Isto além de equipamentos como aparelhos de gel desinfetante, que ficaram do tempo da SARS. Até aqui, a temperatura só era verificada às crianças da creche..E há uma especial fiscalização nas fronteiras, sejam terrestres, aéreas ou marítimas, o que o ajuda a tranquilizar as famílias.."Estamos atentos, ficámos traumatizados com a SARS. Macau e Hong Kong foram muito afetados pela SARS. O governo, tendo essa lembrança, tomou logo todas as precauções, está a controlar a situação, a ver como vai a evoluir..A família Guedes comemorou o ano novo na Europa e prepara-se para comemorar o Ano Novo Chinês. Neste ano sem saídas de casa para assistir os eventos oficiais. "Com as precauções básicas para este tipo de situações, sobretudo a nível de higiene. Ainda não andamos de máscara, mas já vimos muitas pessoas com ela desde ontem [quarta-feira, quando apareceu o primeiro caso na região]..Em 2002, quando surgiram os primeiros casos de SARS, o governo chinês demorou a tomar medidas. Desta vez reportaram em tempo útil o surto de Wuhan, atitude que a Organização Mundial de Saúde (OMS) saudou..A organização reuniu-se de emergência e o diretor-geral, Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse nesta quinta-feira que não há necessidade de declarar situação de emergência global. "Esta é uma emergência na China, mas ainda não se tornou uma emergência de saúde global", justificou..A SARS surgiu em 2002 na China, também por altura do Ano Novo Chinês, e alastrou a 26 países. Fez mais de oito mil vítimas, das quais 774 morreram, mais de 600 na China. Era uma pneumonia atípica, também causada por um coronavírus, um tipo que provoca infeções respiratórias em humanos e em animais. Algumas podem ser graves, outras ficam-se por constipações benignas..Em 2011 ocorreu um outro surto causado por outro coronavírus - a MERS - no Médio Oriente. Começou na Jordânia e na Arábia Saudita e alastrou a dezenas de países, com 2500 casos confirmados, 800 morreram.