O que fica suspenso no Parlamento: eutanásia, comissões bancárias e juízes do Constitucional

Suspensão quase total dos trabalhos parlamentares deixa em <em>standby </em>várias propostas que já foram aprovadas na generalidade mas cujo processo legislativo está ainda em curso.
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A suspensão da quase totalidade dos trabalhos parlamentares deixa parados vários processos legislativos que estavam em curso. Muito embora a Assembleia da República continue em funcionamento, a agenda foi praticamente toda cancelada. As comissões parlamentares não se reúnem, salvo em casos excecionais - por exemplo, a aprovação da legislação relacionada com a pandemia do coronavírus - e a esmagadora maioria das sessões plenárias que estavam agendadas foram anuladas. Resta um debate quinzenal com o primeiro-ministro, nesta terça-feira.

Um dos dossiês mais relevantes que agora ficam parados é o do trabalho na especialidade dos cinco projetos de lei sobre a morte assistida que foram aprovados na generalidade, no Parlamento, a 20 de fevereiro. Uma vez votados na generalidade, os documentos passam para as comissões parlamentares, onde são trabalhados ponto a ponto e podem ser alterados, até chegar à versão final do texto, que é novamente levada ao plenário, na votação final global - o último passo na aprovação de um diploma na Assembleia da República.

As propostas sobre a eutanásia baixaram à comissão de Assuntos Constitucionais, que nomeou um grupo de trabalho que tentará chegar a um texto consensual, a partir das várias propostas que estão em cima da mesa. Mas esta tarefa não chegou a iniciar-se e só deverá ser retomada quando o funcionamento do Parlamento voltar à normalidade.

Maria Antónia Almeida Santos, um dos principais rostos do projeto de lei do PS sobre esta matéria, sublinha que o processo não tem de ficar necessariamente estagnado, dado que há muita documentação, muitos pareceres para ler, e um trabalho de convergência dos textos que não precisa de ser feito presencialmente em comissão. Mas será sempre um trabalho preparatório e não decisório (que envolva, por exemplo, votações) - esse tem de ser feito presencialmente.

Mas a deputada, que é também presidente da comissão parlamentar de Saúde, também acrescenta que esta não é uma prioridade neste momento e que haverá tempo para voltar ao tema nesta sessão legislativa. Ou, mesmo que isso não viesse a acontecer, a única consequência seria um adiamento para o próximo ano parlamentar, a partir de setembro, dado que o final da sessão legislativa não tem efeitos sobre os projetos já aprovados (que só caducam em caso de fim da legislatura).

Também José Manuel Pureza, do Bloco de Esquerda, partido que tem também um projeto de lei sobre a morte assistida, não vê razão para um período muito longo de discussão, dado que as várias propostas que estão em cima da mesa têm formulações muito próximas. "Os projetos são muito idênticos, em quase tudo. Desse ponto de vista o processo legislativo não tem de ser muito prolongado. Mas pode acontecer - do meu ponto de vista é provável que aconteça - que forças políticas que são contra avancem como pedidos de audições", diz o parlamentar do BE. Embora não veja, por agora, razão para esse cenário se concretizar, José Manuel Pureza diz que "numa situação absolutamente excecional, isto passaria para a próxima sessão legislativa".

Outro processo legislativo em curso na comissão de Assuntos Constitucionais é o da lei da nacionalidade, para o qual foi igualmente constituído um grupo de trabalho, neste caso com uma tarefa mais espinhosa dada a clara divergência entre as posições dos vários partidos. Foi já em dezembro de 2019 que os deputados aprovaram dois projetos de lei, do PAN e do PCP, que alteram a lei da nacionalidade. A proposta apresentada por Joacine Katar Moreira foi chumbada e a do BE, também na iminência de um chumbo, baixou sem votação.

O projeto da bancada comunista propõe a nacionalidade portuguesa para "os nascidos em Portugal, desde que um dos seus progenitores, sendo estrangeiro, seja residente no país, e que, na aquisição da nacionalidade por naturalização, os cidadãos nascidos em Portugal a possam adquirir, sem que isso dependa do tempo de residência em Portugal dos seus progenitores".

Já o projeto de lei do PAN sugere o alargamento do acesso à naturalização às pessoas nascidas em Portugal após 25 de abril de 1974 e antes da entrada em vigor da lei da nacionalidade. A versão final dependerá do que for acordado no trabalho na especialidade, mas este é também um debate que fica por agora adiado.

Na mesma situação - num grupo de trabalho - estão as alterações ao Código Civil que deverão consagrar o princípio da residência alternada dos filhos de pais divorciados, com várias propostas que também foram aprovadas já em dezembro. No entretanto, meteu-se a discussão do Orçamento do Estado para 2020, pelo que também neste caso o trabalho na especialidade estava ainda a dar os primeiros passos.

Alterações às comissões bancárias

No final de fevereiro, o Parlamento aprovou, na generalidade, a imposição de limites a algumas comissões praticadas pelos bancos. A proibição de cobrança de comissões no MB Way ficou relegada para discussão na especialidade, um processo que também não foi finalizado.

Em cima da mesa está o projeto de lei do PS que prevê a adoção de "normas de proteção do consumidor de serviços financeiros de crédito à habitação, crédito ao consumo e utilização de plataformas eletrónicas operadas por terceiros". Bem como duas propostas do PSD, uma que visa restringir "a cobrança de comissões bancárias" e uma segunda que propõe alterações aos serviços mínimos bancários.

Bloco de Esquerda, PCP e PAN também têm propostas visando a limitação na cobrança de comissões e a proibição de cobrança de encargos às operações realizadas através de aplicações digitais. Mas a articulação entre todas estas propostas, que será feita em sede de comissão parlamentar de Orçamento e Finanças, fica remetida para o retomar dos trabalhos parlamentares.

Municípios e regiões autónomas abrangidos pelo regime das PPP

Outra questão que fica a aguardar é a das parcerias público-privadas (PPP). Há cerca de duas semanas, o Parlamento - leia-se o PSD, o PCP, o PAN, o PEV e a Iniciativa Liberal - revogou o decreto do governo que instituía novas regras sobre as PPP, retirando as autarquias, as regiões autónomas e as políticas de habitação do regime das PPP (isentando-as, por exemplo, do parecer prévio do Tribunal de Contas). O diploma do executivo também atribuía ao Conselho de Ministros a fixação dos critérios para o lançamento de novas parcerias público-privadas, que antes estavam definidos na lei.

Apesar do voto contra do PS e da abstenção do CDS, a legislação - que tinha entrado em vigor em dezembro - foi mesmo revogada, mas o PS anunciou desde logo que voltaria à carga com a exclusão dos municípios e das regiões autónomas do regime geral das PPP. Uma intenção que, aliás, os socialistas já concretizaram com a entrega de um projeto de lei que consagra este princípio, que não chegou a ser agendado.

Também o PSD admitiu avançar com uma proposta do mesmo teor, o que ainda não aconteceu. Por enquanto, fica o que está: as novas normas foram revogadas e o regime geral aplica-se às autarquias, à Madeira e aos Açores.

Tribunal Constitucional continua com dois lugares em aberto

Suspensa ficou também a eleição de dois novos juízes para o Tribunal Constitucional, depois de o ex-deputado socialista Vitalino Canas e do juiz Clemente Lima terem falhado a obrigatória maioria de dois terços dos votos dos deputados. A lista apresentada pelo PS (os dois nomes foram votados em conjunto) obteve apenas 93 votos favoráveis, abaixo dos 108 parlamentares que compõem a bancada socialista.

A par da eleição para o Tribunal Constitucional, falharam também a reeleição de António Correia de Campos para a presidência do Conselho Económico e Social - e o ex-ministro já fez saber que se retira desta eleição. E o mesmo sucedeu com a eleição de dois vogais para o Conselho Superior da Magistratura.

Estes lugares vão permanecer em aberto até que seja retomada alguma normalidade nos trabalhos parlamentares.

Adiado ficou também o agendamento do PSD para discussão de propostas de alteração à lei do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais, que conta com propostas de alteração de seis partidos.

Tal como a discussão de alterações à Lei da Procriação Medicamente Assistida, que estava agendada para um dos plenários que foi entretanto anulado.

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