Se a época de ouro da animação de Hollywood já está dar as últimas, os estúdios Laika, especializados na técnica stop motion, em que se filmam bonecos com a ajuda dos efeitos digitais, não dão tréguas à qualidade. Este novo Mr. Link, realizado pelo britânico Chris Butler, é uma outra pequena joia, mesmo estando a léguas do anterior, Kubo e as Duas Cordas, de Travis Knight, o patrão da casa..Mas quem é este senhor? Um simpático abominável homem da floresta, gigante e coberto de pelos. Além da simpatia, Mr. Link é inteligente e cavalheiresco. O seu sonho é apenas um: descobrir mais seres da sua raça, nem que para isso tenha de viajar até ao Oriente, nomeadamente às montanhas do Shangri-La, onde poderão estar outros seres como ele, neste caso os "abomináveis homens da neve". Mas Mr. Link ganha um amigo de peso, o explorador inglês Sir Lionel Frost, e a sua amiga latina Adelina, uma aventureira com causa feminista. Mas porque Link é autêntico e não tem preconceitos de género, tem outro desejo: quer ser chamado de Susan....Chris Butler, que veio a Lisboa há um par de semanas promover o filme, antes de começar a conversa num hotel na Baixa, confessa que já tem os ténis da Nike alusivos a esta adorável personagem. Ténis que custam quase 600 euros e que são felpudos. Tudo isto para lembrar que Travis Knight, o patrão da Laika, é o herdeiro da Nike, e que a Laika está em Oregon, precisamente a região que alberga a sede da gigante marca americana. Seja como for, é o próprio quem nos conta que o projeto Laika vive de um amor profundo ao cinema e nunca nasceu de um capricho milionário.."Acho que ainda vamos conseguir inovar ainda mais nesta técnica de animação. Os puristas querem antes que isto seja uma forma nostálgica de animação e nem estou a falar dos tipos da Aardman, que estão sempre a inovar. Creio que o charme desta forma de animação passa por ser diferente das outras e ser feita à mão. Estou convencido de que no cinema qualquer técnica nunca pode parar de evoluir, nem que seja para tornar mais fluido todo o processo. Também amamos os filmes a preto-e-branco, mas com isso estamos a dizer que nunca deveria ter aparecido o cinema a cores?", pergunta o realizador logo a abrir. A inovação neste Missing Link passa por uma técnica de modelos dos rostos dos bonecos em que é possível vincar o pormenor..Sobre a concorrência, Butler apenas vai dizendo que há filmes de animação a mais e compreende que as famílias, com tanta oferta, possam ficar baralhadas, mas também não tem nada contra a estratégia da Disney em apostar na reconversão em imagem real dos seus clássicos de animação: "A única coisa que me faz um pouco de espécie é ouvir dizer que o próximo O Rei Leão é de imagem real... Talvez só a selva seja imagem real! E mesmo assim... Na versão de O Livro da Selva vimos que grande parte da selva era gerada por computador.".Sobre Mr. Link, o realizador descreve-o como um filme de aventuras à maneira antiga, embora esteja consciente da coragem em quebrar tabus quanto a questões de género: "Só estive interessado em fazer este filme porque me deixaram dar um bocadinho a volta. Os tempos mudaram e para a protagonista feminina queria que ela fosse mais do que o habitual interesse romântico do herói. Sou um tipo muito liberal e progressista e gosto de apostar na diversão com os estereótipos. Ainda para mais temos um herói masculino que quer adotar o nome de Susan! Porque não!? Mr. Link é um filme sobre a forma como a identidade de cada um é da sua responsabilidade.".O humor do filme, além de brincar com preconceitos morais e com uma certa rigidez britânica, é sempre adulto ou juvenil. Diríamos que Mr. Link não faz concessões infantis: "Desta vez na Laika tentámos que o nosso nicho ficasse maior. Sei que isso foi um risco pois vão aparecer fãs a dizer que mudámos. Mas a garantia fica aqui: Mr. Link é por direito um filme da Laika! Sou fã de animação e estou nesta casa porque eles permitem que eu faça um cinema muito meu. Sinto-me muito bem na Laika", revela Chris Butler..Para dar voz a este gigante de 2,40 metros e 292 quilos, a Laika escolheu os dotes de Zach Galifianakis, dos filmes A Ressaca, enquanto Hugh Jackman trocou o sotaque australiano pelo inglês para compor o herói explorador. Na versão portuguesa, a distribuidora NOS Audiovisuais apostou em César Mourão e no experiente Fernando Luís.