Skinheads em Portugal. A organização, as músicas, os códigos e o amor a Hitler
Entre o material apreendido pela PJ no processo com 37 skinheads suspeitos de vários crimes de ódio que fizeram, pelo menos, 18 vítimas de agressões violentas, foram recolhidas provas da cultura neonazi que professam.

Material apreendido a skinheads pela PJ
© Bruno Castanheira
Os grupos de extrema-direita, entre os quais se encontram os Portugal Hammer Skins (PHS) alvo do mais recente processo do Ministério Público (MP) que visou 37 suspeitos de crimes de ódio, são seguidos de perto pela Polícia Judiciária (PJ), através da Unidade Nacional de Combate ao Terrorismo (UNCT) e pelas secretas, através do Serviço de Informações de Segurança (SIS).
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O PHS faz parte dos chamados "grupos de risco", tal como outros movimentos, grupos organizações de extrema-direita.
Nos últimos anos as autoridades têm recolhido informação que lhe permite ter uma noção muito própria da organização destes neonazis. Os PHS fazem parte dos chamados "grupos de risco", tal como outros movimentos, grupos organizações de extrema-direita.
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Em 2016 a PJ deteve cerca de duas dezenas de suspeitos skinheads e aprendeu material neonazi. Foram todos libertados pelo tribunal de instrução
© Pedro Rocha / Global Imagens
Nos cincos anos em que tiveram lugar os crimes identificados na investigação da PJ (2013-2017), cuja acusação do MP deverá ficar concluída nos próximos dias, foram vítimas negros, comunistas, antifascistas, muçulmanos, homossexuais - todos se enquadram no perfil dos alvos dos cabeças rapadas.
Todos estes crimes coincidem com uma fase de crescimento do PHS com recrutamentos dos chamados "soldados de rua", os hangarounds (ver glossário mais abaixo).
Apesar de terem estado à margem de alguns dos crimes que integram o inquérito, os líderes dos PHS estão identificados e as autoridades sabem o seu papel na instigação da violência.
Os PHS têm uma organização estruturada, com ligações internacionais e usam a música como difusora do ódio e incitamento à violência. Idolatram Hitler, cujo aniversário comemoram anualmente, o nazismo e a supremacia da raça branca.
Os ideais
Um dos indícios que os investigadores pretendem levar a tribunal para demonstrar o pensamento xenófobo, antissemita e de ódio ideológico, foi uma entrevista de alguns dos arguidos que integram uma banda de skinheads, a BIBO (Blood In Blood Out), cujas músicas fazem evidente apologia ao incitamento à violência contra as minorias étnicas, como africanos, ciganos e judeus.
A entrevista foi divulgada num site relacionado com os neonazis.
Questionados sobre o que pensam acerca das sociedades multiculturais, a resposta demonstra os ideais xenófobos que professam: "Completamente contra. Um dos motivos da destruição dos povos europeus brancos".
Questionados sobre o que pensam acerca das sociedades multiculturais, a resposta demonstra os ideais xenófobos que professam: "Completamente contra. Um dos motivos da destruição dos povos europeus brancos."
Sobre Adolf Hitler: "Pela figura, pelo que representa para nós, é-nos complicado de uma forma resumida descrever o que pensamos daquele que nos inspira, guia, e para sempre lutamos, para manter viva a sua memória, a memória de um sonho que foi uma sociedade europeia, para europeus, justa, próspera. Sem ele provavelmente isto tudo não existiria hoje", assinalam.

Material apreendido a skinheads pela PJ
© Bruno Castanheira
A música como difusora do ódio
É principalmente através da música, com a realização de concertos, que os PHS difundem a sua mensagem de ódio e fazem a sua propaganda. "Sempre serviu, e há de servir, mas isso está sempre relacionado com o conteúdo das letras escritas e publicações. Se for essa a intenção, claro que sim é uma das melhores armas políticas", explicam os BIBO na mesma entrevista sobre o papel da música como arma de propaganda política.
Os antecessores da BIBO, que constituíram a banda Ódio, foram todos condenados, em 2007, por discriminação racial. Através destes concertos, que também servem para angariar fundos, a extrema-direita transmite a sua oposição à sociedade, com uma crítica acirrada às políticas protetoras das minorias.
Músicas como The Horrible Jew (O Horrível Judeu), NS o nosso Ideal, Dentro do Estádio, Morte aos Traidores, Criança Branca, Mein Führer e Nazi Skin são disso exemplo. Nesta subcultura skinhead, está também a música RAC (Rock Against Communism), uma das "especialidades" dos BIBO.
O sucesso destas bandas, na comunidade neonazi, nacional e internacional, foi imediato, pelas suas letras claramente racistas, xenófobas, homofóbicas e antissemitas.
O sucesso destas bandas, na comunidade neonazi, nacional e internacional, foi imediato, pelas suas letras claramente racistas, xenófobas, homofóbicas e antissemitas. Noutros países, como a Alemanha ou a Itália as autoridades simplesmente proíbem estas canções e os grupos têm de recorrer a figuras de estilo e simbolismos para passar a mensagem nacional-socialista. Em Portugal não há essa limitação.
Através destas músicas carregadas de ódio os neonazis difundem o seu protesto contra a sociedade, entoando palavras xenófobas contra as minorias que consideram inimigas do ideal nacionalista. Estas mensagens chegam principalmente a jovens descontentes com a falta de oportunidades, mas também, e cada vez mais, a jovens com formação superior que assimilam os ideais identitário e nacionalistas.
A organização e o código
Os PHS são uma "filial" da Hammerskin Nation, criada nos EUA, no final dos anos 80. Assumem-se defensores da supremacia da raça branca e os objetivos são definidos nas 14 palavras do precursor destes movimentos David Lane (o número 14 é um dos símbolos dos hammerskins): "Devemos assegurar a existência do nosso povo e um futuro para as crianças brancas."
Os PHS foram oficialmente aceites da comunidade, como membros de pleno direito, em 2005.

Tribunal de Monsanto: em 2008 houve 36 skinheads a serem julgados por disciminação racial, entre outros crimes violentos
© Pedro Saraiva
Em 2007, recorde-se, foram alvo de uma megaoperação da PJ que levou quase quatro dezenas de cabeças rapadas a tribunal, incluindo o cabecilha da altura, Mário Machado - que também foi condenado no caso do homicídio do cabo-verdiano Alcindo Monteiro, no Bairro Alto, em 1995.
De acordo com os elementos recolhidos pelas autoridades, PJ e secretas, os PHS são uma uma organização hierarquizada, na qual cada um tem o seu papel definido.
De acordo com os elementos recolhidos pelas autoridades, PJ e secretas, os PHS são uma uma organização hierarquizada, na qual cada um tem o seu papel definido. Destaca-se o presidente, cuja identidade é sempre difusa; o secretário, responsável pelas ligações internacionais; o tesoureiro , responsável pela recolha e gestão de fundos; o responsável de segurança, que trata da proteção dos membros e das reuniões; o porta-voz que representa o PHS nos eventos internacionais.
"Pode candidatar-se à PHS, o individuo do sexo masculino, com idade superior a 18 anos que seja única e exclusivamente descendente de caucasianos, até onde seja possível identificar essa característica"
As regras para se ser admitido estão definidas no Código PHS, art.º 1.º: "Pode candidatar-se à PHS, o indivíduo do sexo masculino, com idade superior a 18 anos que seja única e exclusivamente descendente de caucasianos, até onde seja possível identificar essa característica."
Este código determina também "um conjunto de livros de leitura obrigatória, a que o hangaround e o prospect, só após a leitura e estudo dos mesmos, poderão alcançar o último patamar da fraternidade".
Do ponto de vista ideológico o Código PHS também é claro: "os candidatos têm que possuir: orgulho racial e consciência patriótica; Espírito de grupo; honra, lealdade e carácter".
A skinhouse
Uma das obrigações dos chapters (filiais) é terem uma sede, ou skinhouse. A primeira dos PHS foi em Camarate / Loures, alvo da primeira megaoperação da PJ contra este grupo de extrema-direita violenta, em 2007, na qual foram recolhidas centenas de provas e material que levaram a julgamento 36 skinheads.
Em 2015 voltaram a encontrar uma nova skinhouse, desta vez em Odivelas, alvo também de buscas da PJ na operação de 2016, em que foram detidos cerca de duas dezenas de skinheads, que estão entre os 37 arguidos do mais recente processo.
Este espaço serve para concertos, reuniões, convívios, tem um ginásio para treinos físicos e quartos para alojar visitantes estrangeiros.
É na skinhouse que, dita o código, que o chapter se reúne "no mínimo uma vez por mês", Reunião Nacional - e preparam "estratégias de combate" contra os "inimigos", preparam manifestações e fazem os planos para difusão e recrutamento de novos membros.
É na skinhouse que, dita o código, que o chapter se reúne "no mínimo uma vez por mês", Reunião Nacional - e preparam "estratégias de combate" contra os "inimigos", preparam manifestações e fazem os planos para difusão e recrutamento de novos membros.
Foram os PHS que estiveram na preparação e trataram da manifestação contra a vinda dos refugiados em 20 de setembro de 2015. Monitorizados pelas secretas e pela PJ no protesto xenófobo, ajudou à identificação de vários neonazis que estiveram envolvidos, nesse mesmo dia, no espancamento do militante comunista, na rua das Portas de Santo Antão. Este foi o caso a desencadear o mais recente processo contra esta extrema-direita violenta.
Glossário: números, símbolos e designações
Há vários sinais que identificam os skinheads e as suas organizações, em tatuagens ou emblemas:
Hammerskin Nation - Foi criada nos criada nos EUA, no final dos anos 80. Assumem-se defensores da supremacia da raça branca e os objetivos são definidos nas 14 palavras do precursor destes movimentos David Lane (o número 14 é um dos símbolos dos hammerskins): "Devemos assegurar a existência do nosso povo e um futuro para as crianças brancas".
Hammer - Membro de pleno direito dos hammerskins.
Prospect- Antes de pertencerem definitivamente ao grupo, os candidatos são prospects e têm de dar provas da sua dedicação causa. Vários dos arguidos no mais recente processo do MP contra os skinheads eram prospects.
Hangaround - Nome dado aos novos membros que ainda estão numa fase inicial para pertencer ao grupo.
Supporter - É uma espécie de apoiante. Apesar de não integrar o chapter, participa muitas vezes em eventos e dá apoio logístico
Blood and Honour- Grupo fundado no Reino Unido em 1987 por Ian Stuart Donaldson e Nicky Crane, é composto por nacionalistas brancos. Os Blood and Honour organiza concertos de música, principalmente na linha do chamado Rock Against Comunism. Portugal possui um chapter da BH no norte do País
Chapter- Quer dizer 'capítulo - designação dada às filiais em cada país dos hammerskin . Em Portugal é o PHS
Chelsea- Não é muito usado em Portugal, mas Chelsea é a designação dada a uma rapariga que é skinhead . É mais usual o termo skingirl
Hammers - Martelos Cruzados (o símbolo dos hammerskins).
14- Representa as 14 palavras proferidas pelo supremacista David Lane (condenado a 190 anos, morreu na prisão) : "We must secure the existence of our people and a future for white children", ou seja, "devemos assegurar a existência do nosso povo e um futuro para as crianças brancas"
28 - Segunda e oitava letra do alfabeto (BH) é um código para identificar a Organização Blood and Honour
6886 - Sexta e oitava letra do alfabeto (FH), significa Hammerskin forever/forever Hammerskin
38- Terceira e oitava letra do alfabeto (CH) significa - crossed
88 - Representa HH - Heil Hitler