O vírus da indiferença
Éda sabedoria popular que as más companhias são como um mercado de peixe: acabamos por nos habituar ao mau cheiro. Cedo ou tarde, hão de aprender a lição todos quantos tencionam confiar o seu voto a quem tem feito do ódio e do populismo a sua agenda. O pantomineiro, em cujo nome não gasto tinta, joga tudo nesta eleição presidencial, que jamais vencerá, e ganha votos de cada vez que lhe mencionamos o apelido para responder às suas provocações. Ele não precisa de um discurso coerente e nem precisa de ter razão, muito menos de mostrar factos. Basta-lhe falar grosso para ser notado, como se o trampolim das audiências viajasse no banco traseiro do táxi. A direita que se cuide! Em menos de dois anos, se nada de sério mudar no PSD e no CDS, ele estará a lutar pelo pódio na Assembleia da República, a condicionar a formação de maiorias e até de um futuro governo. Olhem o exemplo dos Açores!...
Afora tal ameaça, a votação do próximo domingo confirmará, sem surpresa, a reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa, porventura alcançando um dos melhores resultados em eleições presidenciais. À esquerda e à direita, os últimos cinco anos demonstraram o engano de quantos o queriam amarrar à sua família política de origem. Marcelo revelou-se maior, de bem consigo próprio e com o país. Pode não se gostar dele nem com molho de tomate e folha de manjericão. Mas fez esquecer o outro.
A dúvida, onde moram também os principais riscos, está na abstenção, que pode ultrapassar barreiras anteriores. Tal não há de retirar legitimidade ao eleito, mas diminui-lhe a representatividade. Por mais que a conversa desta campanha se tenha centrado nas políticas que são competência dos governos e não do Presidente, é bom não esquecer do que trata a votação de domingo. O Presidente da República é o rosto de Portugal e dos portugueses perante o mundo, é comandante supremo das Forças Armadas, garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas. Não é qualquer um(a) que estamos a eleger ou a ignorar. Não podemos ficar indiferentes quando se trata da escolha do Chefe do Estado, e esse Estado somos nós, sobretudo neste tempo tão incerto e desafiante em que à crise sanitária se junta, de novo e de forma mais pesada, uma profunda crise económica e social. É preciso ir votar! Muitos dos maiores crimes da história tiveram a sua origem, mais do que no ódio, na indiferença. Pessoas como nós, que poderiam ter feito algo, não se preocuparam em levantar um dedo. A indiferença é vírus daninho. A indiferença de um eleitor pode não matar, mas certamente não faz bem à saúde. A doença amedronta e afasta-nos dos outros, e o efeito de barragem dos noticiários, que matraqueiam a contagem mórbida das vítimas, anestesia. Mas temos de resistir à tentação de renunciar a alguns dos nossos principais valores, a começar na eleição dos nossos líderes. Votando, este é um dos momentos em que vamos precisar de estar ao nível do melhor de nós mesmos. Vá votar! Mas leve a caneta.
Jornalista