Dois inquéritos recentes, um quantitativo e outro qualitativo, expõem as reservas dos milhares de entrevistados em relação aos Estados Unidos e à China bem como aos respetivos líderes, num quadro que foi agravado pela forma como ambos encararam a pandemia..Em alguns dos 13 países analisados pela Pew Research Center, as opiniões favoráveis dos EUA caíram para níveis mínimos históricos, e o mesmo se aplica ao seu presidente. Quanto à China, um trabalho do European Council on Foreign Relations (ECFR) conclui que os europeus estão mais desconfiados em relação a Pequim do que antes da covid-19..A imagem dos Estados Unidos noutras democracias mergulhou para mínimos de sempre graças à sua resposta ao novo coronavírus e à generalizada apreciação negativa sobre a capacidade de liderança do presidente Donald Trump..Um inquérito realizado em 13 países - Austrália, Canadá, Coreia do Sul, Japão, Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Itália, Países Baixos, Reino Unido e Suécia - levado a cabo pelo Pew Research Center, concluiu que apenas num país, a Coreia do Sul, há uma opinião favorável sobre os Estados Unidos, com 59%, mas com uma queda de 18% em relação ao ano anterior..No ano passado, sem a participação de belgas e dinamarqueses no inquérito, os EUA tinham uma imagem favorável em sete de onze países. Ou se compararmos com o último ano da presidência de Barack Obama, verifica-se que a imagem norte-americana era favorável em todos os dez países alvo de inquérito..No Reino Unido, 41% disseram ter uma opinião positiva sobre os Estados Unidos, a mais baixa desde que o centro começou a realizar sondagens há duas décadas. Outro aliado estratégico de Washington, o Japão, regista pela primeira vez uma apreciação negativa, com 41% de opiniões favoráveis..A popularidade dos EUA está agora em 31% em França e 26% na Alemanha (o país mais crítico do grupo de 13), cerca dos mesmos níveis registados na altura da invasão do Iraque em 2003. Já em Espanha, que havia registado uma taxa recorde de desaprovação dos EUA nesse ano (só 14% positivo), manteve 40% de aprovação, ainda que caindo 12 pontos percentuais em relação a 2019.."Penso que ainda há admiração pelos Estados Unidos, mas esta pode estar em rápido declínio, especialmente se Trump for reeleito", disse a cientista política Sudha David-Wilp, vice-diretora do German Marshall Fund em Berlim ao The Washington Post.."Parte do declínio no último ano está ligado à forma como os EUA lidaram com a pandemia do coronavírus", lê-se nos resultados do estudo de opinião. Com os Estados Unidos a caminho das 200 mil vítimas mortais de covid-19, não é surpresa que 85% dos inquiridos digam que o país tem feito um mau trabalho no campo da emergência sanitária..Os espanhóis são os mais brandos com os EUA, com uma em cada cinco pessoas a dar nota positiva à gestão da crise de saúde, ao passo que dinamarqueses (7%) e sul-coreanos (6%) são os mais críticos..Twittertwitter1305874991054028800."De facto, muitos sul-coreanos estão bastante surpreendidos por os EUA não terem lidado eficazmente com o surto", comentou o professor da Universidade Nacional de Seul Kang Won-taek, ao Post, tendo acrescentado que os sul-coreanos atribuem a responsabilidade à falta de fiabilidade de Trump..Questionados sobre o papel dos próprios países, da União Europeia (UE), da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da China - estes dois últimos alvos frequentes da administração Trump -, a maior parte tem uma opinião favorável, se deixarmos de fora Pequim. A exceção são os britânicos quanto ao governo de Boris Johnson (46% favorável), os japoneses e sul-coreanos em relação à OMS, UE e China (acompanhados dos australianos na negativa a Bruxelas e Pequim)..Por curiosidade, o país que recebe mais alta avaliação dos compatriotas é a Dinamarca, com 95% de opiniões favoráveis, logo seguido da Austrália (94%)..A empresa de sondagens Pew inquiriu 13 273 adultos entre 10 de junho e 3 de agosto, um período também marcado por protestos populares nos Estados Unidos contra a injustiça racial..Trump, candidato republicano à reeleição no dia 3 de novembro, recebeu notas baixas de todas as nações no inquérito na questão sobre a confiança na tomada de decisões, tendo obtido 16% de confiança em média..A sua classificação mais alta foi no Japão, onde ainda assim apenas 25% disseram ter confiança na sua tomada de decisões. A mais baixa foi na Bélgica, com 9%..As posições em relação a Trump têm sido consistentemente muito mais negativas do que as do seu antecessor, Barack Obama, em especial na Europa Ocidental. No Reino Unido, Espanha, França e Alemanha, as classificações para Trump são semelhantes às recebidas por George W. Bush perto do fim do mandato, com o atoleiro em que se transformou o Iraque e a recessão mundial causada pela crise financeira de 2007 e 2008..Trump é tão impopular que os líderes de dois regimes autoritários, o russo Vladimir Putin e o chinês Xi Jinping, conseguem obter mais simpatias, ainda que por pouca margem..Twittertwitter305877705880145920.Em contraste, a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Emmanuel Macron, gozam de popularidade internacional..O inquérito, contudo, encontrou uma clivagem ideológica, com os adeptos dos partidos populistas e de extrema-direita mais propensos a confiar em Trump..Em Espanha, 45% dos apoiantes do partido Vox disseram ter confiança em Trump, em comparação com apenas 7% entre os espanhóis que não apoiam o Vox, e o mesmo se pode ver na Alemanha, com os apoiantes da Alternativa para a Alemanha, com 34% de confiança versus 5% dos compatriotas que não apoiam o partido..O grupo de reflexão European Council on Foreign Relations acredita que o ceticismo dos europeus para com a China está a aumentar uma vez que Pequim está, cada vez mais, a agir contra os interesses da UE. As conclusões são baseadas em entrevistas qualitativas realizadas em nove Estados membros, que compreendem dois terços da população europeia..Para a diretora do ECFR para a Ásia, Janka Oertel, os europeus estão a tornar-se "mais desconfiados da política económica da China", como consequência da covid-19.."Durante muito tempo, os europeus estiveram convencidos de que a China não tinha qualquer interesse em minar a UE ou a sua voz na cena mundial - principalmente porque era um parceiro comercial importante para Pequim e a sua capacidade de servir de contrapeso na rivalidade crescente com os Estados Unidos", comentou Oertel. Mas esse tempo já passou. "Os europeus estão mais desconfiados das práticas económicas da China e das crescentes violações dos direitos humanos em Hong Kong ou em Xinjiang. Concluíram que, em vez de ser um parceiro construtivo, a China tem vindo a tornar-se cada vez mais um rival que atua contra os interesses europeus." Em oito dos nove países inquiridos, a percentagem de inquiridos que adotaram uma visão mais negativa da China no último ano aumentou entre um fator de dois e um fator de dez. Mesmo em Portugal e em Espanha, que beneficiaram de ajuda chinesa durante a crise do coronavírus, uma maioria notou uma mudança negativa na sua opinião..Apenas 7% dos europeus inquiridos pelo ECFR em 2020 identificaram a China como o seu aliado mais "útil" na batalha do seu país contra o coronavírus. A dependência da Europa em relação aos produtos chineses, exposta durante a pandemia, está a mudar as atitudes do público no sentido de desenvolver um mercado interno mais abrangente e que traga de volta à Europa a produção de bens essenciais. Na Alemanha e na França, por exemplo, mais de 50% dos cidadãos apoiariam os esforços para concentrar o fabrico de produtos médicos para a UE..Quando perguntados se a resposta europeia à crise do coronavírus mostrou que havia necessidade de mais cooperação a nível europeu ou se mostrou que a integração na UE tinha ido demasiado longe, todos escolheram mais cooperação, com Portugal à cabeça (91%), seguido de Espanha (80%), Itália (77%) e Polónia (68%).