Covid-19. Como o isolamento se tornou vantagem no Alentejo
Em qualquer altura é possível percorrer vários quilómetros pela planície alentejana sem se ver vivalma. Longos campos ajudam a isolar aldeias e pessoas. Os montes são casas térreas, caiadas de branco, longe de tudo, no meio de terrenos enormes. E mesmo as cidades como Beja, Évora, Portalegre ou Elvas ficam muito aquém dos ajuntamentos dos grandes centros urbanos. Até agora, parece que o isolamento alentejano tornou-se uma vantagem no combate ao novo coronavírus.
A região alentejana é a única em Portugal continental onde ainda não há infetados, quando no resto do país os casos continuam a aumentar - sobretudo no litoral sul. Já há 331 portugueses doentes, segundo o boletim epidemiológico da Direção-Geral da Saúde (DGS) desta segunda-feira (16 de março), e um morto.
Embora não exista nenhuma explicação cientifica para o facto, há indicadores que podem ajudar a perceber estes números. Esta é a segunda região do país com menos densidade populacional. Nas aldeias, vilas e cidades alentejanas vivem apenas 705 478 dos dez milhões de portugueses, de acordo com os dados da Pordata, relativos a 2018. Só no Algarve vivem menos pessoas - mas há uma grande sazonalidade. Na maioria das vezes, no Alentejo, também há mais espaço entre os habitantes. Assim, os tranquilos montes alentejanos tornaram-se manuais de boas práticas no que diz respeito ao distanciamento social agora pedido pelas autoridades de saúde.
"É difícil encontrar uma justificação objetiva para o facto de o Alentejo ter sido "poupado" até agora", diz Ricardo Mexia, médico de saúde pública do Departamento de Epidemiologia do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge e presidente do Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública. "No entanto, pode ter que ver com as pessoas que ali vivem terem viajado menos e com a baixa densidade populacional e comercial."
Um menor número de viagens ao estrangeiro ou até mesmo a outros territórios nacionais onde já existe contágio local - como Lisboa ou Porto - pode ser um fator essencial, uma vez que a maior parte das 18 cadeias de transmissão que existem em Portugal têm ligações a outros países europeus. Nomeadamente, a Espanha (16 casos), França (9), Itália (14), Suíça (5), Alemanha e Áustria (1), Andorra (1) e Bélgica (1).
"Parece-me que ainda não chegou aqui pela natureza dos contactos que as pessoas têm com outros países. A maioria dos casos portugueses foram importados por relações económicas, por exemplo, com o norte da Itália, o que provavelmente não acontece tanto em relação ao comércio alentejano", tenta explicar José Alberto Guerreiro, o presidente da Câmara Municipal de Odemira.
Apesar destes indicadores, o autarca manifesta-se pessimista quanto às probabilidade de contágio: "Sinceramente, acho que é uma questão circunstancial de tempo. Aqui, em Odemira, ainda hoje de manhã encontrei dezenas de estrangeiros que vêm para cá trabalhar à porta do multibanco e da Segurança Social,em grupo, sem qualquer afastamento ou proteção. São indivíduos que provavelmente ainda não compreenderam as orientações nacionais, porque estão há muito pouco tempo no país e podem comportar risco, se não forem devidamente informados."
Um pouco mais acima - no centro da região -, o responsável pelo município de Reguengos de Monsaraz, José Calixto, mostra-se mais confiante, apesar da preocupação. Garante que a mensagem está a ser entregue a toda a população, "mesmo nas localidades mais desertas, nas comunidades onde se calhar as pessoas ainda estão a ir para o café". "Estamos a falar de populações envelhecidas onde pode ser mais difícil de explicar o que se está a passar, mas dentro de um ou dois dias isso será ultrapassado."
José Calixto diz que tem tentado divulgar as medidas de prevenção, até porque, defende, "a solução não está em nenhuma medida do governo, está em nós próprios e na nossa capacidade de adequar o nosso comportamento. É a única possibilidade de minimizarmos cenários de uma guerra para a qual nenhum país está preparado." E os turistas que continuam a visitar a região? "Desde o primeiro momento que tudo aquilo que é atendimento turístico é feito por via telefónica, através de um número que está nas portas dos postos de turismo. É preciso pensar nisto porque só Monsaraz tem 110 mil visitantes por ano."
Em Itália, o país do mundo que revelou nas últimas duas semanas maior aumento do número de infetados e de mortos, pouco antes de ter sido decretada quarentena obrigatória para conter a pandemia, muitas pessoas tentaram deslocar-se para o sul. Tinham como objetivo evitar as zonas mais afetadas (Lombardia, Veneto, Emilia-Romagha).
A ausência de casos no Alentejo pode criar a mesma vontade, em Portugal. Nainternet, muitos expressam essa ideia, mas o autarca de Reguengos de Monsaraz alerta: "Devemos consciencializar as pessoas de que essa não é a atitude correta. Se estamos a tentar limitar a pandemia, não é fazendo fluxos de zonas com uma complexidade muito grande, onde existem focos ativos de transmissão, para as zonas que não têm, que nos vai ajudar. É preciso conter."
Já o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública indica que o "importante é que as pessoas estejam o mais afastadas umas das outras", admitindo que "é mais fácil se estivermos numa zona onde há pouca densidade populacional".
Portugal tem 331 casos confirmados de infeção pelo novo coronavírus. Nas últimas 24 horas, registaram-se mais 86 doentes. Número que deverá continuar a aumentar, admitia a ministra da Saúde, neste domingo, em conferência de imprensa: "Com os dados que dispomos à data é previsível que a curva epidemiológica aumente pelo menos até ao final de abril."
Para já, o governo restringiu a circulação nas fronteiras nacionais apenas a nove postos fronteiriços, e as autoridades de saúde aconselham todos os portugueses que puderem a permanecer em casa, pedindo a quem apresente sintomas coincidentes com os do novo coronavírus (febre, tosse, dificuldades respiratórias, fadiga) que ligue para a linha SNS 24 (808 24 24 24), em vez de se dirigir aos serviços de saúde, possibilitando a transmissão do vírus.