O confronto fronteiriço entre a Índia e a China, que nunca ficou resolvido após a guerra de 1962 entre os dois países, voltou a provocar baixas 45 anos depois. Pelo menos 20 soldados indianos morreram na região de Ladakh numa briga violenta, com pedras e bastões mas sem tiros, com os militares chineses, cujas baixas não foram oficialmente confirmadas, depois de mais de um mês de tensão e escaramuças em vários pontos da fronteira..O balanço inicial dos militares indianos era para a morte de um coronel e dois soldados, mas o número foi mais tarde revisto em alta, com a morte de vários soldados que tinham ficado feridos com gravidade e expostos a temperaturas negativas em terrenos de elevada altitude nos Himalaias. A agência de notícias indiana ANI fala em 43 vítimas do lado chinês, algo que não foi confirmado oficialmente..A fronteira entre Índia e China tem mais de quatro mil quilómetros, tendo a área disputada (a chamada Linha de Controlo Real, LAC na sigla em inglês) quase 3500 quilómetros, com divergência entre os dois países sobre onde é que verdadeiramente se localiza. Isso resulta na existência de zonas onde cada um alega ter direito a patrulhar e denúncias constantes sobre alegadas entradas ilegais de uns no território de outros..A Índia herdou a sua disputa fronteiriça com a China do império colonial britânico, que em 1914 tinha desenhado com chineses e tibetanos a fronteira conhecida como Linha McMahon (em nome do administrador britânico, Henry McMahon). Mas Pequim nunca reconheceu as fronteiras coloniais, deixando isso claro durante uma visita do então primeiro-ministro indiano, Jawaharlal Nehru, em 1959, que questionou o que viu desenhado num mapa..Os confrontos atuais têm ocorrido na zona do vale do rio Galwan, na região de Ladakh (que inclui partes do estado de Jammu e Caxemira, que perdeu o estatuto especial no ano passado). Mas também junto ao Pangong Tso, um lago de água salgada de 135 quilómetros de comprimento e mais de 700 quilómetros quadrados a mais de quatro mil metros de altitude no planalto do Tibete, que é atravessado pela LAC..Ambos foram palcos também da guerra de 1962, desencadeada por questões fronteiriças mas também ainda no rescaldo de a Índia ter dado asilo político ao Dalai Lama em 1959. A China, que invadiu o território indiano numa primeira ofensiva a 20 de outubro, ganhou a guerra, declarando o cessar-fogo unilateral a 21 de novembro (e recuando até à LAC, que só na década de 1990 ganharia um reconhecimento legal, sem ser claro onde é que realmente fica)..As últimas baixas na região remontavam a 1975, quando os indianos terão sido alvo de uma emboscada por parte dos chineses em Tulung La, no estado de Arunachal Pradesh. Quatro soldados morreram. É preciso recuar ainda mais, até 1967 e aos confrontos em Nathu La e Cho La, na fronteira com o estado indiano de Sikkim, para encontrar as últimas baixas chinesas -- terão sido 340 mortos do lado chinês e 88 do lado indiano, que reclamou então a vitória..Incursões desde 5 de maio.Sem uma fronteira clara e com locais onde ambos os países reclamam a soberania, são comuns as incursões em território alheio. No ano passado, a Índia diz terem havido mais de 660 violações da Linha de Controlo Real por parte da China, um aumento de 50% em relação a 2018..A China reclama a soberania de cerca de 90 mil quilómetros quadrados no estado indiano de Arunachal Pradesh, que alguns chineses apelidam de Tibete do Sul. Já a Índia reclama a soberania de cerca de 38 ml quilómetros quadrados no planalto de Aksai Chin..Os últimos episódios de tensão tiveram início a 5 de maio, quando as autoridades indianas acusaram os soldados chineses de terem cruzado a fronteira junto ao lago Pangong Tso em pelo menos três locais diferentes, erguendo tendas e postos de guarda e ignorando os avisos verbais para que saíssem..Quatro dias depois, a 9 de maio, novos confrontos ocorreram na zona onde o estado indiano de Sikkim faz fronteira com o Tibete, numa zona de fronteira que já teria alegadamente ficado traçada na primeira década deste século..Desde então multiplicaram-se os episódios noutros locais, incluindo no vale de Galwan. Alegadamente, a China não tem gostado da construção, por parte da Índia, de vários aeródromos e vias de acesso na região, incluindo uma estrada próximo do vale que liga à base aérea de Daulat Beg Oldi (inaugurada em outubro). Os especialistas falam ainda de um intensificar da política externa da China sob o controlo de Xi Jinping, com movimentações também no Mar do Sul da China..Lutas corpo a corpo.As incursões chinesas fizeram aumentar a tensão na região onde há milhares de soldados dos dois países, apoiados por veículos blindados e artilharia. Há registo de acesas trocas de palavras entre ambos os lados, assim como episódios em que foram atiradas pedras e até lutas corpo a corpo, cujos vídeos foram depois partilhados nas redes sociais e nos media..No incidente que terminou com baixas de ambos os lados, a China acusou os indianos de terem entrado ilegalmente no seu território em pelo menos duas ocasiões, na segunda-feira. "Eles provocaram e atacaram o lado chinês, causando o confronto. A China apresentou o seu protesto ao lado indiano", disse aos jornalistas o porta-voz da diplomacia chinesa, Zhao Lijian..Segundo fontes militares indianas, citadas pela AFP, não houve uma troca de tiros na fronteira. "Não foram usadas armas de fogo. Foi uma violenta briga corpo a corpo", indicou a fonte..O coronel Santosh Babu, comandante do 16.º regimento Bihar, é um dos 20 mortos do lado indiano (inicialmente falava-se apenas em três baixas), havendo também alegadamente baixas do lado chinês (mas Pequim ainda não confirmou oficialmente esta situação)..A existência de baixas no lado chinês foi apontada pelo diretor do jornal Global Times, Hu Xijin, no Twitter. "Com base no que sei, o lado chinês também sofreu baixas no confronto física no vale de Galwan. Quero dizer ao lado indiano, não sejam arrogantes e não interpretem mal a contenção da China como fraqueza. A China não quer entrar em conflito com a Índia, mas não o tememos", escreveu..Negociações em curso.Enquanto na fronteira continuavam as escaramuças, oficiais e diplomatas têm tido encontros para tentar ultrapassar o impasse, sem sucesso. De facto, no comunicado oficial sobre o incidente, a Índia explica que as mortes ocorreram "durante o processo de desescalada em curso no vale de Galwan", acrescentando que militares seniores de ambas os lados estavam reunidos para "desarmar a situação"..A 27 de maio, o próprio presidente norte-americano, Donald Trump, escrevia no Twitter que os EUA estavam "prontos, disponíveis e eram capazes" de mediar na disputa fronteiriça entre Índia e China, apesar de Washington ter o seu próprio conflito aberto com Pequim -- por causa da guerra comercial ou da resposta ao coronavírus..A 6 de junho, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Índia tinha emitido um comunicado após uma reunião entre ambos os lados em que se falava do compromisso em "resolver pacificamente a situação na fronteira" ao abrigo de vários acordos bilaterais e a indicação de ambos os líderes de que "a paz e a tranquilidade na região fronteiriça são essenciais para o desenvolvimento das relações bilaterais"..O presidente chinês, Xi Jinping, e o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, encontraram-se já pelo menos em duas ocasiões, a última em outubro do ano passado, na Índia, prometendo pôr de lado anos de animosidade e apostar na cooperação económica e de segurança.