O país mais atingido pelo novo coronavírus e um dos países que controlaram melhor a pandemia coincidem na crítica à Organização Mundial de Saúde (OMS). Os Estados Unidos, pela voz do seu presidente Donald Trump, juntaram-se aos reparos do governo de Taipé à gestão do covid-19 por parte da OMS..O presidente dos EUA tem sido criticado pela forma errática como tem enfrentado a pandemia..Além de negar qualquer responsabilidade pelos falhanços, Trump tem atirado as responsabilidades ou as atenções para outros. Antes foi o "vírus chinês", a "víbora" do governador do estado de Washington, Jay Inslee, a culpa de Barack Obama, e mais tarde uma troca de acusações permanente com o governador de Nova Iorque, Andrew Cuomo. No dia 7 de abril, durante a conferência de imprensa diária na Casa Branca, Trump faz mira a um novo alvo.."A OMS, ou seja, a Organização Mundial de Saúde, recebe grandes quantias de dinheiro dos Estados Unidos. E nós pagamos a maioria - a maior parte do seu dinheiro. E eles criticaram e discordaram da minha proibição de viajar na altura em que o fiz. E estavam enganados. Têm estado errados em relação a muitas coisas", começou por dizer. Depois declarou que "tinham muita informação no início" e insinuou que não a transmitiram porque "parecem ser muito centrados na China"..De seguida Trump anunciou que a sua administração iria "investigar" o que aconteceu e anunciou e desmentiu 15 minutos depois que iria suspender o financiamento da OMS..No dia seguinte, numa declaração confusa em relação a datas o presidente norte-americano queixou-se de que a OMS disse no dia 14 de janeiro que não havia risco de transmissão entre humanos e que os EUA pagam dez vezes mais do que os chineses, o que é "muito injusto".."Como sabem, fizeram uma declaração em junho - em 14 de Janeiro, suponho que foi, que não houve transmissão de pessoa para pessoa. Pois bem, houve. Provavelmente fizeram essa declaração na segunda ou terceira semana de dezembro, para além disso, mas fizeram-na muito energicamente no dia 14 de janeiro. E criticaram-me veementemente quando eu disse que vamos encerrar os voos provenientes da China, e especialmente de certas partes da China, mas da China em geral. Fomos criticados de forma muito dura.".40 mil furam proibição.Trump queixa-se das críticas da OMS sobre as proibições das viagens aéreas. Bem ou mal a organização não se limitou a criticar a decisão dos EUA (que foi tomada em 31 de janeiro, um dia depois de a agência ter declarado "emergência de saúde pública de dimensão internacional"), mas de todos os países que a tomaram e manteve publicamente essa opinião até ao final de fevereiro..Além disso, a proibição não foi total: segundo o New York Times , cerca de 40 mil pessoas viajaram da China para os EUA desde a imposição das restrições e não foram sujeitos a testes..A fatia dos EUA e de Bill Gates.Os Estados Unidos são o maior contribuinte para o orçamento da Organização Mundial de Saúde. No biénio 2018-2019, de um total de 5,1 mil milhões de euros, a instituição com sede em Genebra recebeu de Washington 553 milhões de dólares (503 milhões de euros), o correspondente a 14,6% das contribuições..Segue-se o casal norte-americano Bill e Melinda Gates, através da sua fundação, com 9,7%, ou 336 milhões de euros. Isto de forma direta, porque o terceiro contribuinte, com 8,4% ou 289 milhões de euros, é a GAVI Alliance, uma ong pró-vacinas e que foi criada e financiada pelo fundador da Microsoft..As críticas de Trump à OMS podem ser uma clássica jogada de desresponsabilização, mas não pode ser acusado de falta de legitimidade: os funcionários da OMS limitaram-se a reiterar a declaração do governo chinês de que ainda não havia provas de transmissão entre seres humanos.."A OMS promoveu a desinformação da China sobre o vírus", afirmou Trump na terça-feira, a galgar a onda contra a instituição criada em 1945.."Ordeno a suspensão do financiamento para a Organização Mundial da Saúde enquanto estiver a ser conduzido um estudo para examinar o papel da OMS na má gestão e ocultação da disseminação do novo coronavírus", anunciou o empresário nova-iorquino.."Lamentamos a decisão", reagiu o diretor-geral da OMS em conferência de imprensa..A OMS também se mostrou recetiva aos dados estatísticos da China sobre as infeções e as taxas de mortalidade, quando se crê que Pequim os subestimou e não poupou elogios à política de combate ao vírus.."Perante o desconhecido vírus, a China lançou talvez o mais ambicioso, ágil e agressivo dos esforços de contenção de doenças na história", afirmaram os peritos da OMS no seu relatório sobre a missão à China..Segundo o documento, o país ganhou "tempo incalculável" que evitou ou atrasou centenas de milhares de casos, protegendo a comunidade global e "criando uma primeira linha de defesa mais forte contra a propagação internacional"..O relatório da OMS conclui que a estratégia de Pequim "demonstrou que a contenção pode ser adaptada e operacionalizada com êxito numa vasta gama de cenários".."Poderiam ter sido mais vigorosos, especialmente nas fases iniciais da crise, quando houve um encobrimento e houve inação", comentou ao New York Times Yanzhong Huang, perito em saúde pública especializado na China, na Universidade de Seton Hall..Huang observou que durante a epidemia da Síndrome Respiratória Aguda em 2002 e 2003, que matou mais de 700 pessoas em todo o mundo, a OMS criticou publicamente o governo chinês e pressionou-o para ser mais transparente..A dar força aos argumentos de que a China não atuou de forma transparente, a Associated Press revelou nesta terça-feira que as autoridades chinesas, incluindo o topo do regime, isto é o presidente Xi Jinping e o primeiro-ministro Li Keqiang, estavam a par no dia 13 de um provável cenário de pandemia, mas esperaram seis dias para agir, numa altura em que milhões de chineses estavam em trânsito e em festa devido ao Ano Novo Chinês.."Isto é tremendo", comentou Zuo-Feng Zhang, epidemiologista da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. "Se tivessem tomado medidas seis dias antes, teria havido muito menos doentes e as instalações teriam sido suficientes. Talvez se tivesse evitado o colapso do sistema de saúde de Wuhan.".Taipé avisou.Taiwan acusou a OMS de não comunicar um alerta sobre a transmissão do novo coronavírus entre seres humanos, no que resultou num atraso à resposta global à pandemia, porque a mensagem não foi transmitida a outros países, alega..Os médicos de Taiwan receberam informações dos colegas do continente que o pessoal médico estava a adoecer em Wuhan, sinal de transmissão de pessoa para pessoa. No mesmo dia, 31 de dezembro, em que a China avisou a OMS sobre uma doença desconhecida, Taipé informou o programa de intercâmbio de dados de prevenção e resposta a epidemias da OMS, o Regulamento Sanitário Internacional (RSI), bem como as autoridades sanitárias chinesas..Mas ao Financial Times , o governo de Taiwan disse que o aviso não foi partilhado entre os 196 países. "A OMS não conseguiu obter informações em primeira mão para estudar e avaliar se houve transmissão de humano para humano do Covid-19. Isto levou-a a anunciar a transmissão de pessoa para pessoa com um atraso e perdeu-se uma oportunidade de aumentar o nível de alerta, tanto na China como no resto do mundo", afirmou Chen Chien-jen, vice-presidente de Taiwan e epidemiologista..Taiwan, não sendo um estado reconhecido pela Organização das Nações Unidas, está excluído da OMS. Pequim reivindica a Formosa como parte do seu território segundo a sua política de uma China..O diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesu, queixou-se na semana passada de jogo políticos, de ser vítima de racismo, e apontou o dedo a Taiwan: "Se querem que eu seja específico, este ataque veio de Taiwan, há três meses. Temos de ser honestos. Hoje vou ser sincero. E o Ministério dos Negócios Estrangeiros também, eles conhecem a campanha, não se dissociaram. Começaram até a criticar-me no meio de todo esse insulto e chacota, mas eu não quis saber. Três meses. Digo-o hoje, porque já chega.".Taiwan, que estará entre as sociedades que têm conseguido com mais sucesso impedir a propagação do vírus sem fechar a atividade do país, deseja ter pelo menos o estatuto de observador da OMS, como já chegou a ter..No final de março, os EUA, o aliado mais importante de Taiwan, através do presidente, exerceu pressão diplomática, ao assinar a lei TaipeiI Act. Esta ordena ao Departamento de Estado que "reforce as relações diplomáticas de Taiwan com outros parceiros na região do Indo-Pacífico e altere o compromisso dos Estados Unidos com nações que prejudiquem a segurança ou a prosperidade de Taiwan"..Pequim reagiu exortando os EUA a não "utilizarem a pandemia para jogar jogos políticos", de acordo com o South China Morning Post ..A questão ganhou contornos risíveis quando Bruce Aylward, quadro da OMS, foi entrevistado em videoconferência pela RTHK de Hong Kong..Quando Aylward foi questionado se a OMS consideraria a possibilidade de permitir que Taiwan se juntasse às suas fileiras como membro, o perito canadiano respondeu que não tinha ouvido a pergunta para logo a seguir desligar. Questionado de novo, o epidemiologista disse que já tinha falado sobre a China..Dois dias depois, um porta-voz da OMS afirmou que a organização está a "colaborar estreitamente com as autoridades de Taiwan através do mecanismo do Regulamento Sanitário Internacional (RSI) em resposta ao surto do covid-19". Uma alegação que foi desmentida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros de Taipé..Críticas a Trump, mas também à OMS.Nas horas seguintes criou-se uma quase unanimidade nas críticas à medida anunciada pelo presidente dos EUA. Da Europa ao Irão, da Rússia à China, dirigentes de quase todo o mundo vincaram a importância do papel da OMS, em especial neste momento. "Culpar os outros não resolve. O vírus não quer saber de fronteiras", declarou o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Heiko Maas..Mas também houve quem reconhecesse que nem tudo está bem. Para o ministro da diplomacia francesa Jean-Yves le Drian a OMS demonstrou falhas e pediu um "novo multilateralismo da saúde", em declarções no Senado. "Sem dúvida há coisas a dizer sobre o funcionamento da OMS, talvez uma certa falta de reatividade, de autonomia em relação aos estados, talvez uma falta de meios de deteção, de alerta e de informação, de capacidade reguladora", comentou.