Covid-19. Depois de aprovada, vacina chegará à Europa e a Portugal em dias

Depois de aprovada pela Agência do Medicamento Europeia, a vacina pode chegar ao mercado em dias ou em um mês. Já está a ser produzida na Alemanha e na Bélgica e as doses que daqui saírem irão em simultâneo para os vários países da UE. A ciência ganhou tempo à pandemia, mas é preciso ganhar tempo na transmissão do vírus.
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Num só dia o mundo ouviu duas palavras mágicas do léxico da pandemia: vacina e eficácia. Precisamente numa altura em que a marca do SARS CoV-2 já ultrapassou os 50 milhões de infetados e 1,9 milhões de mortes. Numa altura em que a Europa é atacada fortemente pela segunda vaga, com países como Itália, França, Alemanha e Reino Unido a atingirem mais de 20 mil e 30 mil novos casos por dia. Portugal não foge à regra - este sábado foram registados mais 6602 novos casos e 55 mortes.

Os países reforçam as medidas de isolamento, e depois de a Pfizer e o parceiro alemão, BioNTech, anunciarem que a vacina que estão a produzir tem eficácia acima dos 90%, no mundo da ciência já há quem faça um apelo: "É preciso mais um esforço por parte da população, é preciso travar a curva de transmissão da doença. Se o conseguirmos são vidas que estamos a poupar", afirmou ao DN Luís Graça, médico, investigador do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, onde lidera o laboratório de Imunologia Celular, e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

A ciência ganhou tempo à pandemia. Agora, é preciso ganhar tempo na luta contra o vírus. O cientista sublinha que, em março, "não acreditava ser possível alcançar-se uma vacina tão rapidamente". Aliás, todas as estimativas vindas do lado da ciência apontavam para que tal só fosse possível, na melhor das hipóteses, no espaço de 18 meses a dois anos, mas o que se comprova agora, praticamente oito meses depois, é que afinal "estamos mais próximos desse resultado", argumenta o investigador, lembrando: "É certo que não se sabe tudo sobre este estudo, mas o que se sabe é importante e dá-nos razões para estarmos otimistas".

E se há razões para o otimismo é porque também "o protocolo do estudo desta vacina, tal como o protocolo das outras que estão a ser desenvolvidas pela Universidade de Oxford e pela Astrazeneca e pela Moderna, estão publicados e podem ser consultados. Ou seja, sabe-se exatamente como é que as vacinas estão a ser administradas às pessoas, quais os resultados dos ensaios da Fase I e II e os resultados que, no caso da Pfizer, são esperados, depois desta primeira avaliação interina à eficácia, agora publicada".

DestaquedestaqueMais de 50,5 milhões de casos de infeção no mundo por covid-19, e mais de 1,9 milhões de óbtios.

Luís Graça explica ao DN, que "a avaliação feita agora revela que o que está esperado em termos de infeções - ou seja, o que chamam de taxa de ataque (attack rate) - nos países em que a vacina está a ser testada, é um pouco abaixo de 1%". Por outras palavras, "só menos de 1% das pessoas que estão no estudo é que vão ser infetadas e isto é muito animador", sublinha o médico.

O estudo da Pifzer e da BioNTech está a decorrer desde junho e reúne mais de 40 mil pessoas espalhadas pelo mundo, desde a América do Norte à América Latina, da Europa a África, divididas em dois grupos, um que está a apanhar a vacina outro que está a apanhar um placebo, que serve de grupo de controlo, e ninguém sabe quem está a ser tratado com a vacina ou com o placebo, esse registo está apenas em códigos nos computadores.

O que se fez agora, para chegar a esta primeira avaliação interina, explica o médico, foi esperar que algumas das pessoas que estão no estudo ficassem infetadas, neste caso foram 94, ir aos computadores e descodificar os códigos para perceber qual era a taxa de infeção entre os que apanharam a vacina. "A taxa de infeção está a abaixo de 1%, o que dá a garantia que a vacina tem uma eficácia de 90%", sintetiza. "Neste grupo, e dos que receberam a vacina, houve quatro ou cinco infetados. É importante explicar isto, como explicar que estas pessoas não são todas da mesma cidade ou acompanhadas no mesmo hospital".

Por isso, volta a sublinhar, "é verdade que não se sabe tudo, que os resultados finais ainda não foram publicados, porque o estudo ainda não terminou, mas já se sabe muita coisa sobre o desenvolvimento do estudo, desde a forma como está desenhado, aos resultados da fase I e II e agora o que se passou nesta análise interina".

DestaquedestaquePortugal conta agora com 204 654 casos de infeção, destes 117 382 recuperaram, mas há 3250 mortes.

Para o líder do Laboratório de Imunologia do IMM em relação a este estudo há apenas uma incógnita. "Não sabemos a idade das pessoas que estão a ser estudadas, o que seria importante em termos de eficácia, porque na vacina da gripe, por exemplo, a eficácia diminui com a idade".

Neste momento, e em relação à vacina da Pfizer e BioNTech ainda não se sabe se "estes 90% de eficácia é num grupo mais jovem ou se num grupo de mais idosos. Ou se neste último grupo há uma taxa de eficácia mais baixa". Ressalvando também que "não se sabe se a vacina protegeu ou não assintomáticos, o que também é muito importante para se evitar a transmissão, mas estes resultados ainda não os temos. Ou seja, não se sabe tudo mas os resultados que temos já são muito animadores".

Enumerando: "A segunda razão pela qual o que já se sabe é animador, até em relação não só à vacina da Pfizer, mas também em relação a outras vacinas, como a da Universidade de Oxford e Astrazeneca e da Moderna, é que os ensaios da fase I e II revelaram induzir anticorpos neutralizantes e qual é o seu modo de ação. O que quer dizer que, provavelmente, iremos ter mais do que uma vacina. É claro que pode haver sempre imprevistos, é assim na ciência, mas é animador que daqui a dois, três ou quatro meses possamos ter já duas a três vacinas".

De acordo com o site da London School of Hygiene Tropical Medicine, que atualiza o progresso das experiências que estão a ser lavadas a cabo em termos de vacinas contra a covid-19, sabe-se que há 259 projetos em investigação no mundo inteiro, que 54 estão já na fase de ensaios clínicos e dez estão na fase III dos ensaios, a última fase, aquela em que "consiste na inoculação da vacina a milhares de voluntários a fim de se determinar se impede de facto a infeção", lê-se na página do site.

Os projetos mais promissores, além do da Pfizer e BioNTech, são os da Universidade de Oxford e Astrazeneca, da Moderna, que reúne a investigação dos laboratórios Sanofi e GSK, Johnson & Johnson, embora esta empresa tenha assumido uma paragem devido ao aparecimento de doença num dos voluntários em estudo, e ainda mais dois projetos que estão a ser levados a cabo pela Rússia, que esta semana anunciou estar a investigar uma segunda vacina - a primeira é a Sputnik - e pela China, CanSino Bio, que já está a ser administrada em militares chineses.

Luís Graça assinala que "há uma grande diversidade de vacinas que estão a ser testadas em termos de estratégia, mas a estratégia usada na vacina da Pfizer e da Moderna nunca foi testada anteriormente em pessoas. O que se está a utilizar é uma molécula de RNA, que codifica o gene do vírus SARS CoV-2, quando o habitual nas vacinas, por exemplo na da gripe, é o uso de proteína dentro do vírus, o que é uma coisa totalmente diferente".

Em relação à vacina da Universidade de Oxford está a ser usado "um adenovírus de chimpanzé". Há várias estratégias para se chegar às vacinas, o que na opinião de Luís Graça "é bom que assim seja, porque assim poderá ser possível que haja algumas vacinas mais eficazes para uns grupos populacionais e outras para outros. Refiro-me sobretudo a grupos de idade e de risco".

À União Europeia e a Portugal chegarão apenas as vacinas que estão a desenvolver processos de autorização com a Agência do Medicamento Europeia (EMA), as que estão a ser desenvolvidas pela Rússia e pela China não estão aqui incluídas já que não seguem o processo de autorização da EMA.

Um processo que no caso da Pfizer e das outras tem sido feito através de uma avaliação contínua, a cada fase, assim que se forem conhecendo os resultados dos ensaios na fase I e II, tal como agora com esta primeira avaliação interina. Por isso, o cientista português acredita que "depois de ser aprovada pela Agência do Medicamento Europeia o processo de entrada da vacina no mercado será rápido, poderá levar alguns dias ou um mês, até porque ao contrário de outras esta vacina já está a ser produzida", assinala.

O diretor-geral da Pfizer, Paulo Teixeira, confirmou ao DN que desde julho que "a vacina está a ser produzida, porque a empresa assumiu que iria começar por sua conta e risco". E, neste momento, "há três fábricas nos EUA só dedicadas à produção desta vacina para o mercado americano e há duas na Europa, na Alemanha e na Bélgica", acrescentando que "a empresa mantém a expectativa de ver o produto aprovado até ao final do ano" e de que este entre de forma rápida no circuito comercial.

Aliás, segundo referiu, " o ensaio da fase III ainda não está terminado, mas se tudo correr como o esperado, a vacina comprovar toda a sua segurança e eficácia, no final deste mês avançamos com o processo de autorização para os EUA. A FDA (Food Drugs and Administration), entidade reguladora, exige que se só avance para este processo dois meses após a tomada da segunda dose, essa meta vai ser cumprida agora na terceira semana de novembro. Assim que tivermos resultados avançaremos com o pedido de autorização de emergência internacional".

A Pfizer e o seu parceiro alemão contam disponibilizar para todo o mundo 50 milhões de doses, até ao final deste ano - o que representa vacinas para 25 milhões de pessoas. E até ao final de 2021, 1,3 mil milhões de doses. Algumas das primeiras doses deverão chegar à Europa. Como explicou Paulo Teixeira, "a Pfizer irá honrar em primeiro lugar os compromissos assumidos e é sabido que em julho o presidente Donald Trump adquiriu para os EUA 100 milhões de doses, com opção para mais 500 milhões depois. Mas também esta semana a UE firmou um acordo para a aquisição de 200 milhões de doses, com opção para mais 100 milhões se for necessário. A nossa expectativa é que algumas das primeiras doses venham a ser disponibilizadas para a Europa, mas ainda não sabemos exatamente em que quantidades".

Paulo Teixeira garante que "não vai ser dada prioridade específica a um mercado. O que sabemos é que as doses que serão disponibilizadas para a UE vão ser fabricadas na Alemanha por parte da BioNTech e na fábrica da Pfizer na Bélgica. Portanto, essas doses garantidamente serão distribuídas no mercado europeu. As fábricas nos EUA garantirão as vacinas para aquele mercado", reforçando "o cenário de que as vacinas só irão para os EUA e não para a Europa, não irá acontecer".

O diretor-geral da Pfizer em Portugal admite mesmo que "o desafio de lançar uma vacina contra a covid-19 foi um dos maiores da empresa, se não o maior. "Não só para nós como para qualquer outra empresa que está a desenvolver vacinas". E, tendo em conta o período que se vive, "esperamos que todas elas tenham resultados muito positivos e que venham a ser provadas, porque isso irá facilitar a vida de toda a gente".

No que toca à União Europeia a negociação para a aquisição de vacinas não está a decorrer só com a Pfizer, mas também outros potenciais fornecedores de vacinas. Esta semana voltou a reforçar aos Estados-membros que preparem a logística, que não será fácil quer em termos de distribuição quer de armazenamento, já que são vacinas que exigem estar a uma temperatura de 70 graus negativos, e definam critérios para grupos prioritários.

Em Portugal, a Direção-Geral da Saúde garante que em termos de logística " tudo está a ser feito para garantir a correta e atempada distribuição das vacinas. Estamos a considerar também as questões da rede de frio. E todos os locais estão a ser considerados para a vacinação. À semelhança do que já se faz com a vacina contra a gripe, foi contemplada no plano de outono-inverno a possibilidade de serem utilizadas outras estruturas que podem ser selecionadas para o efeito".

O DN falou com a bastonária dos farmacêuticos que recentemente tinha defendido em entrevista, que qualquer "vacinação em massa teria de integrar as farmácias", para saber se já tinham sido chamados a discutir a questão. Ana Paula Martins afirma não terem tido ainda qualquer informação sobre o assunto, mas que a própria Ordem "já fez uma proposta ao Ministério da Saúde para que as farmácias façam parte da rede vacinal da covid-19, tal como estão a fazer em relação à vacina da gripe". E sublinha: "É fundamental que isto aconteça, num país que vai ter de vacinar cinco, seis ou sete milhões de pessoas para conseguir atingir a imunidade de grupo".

DestaquedestaqueAs vacinas contra a covid-19 exigem ter temperaturas de 70 graus negativos, o que implica uma logística complicada em termos de distribuição e de armazenamento.

Dada a logística difícil para este tipo de vacinas, a bastonária dos farmacêuticos assegura que já "não é cedo para se começar a tratar de toda a logística". É preciso definir em primeiro lugar quais são os grupos que vamos começar a vacinar, depois quais são os pontos definidos para se administrar a vacina - "quais são os centros de saúde e quais são as outras unidades que o vão poder fazer, se as farmácias vão estar nesta rede têm de se preparar", argumenta.

Mas há mais um aspeto que considera "absolutamente determinante e que tem a ver com a logística, porque já se sabe que estas vacinas têm necessidade de uma temperatura de 70 graus negativos, o que implica uma rede de frio completamente diferente, não só para o seu transporte como para o seu armazenamento. Por isso, caso as farmácias venham a entrar neste esforço temos de nos começar a preparar com antecedência".

As vacinas vão começar a chegar, e mais cedo do que os próprios cientistas consideravam ser possível. Luís Graça afirma que Portugal está numa posição confortável, porque a UE está a negociar tudo em bolo para que não haja países maia favorecidos do que outros. "As vacinas estão já a ser produzidas e a EMEA tem vindo a fazer a sua avaliação, acredito que, depois de aprovada, a vacina pode estar no mercado rapidamente em poucos dias ou em um mês", mas "os outros projetos em estudo fazem acreditar que mais vacinas chegarão ao mercado dentro de três a quatro meses, o que é muito animador".

Neste momento, falta definir quem vai receber em primeiro lugar. Em Portugal, a DGS e de acordo com o que têm sido as recomendações da Comissão Europeia e do ECDC (Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças), criou há meses um grupo de trabalho, que tem estado a analisar os dados científicos que vão ficando disponíveis e a definir os grupos prioritários".

DestaquedestaqueCada país irá receber vacinas proporcionalmente à sua população. Ou seja, Portugal deverá receber 6,9 milhões de doses, o que irá corresponder a cerca de três milhões de pessoas vacinadas.

Até agora, o que se sabe é que cada país irá receber vacinas proporcionalmente à sua população, evitando assim que "um país recebesse mais vacinas do que o outro", explica Luís Graça. "Não será possível, e é bom que isto também fique claro, que a Alemanha, por exemplo, ter mais influência na UE receberá mais vacinas do que Portugal. Isso não será possível. A Alemanha receberá cinco vezes mais vacinas do que Portugal, porque tem uma população superior cinco vezes mais à nossa", reforça.

A Portugal e como já foi referido deverão chegar, não de uma vez, 6,9 milhões de doses, o que representa doses para cerca de três milhões de pessoas, que basicamente representam as que integram os grupos de risco. Como explicou ao DN a DGS "os grupos prioritários que estão a ser definidos têm em vista a redução do risco de transmissão e a vulnerabilidade dessas pessoas, respeitando os resultados dos ensaios clínicos. Assim, pessoas com comorbilidades e profissionais que trabalham com pessoas mais vulneráveis, por exemplo, poderão constituir grupos prioritários na estratégia que está a ser definida".

No entanto, "a definição mais detalhada dos grupos prioritários está ainda a ser estudada, à semelhança do que está a acontecer com os outros países da União Europeia", argumentando que no caso das "vacinas contra a covid-19 teremos de conjugar as características de cada uma com os vários grupos prioritários. E é desta intersecção, que está agora a ser analisada, que vai resultar a estratégia e a definição dos grupos prioritários".

Após oito meses de pandemia Portugal já perdeu 3250 pessoas, a maioria acima dos 70 anos. Por isso, o médico e investigador Luís Graça salienta ser "fundamental fazermos um esforço na medida das nossas possibilidades para evitar a disseminação do vírus". Para as pessoas que já perdemos, "a vacina vai chegar tarde, se nos próximos dois meses conseguirmos evitar a transmissão da doença são vidas que estamos a salvar".

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