Dia agitado termina com Costa a manter a "confiança pessoal e política" em Centeno

O primeiro-ministro e o responsável pela pasta das Finanças estiveram reunidos em São Bento, onde foi esclarecida a falha de informação sobre a injeção de 850 milhões de euros no Novo Banco. Após o encontro, Costa reafirmou "publicamente a sua confiança pessoal e política" em Centeno.
Publicado a
Atualizado a

Mário Centeno fica no Governo, pelo menos para já. O primeiro-ministro, António Costa, esteve reunido, esta quarta-feira, com o ministro das Finanças na residência oficial, em São Bento. O encontro aconteceu após as declarações de ambos sobre a injeção de 850 milhões de euros no Novo Banco, antes de ser conhecida uma auditoria, tal como Costa tinha prometido. Terminada a reunião, o chefe do Governo reafirmou "publicamente a sua confiança pessoal e política" em Centeno

O gabinete de António Costa informou, em comunicado, que se tratou de uma reunião de trabalho "no quadro de preparação do Eurogrupo" e do orçamento suplementar, que será apresentado na Assembleia da República em junho.

A reunião serviu também para serem "esclarecidas as questões relativas à falha de informação atempada ao primeiro-ministro sobre a concretização do empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução, que já estava previsto no Orçamento de Estado para 2020, que o Governo propôs e a Assembleia da República aprovou".

"O primeiro-ministro reafirma publicamente a sua confiança pessoal e política no ministro de Estado e das Finanças, Mário Centeno", lê-se na nota.

Na rede social Instagram, o primeiro-ministro fez até questão de partilhar imagens dando conta da boa disposição do encontro e do "abraço" entre os dois, mantendo a distância que a pandemia covid-19 impõe.

O documento refere ainda que ficou confirmado que as contas do Novo Banco foram auditadas previamente à concessão deste empréstimo.

Segundo o comunicado, "ficou também confirmado que as contas do Novo Banco relativas ao exercício de 2019, para além da supervisão do Banco Central Europeu, foram ainda auditadas previamente à concessão deste empréstimo".

Refere-se que foram auditadas, "em primeiro lugar, pela Ernst & Young, auditora oficial do banco; em segundo lugar, pela Comissão de Acompanhamento do mecanismo de capital contingente do Novo Banco, composta pelo Dr. José Bracinha Vieira e pelo Dr. José Rodrigues de Jesus; e ainda pelo agente verificador designado pelo Fundo de Resolução, Oliver Wyman".

"Este processo de apreciação das contas do exercício de 2019, não compromete a conclusão prevista para julho da auditoria em curso a cargo da Deloitte e relativa ao exercício de 2018, que foi determinada pelo Governo nos termos da Lei nº 15/2019, de 12 de fevereiro", acrescenta-se no comunicado sobre o a reunião, que foi avançada ao início da noite pela RTP.

Perante as câmaras de televisão, Costa e Centeno saíram juntos da reunião, que ocorreu no interior da residência oficial do primeiro-ministro. Não estava na agenda oficial e aconteceu na véspera do debate do Programa de Estabilidade.

O encontro foi o culminar de um dia agitado, com um pedido de demissão à mistura, vindo do maior partido da oposição, e a pergunta sobre se não estaríamos a assistir a uma "remodelação em direto", feita pelo Bloco de Esquerda na Assembleia da República.

Em causa está o empréstimo público, no valor de 850 milhões de euros, ao Fundo de Resolução com destino à recapitalização do Novo Banco.

Centeno debaixo de fogo. Rui Rio pede a demissão

A injeção de capital na instituição bancária, sem se conhecer a auditoria prometida pelo primeiro-ministro, dominou o debate parlamentar e levou o líder da oposição a pedir a demissão de Centeno.

O presidente do PSD, Rui Rio, recorreu ao início da noite às redes sociais para dizer que o ministro não tinha condições para se manter no cargo.

Numa publicação feita no Twitter, durante tarde, Rio afirmou que Centeno ficou ainda mais fragilizado depois da audição parlamentar desta quarta-feira, considerando que o ministro foi desleal para com António Costa.

"Se estava mal, com esta prestação na AR, Centeno ainda ficou pior. Não tem condições para continuar! Mal vai um PM que mantém um Ministro que não lhe foi leal, que tem a crítica pública do PR, que a bancada do PS não defendeu e que diz ser irresponsável fazer o que o PM anunciou", escreveu Rui Rio na rede social.

No parlamento, aos jornalistas, o líder do PSD reforçou o que tinha publicado momentos antes no Twitter, repetindo as críticas ao ministro das Finanças.

Rio voltou a dizer que Centeno "não foi leal" a António Costa e que depois do que se passou hoje no parlamento, "a bancada do PS já não o defendeu", e da "crítica pública do Presidente da República", o primeiro-ministro não tem alternativa se não demitir o responsável pela pasta das Finanças.

"Era o que eu faria no lugar do primeiro-ministro", sublinhou.

Afirmou que o governante "já não estava bem e hoje ficou manifestamente pior" na Assembleia da República quando "disse que seria irresponsável não se pagar e esperar pela auditoria". A auditoria antes da transferência é, recordou Rio, defendida por Costa, que tem o apoio de Marcelo Rebelo de Sousa nesta matéria.

"Ao dizer que isso seria irresponsável, ele está a considerar que quer o Presidente da República quer o primeiro-ministro seriam irresponsáveis, porque ele está a dizer que seria irresponsável o que eles dizem que devia ser feito", concretizou Rui Rio.

Centeno "colocou-se uma situação insustentável"

Rui Rio afirmou que terá um "juízo negativo" em relação a António Costa caso o ministro das Finanças continue em funções "face ao que aconteceu". "Se eu estivesse no lugar dele, se ele não se demitisse seria demitido", reiterou o presidente do PSD.

"É evidente que isto não é desejado", considerou Rui Rio, referindo-se uma crise política numa altura em que o país está a viver uma crise sanitária com graves consequências na economia. Mas, defende Rio, Centeno "colocou-se uma situação insustentável". E aqui volta a falar de Marcelo Rebelo de Sousa que, esta quarta-feira, colocou-se ao lado de Costa ao defender a necessidade de uma auditoria antes de uma nova injeção de milhões de euros no Novo Banco.

"O senhor Presidente da República anda na política há muitos anos, portanto, não vai fazer uma afirmação gratuita, está a fazer uma critica ao ministro das Finanças", declarou o líder do PSD.

Na semana passada, na Assembleia da República, durante o debate quinzenal, António Costa disse à coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, que não haveria transferências para o fundo de resolução, tendo em vista a recapitalização do Novo Banco, até que a auditoria àquela instituição bancária estivesse concluída.

No dia seguinte, na sexta-feira, o primeiro-ministro explicou que não foi informado pelo Ministério das Finanças do pagamento de 850 milhões de euros, tendo pedido desculpa ao Bloco de Esquerda pela informação errada transmitidadurante o debate quinzenal.

Transferência para o Novo Banco "não foi à revelia" do primeiro-ministro, diz Centeno

Em entrevista à TSF, o ministro de Estado e das Finanças assumiu que houve uma falha de comunicação entre o seu gabinete e o do primeiro-ministro quanto à injeção de capital no Novo Banco, mas "não uma falha financeira", que seria desastrosa.

"Podemos admitir - e terá havido um atraso - uma falha na comunicação entre o Ministério das Finanças e o primeiro-ministro no momento do debate quinzenal", disse Mário Centeno.

Contudo, acrescentou, o que não houve foi uma "falha financeira", a qual "teria um caráter desastroso para o sistema financeiro e sistema bancário em Portugal", considerando que Portugal - no meio de uma crise severa como a atual - "não se pode dar ao luxo de pôr um banco em risco".

"Posso garantir que não houve nenhuma falha financeira, nem nenhum incumprimento", afirmou.

Já nesta quarta-feira, na audição regimental da Comissão de Orçamento e Finanças (COF) do parlamento, Centeno garantiu que a transferência não foi feita à revelia do primeiro-ministro. "Não, não foi à revelia, não há nenhuma decisão do Governo que não passe por uma decisão conjunta do Conselho de Ministros", disse.

Mário Centeno explicou que "a ficha de apoio ao senhor primeiro-ministro chegou com um par de horas de atraso, e o senhor primeiro-ministro, quando deu a resposta que deu, não tinha à frente dele a informação atualizada".

O Bloco de Esquerda criticou a referida falta de comunicação sobre os milhões de euros que foram transferidos para o Novo Banco e apontou contradições entre o discurso de Centeno e o do primeiro-ministro, mas também o do Presidente da República.

"Ou estamos a assistir a uma remodelação em direto e o ministro das Finanças sairá do governo porque considera o seu primeiro-ministro 'irresponsável'. Ou já assistimos a uma remodelação e o ministro das Finanças passou a dirigir o governo. O que o governo não nos pode dizer é que se compromete a não pagar sem auditoria e que paga sem auditoria, ou que a auditoria é indispensável, mas não é necessária",disse Mariana Mortágua recorrendo à ironia.

Já o deputado do PSD, Duarte Pacheco, defendeu que "o primeiro-ministro concorda com o princípio" de que transferências de montantes elevados como a que foi feita para o Fundo de Resolução destinada a recapitalizar o Novo Banco deveriam ser precedidas de "uma auditoria, de uma análise, de um estudo".

A bota que Centeno não conseguiu descalçar, segundo o BE

Já depois da audição do ministro das Finanças, o Novo Banco continuou a centrar atenções na Assembleia da República, com o PSD, BE e CDS-PP a reiteraram dúvidas sobre como foi possível o primeiro-ministro não saber de uma injeção de 850 milhões de euros no banco, depois de ter prometido que esta não aconteceria antes de conhecida a auditoria.

Com o secretário de Estado Adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, a representar o Governo no debate, a deputada Mariana Mortágua insistia que o parlamento continuava sem uma resposta, por que razão foi feita uma injeção no Novo Banco sem a conclusão da auditoria.

"O senhor primeiro-ministro, que é chefe deste Governo, comprometeu-se na Assembleia da República duas vezes a ter na mão a auditoria antes de realizar a transferência e a auditoria a que se referia era uma auditoria específica determinada por lei, foi esta que o primeiro-ministro disse que queria conhecer", salientou.

"A injeção foi feita e a e auditoria não estava pronta, essa é a bota que nem o senhor ministro, hoje de manhã, nem o senhor secretário de Estado conseguiram descalçar", acrescentou.

Ainda antes de Rui Rio dizer que o ministro não tinha condições para continuar no cargo, já o PSD questionava o PS sobre se, para o partido, Mário Centeno já não era o responsável pela pasta das Finanças.

A questão surgiu após a intervenção do deputado do PS João Paulo Correia, que motivou um pedido de esclarecimento por parte de Duarte Pacheco, do PSD.

"Fez aqui uma intervenção muito interessante sobre a história, claramente crítica dos seus colegas que integraram a comissão de inquérito, mas a pergunta que tenho que colocar é muito simples: o senhor omitiu por completo a transferência dos 850 milhões de euros e o nome do doutor Mário Centeno. Será que, para o PS, o senhor ministro das Finanças já não o é de facto e os portugueses ainda não o sabem", questionou Duarte Pacheco.

Marcelo do lado de Costa

Também esta quarta-feira, a visita à Autoeuropa, em Palmela, deu que falar. Além de Costa dar a entender que desejava ver Marcelo Rebelo de Sousa a recandidatar-se a Belém, o Presidente da República ​​​considerou que o primeiro-ministro "esteve muito bem" ao remeter a nova transferência para o Novo Banco para depois de se conhecerem as conclusões da auditoria que abrange o período 2000-2018.

"Havendo, e bem, uma auditoria cobrindo o período até 2018 - a auditoria que eu tinha pedido há um ano - faz todo o sentido o que disse o senhor primeiro-ministro no parlamento. É que é politicamente diferente o Estado assumir responsabilidades dias antes de se conhecer as conclusões de uma auditoria, ou a auditoria ser concluída dias antes de o Estado assumir responsabilidades", afirmou Marcelo Rebelo de Sousa.

"Estava anunciado para maio o processo conclusivo da auditoria, cobrindo de 2000 a 2018. O senhor primeiro-ministro esteve muito bem no parlamento quando disse que fazia sentido que o Estado cumprisse as suas responsabilidades, mas naturalmente se conhecesse previamente a conclusão da auditoria", reforçou o chefe de Estado numa declaração que foi entendida como uma crítica a Centeno.

Esta quinta-feira, após a reunião com os especialistas em saúde pública e os partidos políticos, António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa almoçam juntos no Palácio de Belém.

Com Lusa.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt