Europa volta a apertar a malha, mas ninguém quer ouvir falar em confinamento
A Organização Mundial da Saúde (OMS) não quer, os governos não querem, as empresas e os cidadãos idem. O confinamento total é uma medida extrema que ninguém encara como viável. Só que o recorde de novos casos - mais de 700 mil na semana passada - está a obrigar a uma leva de novas medidas restritivas e confinamentos parciais em vários Estados da Europa.
Os países europeus estão à procura de um compromisso entre as portas abertas na atividade económica e das escolas e o ressurgimento de casos e internamentos hospitalares, contando com a opinião da OMS de que "os confinamentos têm apenas uma consequência que nunca deve ser subestimada: tornar os pobres muito mais pobres".
Ravi Gupta, microbiologista da Universidade de Cambridge, reconhece que confinamentos totais podem ser eficazes, mas "é claro que as pessoas não podem suportar restrições a longo prazo fora dos regimes autoritários", pelo que esse cenário "está fora da agenda política" na Europa, em parte porque o "fator medo" em torno do novo coronavírus não é o mesmo de há sete meses, comentou ao The Washington Post.
Em Londres, perante a quadruplicação de casos de coronavírus nas últimas três semanas e agora com mais doentes hospitalizados do que nos meses críticos de março a maio, o Governo vai lançar um novo pacote de restrições com um sistema de alerta de três níveis.
Numa declaração ao Parlamento, o primeiro-ministro Boris Johnson disse que o executivo estava a tentar adotar uma abordagem equilibrada, entre os extremos de "enclausurar as vidas e a economia" e deixar de lutar contra a propagação do vírus.
Segundo este novo sistema só aplicável a Inglaterra (as restantes nações do Reino Unido têm autonomia política na luta contra a covid), as áreas de maior propagação, como agora Liverpool, verão os pubs e bares fechar e quase todas as reuniões domésticas proibidas.
Em áreas que se situam no nível médio, as pessoas não são autorizadas a encontrar-se dentro de casa com outras que não façam parte dos seus lares. E no nível mais baixo, os cidadãos terão de respeitar as medidas já em vigor, com os pubs a fechar às 22.00 e as reuniões limitadas a seis pessoas. "Não queremos voltar a outro confinamento nacional", disse, mas "não podemos deixar que o vírus se propague".
"Estes números estão a piscar-nos como avisos no painel de instrumentos num avião de passageiros e temos de agir agora", acrescentou Boris Johnson durante uma conferência de imprensa.
Do outro lado do canal da Mancha, o presidente francês Emmanuel Macron deverá voltar a dirigir-se aos compatriotas na quarta-feira à noite, dias depois das cidades de Toulouse e Montpellier terem passado para o grau de alerta máximo, juntando-se a Paris, Marselha, Lyon, Lille, Saint-Étienne, Grenoble e o departamento de Guadalupe (Caraíbas).
Durante uma reunião do chefe de Estado com os ministros responsáveis pela gestão da crise, no Palácio do Eliseu, foram analisadas novas restrições específicas, recolher obrigatório, confinamentos locais, mas os franceses só irão saber o quê durante uma entrevista televisiva.
O nível de alerta máximo é estabelecido quando a taxa de incidência do vírus ultrapassa 250 casos por cem mil pessoas, a taxa de incidência para pessoas com 65 ou mais anos é superior a cem, e mais de 30% das camas dos cuidados intensivos são ocupadas por doentes com covid.
A região de Île-de-France, que inclui Paris, tem a situação mais preocupante para as autoridades: a taxa de incidência na faixa etária 20-30 situa-se nos 800. Além disso a taxa de testes positivos está próxima dos 17% e a ocupação dos cuidados intensivos com doentes de covid está nos 42%.
Presidente e governo deverão insistir numa mensagem de responsabilização individual, avança a AFP.
Na segunda-feira, as autoridades de saúde disseram que o número de pessoas hospitalizadas por esta doença tinha ultrapassado os 8600 pela primeira vez desde finais de junho, pelo que poderá haver margem para mais restrições. No sábado, as autoridades de saúde reportaram um recorde de 26.896 novos casos, embora o número tenha caído posteriormente (16.101 no domingo e 8505 na segunda).
"Se durante as próximas duas semanas virmos os indicadores piorarem, se as camas de cuidados intensivos encherem-se ainda mais do que esperamos, tomaremos de facto medidas adicionais", disse o primeiro-ministro Jean Castex.
O governo francês preteriu um segundo confinamento a nível nacional em lugar de novas restrições, em particular sobre a taxa de ocupação dos restaurantes, os horários de venda de álcool, o encerramento de bares e de ginásios.
Na República Checa soaram os alarmes: o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças informou na segunda-feira que o país registou o crescimento mais rápido em duas semanas por cem mil habitantes na União Europeia.
O país registou 493 casos por cem mil pessoas, contra 398 na sexta-feira passada, ultrapassando a Bélgica com 402,5 casos. Em resposta, o Governo checo anunciou que as escolas primárias irão mudar para o ensino à distância, acompanhando as secundárias e as universidades, além de limitar as reuniões a seis pessoas, fechar restaurantes e bares e proibir o álcool em locais públicos.
As medidas entram em vigor a partir de quarta-feira e vão durar até 3 de novembro.
"Temos apenas uma tentativa agora e tem de ser bem-sucedida", disse o primeiro-ministro Andrej Babis. "Precisamos de tomar medidas que invertam a tendência dentro de duas ou três semanas, caso contrário ficaremos sem capacidade hospitalar", disse por sua vez o ministro da Saúde, Roman Prymula.
Em Espanha, o primeiro-ministro socialista Pedro Sánchez invocou o estado de emergência na sexta-feira para impedir a entrada e saída de Madrid, no mais recente capítulo do desentendimento com o Governo autónomo, que tinha aplicado um controverso confinamento nos bairros e municípios mais pobres.
A oposição, em especial a extrema-direita, aproveitou as celebrações do Dia Nacional de Espanha para protestar contra o Governo de coligação PSOE-Unidas Podemos, com Sánchez a receber apupos nas cerimónias e o Vox a realizar uma caravana automóvel com centenas de pessoas para protestar contra "o governo criminoso e totalitário".
Só a região de Madrid relatou mais de 20 mil novos casos de covid nos últimos sete dias, tornando-a uma das áreas mais atingidas da segunda vaga da Europa.
A Alemanha viu Munique juntar-se a Berlim, Frankfurt, Colónia e Estugarda nas cidades com novas restrições. A partir de quarta-feira, os bares e restaurantes daquela cidade da Baviera serão obrigados a deixar de servir álcool depois das 22.00. O uso de máscara será obrigatório também em locais públicos exteriores com elevada ocupação, e a reunião de grupos, dentro ou fora de portas, está limitada a dez pessoas.
Na Bélgica, os casos diagnosticados na semana passada foram 89% superiores aos da semana anterior. Um porta-voz da resposta nacional ao novo coronavírus, Yves van Laethem, avisou na segunda-feira que se a tendência atual não for travada, o número de pessoas nas unidades de cuidados intensivos no final de outubro poderá igualar os números de março e abril. "Todos os indicadores continuam a aumentar de forma alarmante", disse Van Laethem aos jornalistas.
Em Itália as máscaras passaram a ser usadas tanto no exterior como no interior. Na segunda-feira, o primeiro-ministro Giuseppe Conte excluiu outro confinamento a nível nacional, mas disse que os confinamentos localizados poderiam ser utilizados, se necessário. O Governo está agora a considerar novas medidas que podem incluir uma proibição de festas privadas e a limitação do número de convidados em casamentos e funerais.
(Atualizado às 15.38)