Lisboa e Algarve têm as maiores taxas de chumbo e abandono escolar do país

A pressão urbanística, os desafios socioeconómicos e a falta de professores são indicadores fundamentais para o sucesso escolar, garante o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares. A taxa de retenções e desistências nunca foi tão baixa, mas o Algarve e a Área Metropolitana de Lisboa continuam acima da média nacional.
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Nunca houve tão poucos alunos com retenções e desistências da escola em todo o país. A taxa continua a ser superior no ensino secundário, relativamente aos restantes anos de escolaridade, tendo atingido um valor de 13,6% em 2017-2018, quando no ano letivo 2008-2009 se situava nos 18,7%. No ensino básico, passou de 7,6% para 5%. Mas ainda há regiões que atingem valores acima da média nacional. É o caso da região do Algarve e da Área Metropolitana de Lisboa (AML), que têm as taxas de retenção e desistência mais altas do país, segundo dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC). As estatísticas "são um reflexo da comunidade" e da "falta de professores nestas zonas", explica o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE).

Relativamente ao ensino básico, em 2017-2018 era no Algarve que se situava a taxa mais elevada, de 7,1%. Já no ensino secundário, foi a AML que registou os piores resultados, com uma taxa de retenção e desistência nos 21,5%. E "não é por acaso que Lisboa e o Algarve são também, neste momento, as regiões do país com mais falta de professores", diz o dirigente da ANDE, Manuel António Pereira, apontando a escassez do corpo docente como uma das maiores causas para as más estatísticas.

Há cerca de dois meses que milhares de estudantes regressaram às salas de aulas, mas ainda há milhares de alunos sem professores atribuídos. A Federação Nacional de Educação estima que sejam mais de dez mil. Não só há falta de candidatos, em grande parte devido ao próprio envelhecimento da profissão, como aqueles que se mostram dispostos a candidatar-se optam por não o fazer em determinadas zonas do país, por falta de meios financeiros para pagar elevadas rendas.

Por isso, é exatamente nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo e do Algarve que o défice de professores é maior, onde os baixos salários não compensam as despesas de alojamento. A capital, por exemplo,continua a ocupar um lugar de topo entre as cidades da Europa onde a disparidade entre o rendimento disponível e os valores das rendas está a aumentar de ano para ano, segundo um estudo divulgado neste ano pelo Deutsche Bank. De acordo com o relatório, um T2 que custava 645 euros em 2014 atualmente chega aos 917.

No Algarve, a única solução para alguns docentes deslocados é mesmo viver em parques de campismo. Em entrevista ao DN, em agosto, a presidente do Sindicato Democrático de Professores do Sul, Josefa Lopes, lembrava que este é um problema que "tem vindo a agudizar-se, devido ao volume de turismo na zona", que é também "cada vez menos sazonal". A falta de alternativas de alojamento, escassas ou a preços de turista, leva professores a desistir da vaga na qual foram colocados. "Fogem de trabalhar onde não ganham para [cobrir] as despesas", acrescenta o dirigente da ANDE.

Manuel António Pereira lembra que o problema não é novo, mas "tende a agravar com o decorrer dos anos, caso não sejam implementadas soluções", entre as quais a valorização da profissão docente, que "precisa de incentivos". "As escolas estão cheias de cabelos brancos", diz, reiterando as conclusões do relatório "Educação em números 2019", da DGEEC, que indica que apenas 1217 dos docentes estão abaixo dos 30 anos - quando há duas décadas eram 27 121. Além disso, "há cursos superiores de docência a ficar desertos", alerta o representante dos diretores.

Comunidade de sucesso, escola com sucesso

Mas não só a falta de professores pode justificar os dados que colocam o Algarve e Lisboa no fundo da tabela relativamente aos chumbos e ao abandono escolar. "Não se pode dizer que há uma relação direta [da taxa] com a falta de professores, porque é um conjunto de fatores", começa por explicar Manuel António Pereira. Entre eles a "pressão urbanística".

"Lisboa é uma zona de grande pressão urbanística, onde as escolas têm naturalmente muitos alunos, integradas em áreas sociais com muitas dificuldades. E, como se sabe, todos os problemas sociais refletem-se na escola", esclarece o dirigente da ANDE.

O mesmo acontece com o Algarve. "Tendemos a conhecer um Algarve que dura apenas quatro meses. Mas é muito mais do que isso. É uma zona com problemas de ordem económica e social, com muitos emigrantes e deslocados", fatores decisivos para o insucesso escolar", diz. E uma escola só tem sucesso "se a comunidade tem sucesso", porque "as escolas não existem sozinhas", acrescenta Manuel António Pereira. Por isso, considera, "é preciso olhar a montante, arranjar forma de apoiar as famílias".

Norte é campeão das estatísticas

Apesar de as estatísticas negativas se concentrarem nestas regiões, ambas são também aquelas que mais viram diminuir a taxa de retenção e desistência, entre 2008 e 2017, no ensino básico. A AML, por exemplo, desceu 3,4 pontos percentuais, enquanto o Algarve diminuiu 3,1.

Já no ensino secundário, foram as duas áreas que menos conseguiram melhorar os resultados. Já a região centro diminuiu a taxa em 6,1 pontos percentuais, seguida pelo norte (5,7) e pelo Alentejo (5,1).

E é precisamente o norte que regista os valores mais positivos, isto é, as taxas de retenção e desistência mais baixas do país: 6,4% no ensino básico e 16,7% no secundário, abaixo da média nacional. "O norte é a região do país onde mais se evoluiu em termos de sucesso, nos últimos 20 anos", diz o presidente da ANDE.

Ao contrário do que acontece com Lisboa e com Algarve, "tirando a região do Grande Porto, genericamente não há pressão urbanística e social à volta das escolas", explica. Além disso, "tem havido muitos projetos de apoio às escolas, nomeadamente o TEIP [Programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária], que estão maioritariamente no Norte". Estes programas estão implementados em 137 agrupamentos, onde os alunos estão marcados por dificuldades sociais e económicas e, por isso, estão mais propensos ao abandono e ao insucesso escolar.

Também a proatividade dos estabelecimentos de ensino desta região tem sido um fator determinante para os bons resultados, garante Manuel António Pereira. "As escolas do norte são mais ativas, estão mais inseridas em projetos, mexem-se mais."

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