Com prudência. É assim que os ambientalistas se posicionam face à intenção do governo de lançar até outubro, ou seja, ainda antes das próximas eleições legislativas, o concurso internacional para atribuição de licenças de prospeção e exploração de lítio no país, que foi anunciada pelo secretário de Estado da Energia, João Galamba, em declarações ao jornal Público. As associações Zero e Quercus "reconhecem o valor económico" da exploração daquele recurso geológico, mas querem "ver acauteladas" a transparência do processo, as questões ambientais e o desenvolvimento sustentável das regiões em causa.."Temos tido uma posição de precaução em relação a esta questão", diz o vice-presidente da Quercus, Nuno Sequeira, sublinhando que o anúncio agora feito pelo secretário de Estado da Energia "mostra que o governo quer criar um compromisso em relação à exploração do lítio ainda antes do final deste mandato". A Quercus, diz, "não é contra a exploração de recursos geológicos, mas é preciso acautelar os riscos ambientais"..A análise feita pela Zero vai na mesma linha. "Concordamos com a visão integrada da exploração do lítio que é proposta pelo governo", afirma, por seu turno, o presidente daquela organização ambientalista, Francisco Ferreira. "Portugal deve aproveitar o ciclo tão completo quanto possível da produção do lítio", adianta, notando no entanto que "há preocupações sociais e ambientais que têm de ser respeitadas"..Desde logo a Zero defende que o processo "não deve ficar na exclusiva dependência da DGEG [Direção-Geral de Energia e Geologia], mas deve ser acompanhado também pelas entidades públicas ligadas ao ambiente e à sua fiscalização, como a APA [Agência Portuguesa do Ambiente], IGAMAOT [Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território] e do ICNF [Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas] "..Os exemplos do passado, "com minas e pedreiras hoje abandonadas em várias regiões do país, com um pesado passivo ambiental" - "são também passivos económicos, porque a reabilitação ambiental tem custos elevados", lembra por seu turno Nuno Sequeira -, mostram como estas atividades podem correr mal a nível ambiental, se não forem devidamente acompanhadas e fiscalizadas, lembram os ambientalistas..Por isso, a Zero "quer saber que entidades públicas da área do ambiente vão estar envolvidas no acompanhamento do processo e na sua fiscalização", afirma o presidente da Zero. "Pelo que aconteceu no passado com outras pedreiras, a DGDE não teve capacidade de acautelar os problemas ambientais e a nossa preocupação é que essa situação se possa repetir em relação à prospeção e exploração de lítio.".Riscos ambientais.Componente essencial para o fabrico de telemóveis e baterias dos veículos elétricos, ou para armazenamento de energia produzida por fontes renováveis, o lítio ganhou um grande protagonismo e valor nos últimos anos, enquanto pedra-chave no desenvolvimento das novas tecnologias. Acontece que Portugal é um dos países da Europa com maiores potencialidades para a sua exploração, com depósitos confirmados de minerais de lítio em várias zonas do norte e centro do país, como a serra de Arga, no Minho, a zona de Barroso-Alvão, no Alto Douro, ou ainda a região Guarda e Argemela e Segura, na Beira Baixa..Surgindo muito perto da superfície, integrado nas massas geológicas graníticas, a sua exploração tem de ser feita a céu aberto, o que comporta riscos ambientais e sociais.."A sua extração implica desde logo a destruição do coberto vegetal, com impacto na biodiversidade", afirma Nuno Sequeira. "A água e os produtos utilizados no processo também poderão ser um fator de contaminação dos recursos hídricos se a segurança não for devidamente acautelada", sublinha o ambientalista, lembrando que "a história da exploração mineira em Portugal está cheia de casos desses"..Uma das situações que tem de ficar salvaguardada, diz Nuno Sequeira, "é que este tipo de atividade não pode ser desenvolvida em áreas classificadas ou protegidas, como as da Rede Natura 2000, por exemplo"..A palavra de ordem das organizações ambientalistas é, por isso, a de acautelar os problemas à partida. O lítio, reconhecem, "é um importante recurso geológico para o país e para a própria descarbonização da economia", dado que é um componente essencial para o fabrico das baterias dos veículos elétricos mas, alertam, "é preciso que a qualidade ambiental e o desenvolvimento sustentável das regiões fiquem salvaguardados"..Estratégia integrada para o lítio.Contactado pelo DN, o Ministério do Ambiente garante que as questões ambientais serão acauteladas "através da realização de avaliação ambiental, de acordo com a legislação portuguesa". Quem vencer o concurso internacional terá de fazer e apresentar um estudo de impacto ambiental, como a lei prevê..O secretário de Estado da Energia, João Galamba, adiantou nesta segunda-feira que a estratégia do governo é "posicionar Portugal no centro da cadeia de valor" do lítio, não só através da exploração mineira deste recurso mas também com uma unidade de processamento..Atualmente, "o lítio é da maior importância porque faz parte da cadeia de valor das baterias e é muito importante para a mobilidade elétrica e queremos posicionar Portugal no centro da cadeia de valor", disse João Galamba, citado pela Lusa.."Não queremos apenas que tirem umas pedras do chão e que a cadeia de valor acrescentado deste tipo de indústria vá para fora, nós queremos fazê-la cá dentro", frisou ainda o governante. "Queremos valorizar a escala para garantir que é possível instalar uma unidade de processamento de lítio em Portugal, porque é aí que reside grande parte do valor acrescentado desta cadeia de valor", argumentou..Esta é, de resto, a filosofia que o governo já havia definido para a prospeção e exploração do lítio no país, com a aprovação da estratégia nacional para este recurso em Conselho de Ministros, em janeiro do ano passado. As dezenas de pedidos de prospeção deste recurso que entretanto foram feitos por privados não obtiveram resposta. O lançamento do concurso internacional pretende dar resposta à situação de forma integrada..O anúncio feito nesta semana pelo secretário de Estado aponta para que o concurso internacional para a prospeção de lítio, "em locais ainda a definir", nas nove áreas identificadas com potencial no país, segundo o Ministério do Ambiente, seja lançado ainda antes de outubro - "nos próximos meses", ou seja, "muito brevemente", nas palavras do secretário de Estado..O caso Covas de Barroso.Em Vila Real, na freguesia de Covas do Barroso, concelho de Boticas, o lítio já azedou, entretanto, os ânimos. A empresa Savannah Resources pretende a ampliação da concessão que já ali tem desde 2006 para passar a fazer também a produção de concentrado de espodumena, com vista ao aproveitamento de minerais de lítio para alimentar a indústria das baterias elétricas, mas os autarcas locais queixam-se de falta de informação..Ainda no mês passado, o presidente da Câmara Municipal de Boticas, Fernando Queiroga, disse publicamente estar contra o projeto da mina, porque "não estão salvaguardados" os interesses da população. "O nosso entendimento é que não houve nem uma conversa prévia nem um estudo de Impacto ambiental e não houve informação prévia quer ao município quer à própria população do que vai ser feito", afirmou, então, o autarca..Já nesta segunda-feira, a empresa Savannah Resources fez saber que o estudo de impacto ambiental para o projeto da mina de lítio em Covas do Barroso deverá estar concluído até ao final do ano..João Barros, gerente da empresa em Portugal, referiu, citado pela Lusa, que, neste momento, os trabalhos de prospeção estão parados em Covas do Barroso e as equipas ambientais estão a recolher dados para o EIA..O responsável acrescentou que, "se tudo correr bem", o estudo de impacto ambiental estará concluído até ao final do ano e será depois entregue à Agência Portuguesa do Ambiente.