Novos clientes nas velhas drogarias: a culpa é do sabão azul e branco
Adriano Carvalho não para. Há 23 anos que tem a Drogaria Adriano, em Benfica, e nunca lhe compraram tanto sabão azul e branco. Esgotou a unidade de meio quilo e as barras de quilo e meio também estão a acabar, apesar dos reforços de mercadoria. Na Drogaria Imperial de Benfica, a encomenda acabou rapidamente, na manhã desta quarta-feira. "Prometeram entregar na sexta-feira", diz Fernando Sousa, 83 anos, o proprietário da loja há 58 anos.
"Só tem estas barras grandes de sabão azul e branco?", pergunta um cliente a Adriano, ao que este responde: "Ontem trouxe três caixas e já tenho poucas unidades, amanhã pode não haver. A minha mulher foi às 06.30 a um armazém e não havia nada, agora foi a outro, mas estão todos a dizer que não têm", explica. Vira-se para o DN: "Está tudo a desaparecer das prateleiras." A loja está cheia.
Adriano está no comércio desde os 12 anos, lembra-se de vender sabão azul e branco na mercearia, quando cortavam as barras de acordo com a quantidade pedida pelo cliente. Agora, vem tudo embalado, das fábricas Confiança (Braga) e Sovena (Barreiro), sabão azul e branco e sabão rosa e branco têm as mesmas propriedades de limpeza e de desinfeção, a única diferença está o corante - mas as pessoas gostam mais do azul.
"Não tínhamos em casa, é uma boa altura para comprar", diz o homem que acaba por comprar a barra de 1,5 kg. Entram os clientes habituais, outros que Adriano nunca viu, são os que procuram o que não encontram noutras lojas.
"O sabão é para lavar as mãos e preciso de álcool por causa do meu bebé", diz a Filipa Matos, 39 anos, apontando para a barriga. "Estou grávida e tenho de desinfetar o umbigo: não encontrei nada nos supermercados nem nas farmácias, felizmente há aqui, mas só posso levar um frasco", lamenta-se. Leva uma unidade de 250 ml, o limite por cada cliente.
Na Drogaria Adriano, venderam-se seis caixas de sabão azul e branco em praticamente uma semana, desde que houve a confirmação do primeiro caso de covid-19 em Portugal. Normalmente, encomenda uma caixa por mês. Há caixas com 30 unidades de meio quilo e com 24 de quilo e meio, os sabões pequenos têm mais procura, mas, agora, compra o que os armazenistas tiverem.
As escolas foram as primeiras a esgotar as barras de 1,5 kg, além de levarem litros de lixívia. Também os rolos de papel higiénico estão a desaparecer das prateleiras.
Não só falta sabão azul e branco como os preços estão a aumentar, mais 40 cêntimos por unidade, o sabão pequeno custa 1,30 euros, o de 1,5 kg, 3,30 euros. "Não podemos dizer aos armazenistas que não queremos àquele preço, precisamos de ter as coisas para satisfazer os pedidos dos clientes", justifica Adriano Carvalho.
"Já estou enervada com isto tudo. Estava em casa e o meu filho obrigou-me a fazer compras, disse que as lojas iam fechar. Fui à mercearia e agora estou a comprar papel higiénico, só tinha um pacote", comenta Maria Helena Marques, assistente operacional, no final das compras, já no estabelecimento de Adriano.
Na Drogaria Imperial de Benfica, as reservas de sabão e branco eram pequenas, como as de álcool, que também esgotou. Fernando Sousa tem o estabelecimento com um pouco de tudo, desde os produtos mais antigos aos mais recentes, mas tem poucas quantidades de cada artigo. "Tenho ao lado os supermercados, há coisas que já não vendo, como o papel higiénico", conta.
Tinha algumas unidades de meio quilo, pediu reforço mas só lhe enviaram 12 pacotes, que acabaram num instante.
Agora quem quiser uma marca, um produto tradicional, tem grandes hipóteses de o encontrar na Drogaria Imperial de Benfica. E o dono vive perto, mesmo em frente, o que significa que há quem lhe bata à porta aos fins de semana. Natália Figueiredo, 84 anos, é a companheira de uma vida e do negócio.
A fábrica mais antiga a produzir sabão azul e branco é a Saboaria e Perfumaria Confiança, em Braga, que tem 126 anos. Foi fundada a 12 de outubro de 1894, por Silva Almeida e Santos Pereira, para produzir este sabão, marca Confiança Azul. Na verdade, chama-se sabão Offenbach, o nome da cidade alemã onde tem origem. Também lhe chama sabão macaco.
As propriedades de limpeza e desinfeção do sabão trouxeram uma grande reputação à empresa, que alargou a sua produção aos sabonetes e à perfumaria e, depois, aos cosméticos. No século XX, lançaram marcas próprias, com design e fórmulas originais, ampliaram as instalações e incluíram uma tipografia e cartonagem. Curiosamente, o edifício original da fábrica, onde se deixou de produzir em 2005, tem estado para venda em hasta público, mas não apareceram compradores.
A Confiança faz sabonetes perfumados, pós-de-arroz, águas-de-colónia, sabonetes medicinais, extratos extrafinos e óleos provenientes das então colónias portuguesas, distribuídos por cerca de 150 marcas diferentes. No século XXI tem tido um boom de produção de gel de banho e champô perfumado. Mantiveram sempre o sabão azul e branco, mas este deixou de ser a menina dos olhos, posição que está a recuperar com o novo coronavírus.
A segunda fábrica a produzir sabão azul e branco é a Sovena, criada em 1956 e que pertenceu à extinta CUF. Nasceu de uma parceria entre a CUF, a empresa Macedo e Coelho e a Sociedade Nacional de Sabões. Além do sabão, comercializa óleos, azeite e azeitonas, sendo o Clarim outro dos seus sabões reputados.