Num mundo em que o líder contestado da Venezuela Nicolás Maduro e o "autocrata" turco Recep Tayyip Erdogan - que "deve ser derrotado", nas palavras de Joe Biden - congratularam o vencedor das eleições norte-americanas, mas alguns republicanos de topo ainda não o fizeram, não é de estranhar que outros países não alinhados com os Estados Unidos ou com o democrata se remetam ao silêncio. É o caso do Brasil ou do México, mas também e em especial de duas potências geopolíticas, a Rússia e a China.."O nosso entendimento é que o resultado das eleições será determinado de acordo com as leis e procedimentos dos EUA", disse à imprensa o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Wang Wenbin. Depois de se ter recusado a reconhecer a vitória de Joe Biden, Wang disse: "Esperamos que o novo governo dos EUA possa chegar a um compromisso com a China.".Para Hu Xijin, diretor do Global Times, um periódico publicado em inglês pelo Diário do Povo do Partido Comunista, a China não felicitou Biden porque "precisa de manter uma maior distância das eleições presidenciais americanas para evitar ficar enredada na sua controvérsia"..Vladimir Putin espera o anúncio do resultado oficial da eleição presidencial para felicitar o vencedor, informou por sua vez o Kremlin. "Consideramos que é correto esperar os resultados oficiais das eleições. Quero recordar que o presidente Putin disse em várias ocasiões que respeitará a escolha do povo americano", afirmou o porta-voz da presidência russa, Dmitri Peskov.."Esperamos ser capazes de estabelecer um diálogo com o próximo presidente dos EUA e acordar em conjunto formas de normalizar as nossas relações bilaterais", acrescentou Peskov..Em 2016, não houve lugar a tanta prudência: Putin felicitou Trump pouco mais de uma hora depois das projeções dos media. Peskov argumentou que então - ou seja, no espaço de pouco mais de uma hora - "não houve questionamento judicial" do resultado..Com o seu longo trajeto político, Joe Biden está longe de ser um desconhecido na cena política internacional, como foi o caso de Donald Trump quando chegou à Casa Branca. Conheceu pessoalmente os homens fortes em Pequim e Moscovo durante as suas funções de vice-presidente. Sabe com quem está a lidar - e o inverso também é verdade..Uma diferença fundamental de Biden e Trump é que o presidente cessante nunca subiu o tom de voz para defender os direitos humanos ou os movimentos da oposição democrática num e noutro país - em contraste com a sua própria administração. Um factor de irritação adicional para Pequim e Moscovo..Se Biden vê na China de Xi Jinping "um sério concorrente" e na Rússia de Vladimir Putin "um adversário", destrinçando os regimes destes países, também dos outros lados a visão não é igual em relação a uns EUA sob a liderança do democrata..Quer pela sua ascensão ao topo das maiores economias, em concorrência desleal com os Estados Unidos, quer pela cada vez mais agressiva geopolítica, quer pela gestão do novo coronavírus, quer ainda pela questão dos direitos humanos, a China é a grande dor de cabeça dos Estados Unidos e foi um tema quente na campanha eleitoral. Com dois terços dos norte-americanos com uma ideia negativa da China, ambos tentaram cavalgar a onda e retirar proveitos das críticas ao regime comunista.."Ambos atiraram-se à jugular", comentou à NPR Frank Luntz, um consultor republicano durante a campanha. "Ambos estão a tentar mostrar que o outro lado é fraco na China ou interpreta mal as intenções da China ou lidaria mal com a China no futuro.".Durante a campanha, nos debates, Joe Biden desmentiu as alegações do atual presidente de que "seria fraco com a China" e as consequências seriam a perda da soberania e da identidade. "Se eu não ganhar as eleições, a China será dona dos Estados Unidos. Terão de aprender a falar chinês", disse o empresário nova-iorquino numa entrevista radiofónica, em agosto, citado pela CNN..Em resposta, Biden prometeu firmeza, em concertação com os países aliados. "Precisamos de ter connosco o resto dos nossos amigos e dizermos à China: 'Estas são as regras. Jogamos seguindo-as, ou então vão pagar o preço por não as cumprirem economicamente'.".Em agosto, William Evanina, chefe do Centro Nacional de Segurança e Contrainformação (NCSC, sigla em inglês) dos EUA, emitiu um alerta sobre as tentativas de desestabilização estrangeira. E disse que a China "prefere que o presidente Trump - tido como imprevisível por Pequim - não seja reeleito"..Da China, conta a The Economist, nunca uma eleição nos Estados Unidos foi seguida com tanta atenção, com a censura nas redes sociais chinesas a permitir mensagens de apoio a Trump e piadas a ambos os candidatos..Um alto funcionário chinês disse à revista britânica que é indiferente à China quem se senta na Sala Oval, e que a grande questão é: "Os EUA têm de responder a esta pergunta: podem os EUA ou o mundo ocidental aceitar ou respeitar a ascensão da China?".Já Wang Yong, diretor do Centro de Estudos Americanos da Universidade de Pequim, vê diferenças. Para ele, Biden ouve os investidores de Wall Street e os patrões de Silicon Valley que procuram laços "mais racionais" com a China. Esses laços permitem explorar interesses comuns como as alterações climáticas, a saúde pública e a prosperidade global. No entanto, prevê que Washington irá "utilizar todos os meios para defender o seu estatuto" de número um na economia e no poderio militar..Sobre a Rússia, e em particular sobre o seu líder, Joe Biden disse durante um debate com os restantes candidatos às primárias democratas ter descoberto que Putin não o quer como presidente. Mais tarde, já num debate com Trump, depois de ter acusado o advogado pessoal do adversário, Rudy Giuliani, de ser um "peão" de Moscovo, afirmou: "A Rússia quer garantir que eu não seja eleito o próximo presidente dos Estados Unidos porque eles sabem que eu os conheço, e conhecem-me a mim.".Ficaram famosas as declarações de George W. Bush depois de ter conhecido Vladimir Putin: "Achei-o muito franco e digno de confiança - consegui ter uma noção da sua alma." Já Biden disse uma vez ao próprio ex-KGB, segundo contou à New Yorker: "'Estou a olhar-te nos olhos, e não creio que tenhas alma' (...) Ele olhou para mim, sorriu, e disse: 'Compreendemo-nos mutuamente'." .Segundo o diretor do NCSC, William Evanina, a Rússia estava em agosto a tentar "denegrir" a candidatura de Biden e de outros membros de um establishment considerado "anti-Rússia", em oposição a agentes ligados à Rússia que "procuram impulsionar a candidatura do presidente Trump nas redes sociais e na televisão russa". No mês seguinte, Trump voltava a trocar sinais de amor com Putin. "Ele gosta de mim. E eu dele.".Já Biden ameaçou a Rússia, a China e o Irão de sofrerem as consequências das tentativas de desestabilização das eleições através de hackers, desinformação nas redes sociais, etc. "Se eu for eleito vão pagar a fatura. Estão a interferir com a soberania norte-americana", declarou..Se ninguém acredita nos EUA que Biden vá procurar alma em Putin nem oferecer um botão para fazer reset à relação, como Hillary Clinton tentou em 2009, que expectativa há na Rússia? Pouca..Em outubro, em entrevista a um canal de televisão, Putin criticou Biden, mas manteve a porta aberta ao diálogo. "No que diz respeito ao candidato do Partido Democrata ... vemos também uma retórica anti-russa bastante acentuada. Infelizmente, estamos habituados a isto", disse. Mas acrescentou que Biden tinha feito declarações encorajadoras sobre o Novo START, o pacto de controlo de armas nucleares entre a Rússia e os Estados Unidos, que deverá expirar em fevereiro..Putin tem proposto a extensão de um ano do tratado, ao que a administração Trump tem recusado. Este é um campo em que o Kremlin e a Casa Branca podem chegar a um acordo, pois é do interesse de ambos o regresso a uma política de dissuasão nuclear, em contraste com os planos de Trump em apostar em novas armas nucleares..De resto, há um fosso cada vez maior entre os dois países, disfarçado por quatro anos de uma estranha relação entre os seus líderes. Enquanto isso a Rússia aprofundou cada vez mais o estatuto de pária no plano internacional - basta lembrar os envenenamentos do ex-agente duplo Sergei Skripal e da filha, bem como do opositor Alexei Navalny de um lado; mas também com a interferência nas eleições anteriores americanas, em benefício de Trump..Com Biden interessado em aprofundar as relações com a Ucrânia, com a Europa e a Aliança Atlântica, resta saber se o futuro presidente, como católico praticante vai dar a outra face e procurar estabelecer uma política pragmática, ou se vai fazer a vida negra a Putin.."Uma administração Biden verá uma grande mudança nas atitudes presidenciais em relação à Rússia e a Putin pessoalmente. Isto irá simultaneamente endurecer a política externa e aumentar a resiliência interna que a sustenta. Excecionalmente, vai gozar de apoio bipartidário. Nada disto será bem-vindo em Moscovo", comenta o ex-embaixador britânico Nigel Gould-Davies no International Institute for Strategic Studies.
Num mundo em que o líder contestado da Venezuela Nicolás Maduro e o "autocrata" turco Recep Tayyip Erdogan - que "deve ser derrotado", nas palavras de Joe Biden - congratularam o vencedor das eleições norte-americanas, mas alguns republicanos de topo ainda não o fizeram, não é de estranhar que outros países não alinhados com os Estados Unidos ou com o democrata se remetam ao silêncio. É o caso do Brasil ou do México, mas também e em especial de duas potências geopolíticas, a Rússia e a China.."O nosso entendimento é que o resultado das eleições será determinado de acordo com as leis e procedimentos dos EUA", disse à imprensa o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Wang Wenbin. Depois de se ter recusado a reconhecer a vitória de Joe Biden, Wang disse: "Esperamos que o novo governo dos EUA possa chegar a um compromisso com a China.".Para Hu Xijin, diretor do Global Times, um periódico publicado em inglês pelo Diário do Povo do Partido Comunista, a China não felicitou Biden porque "precisa de manter uma maior distância das eleições presidenciais americanas para evitar ficar enredada na sua controvérsia"..Vladimir Putin espera o anúncio do resultado oficial da eleição presidencial para felicitar o vencedor, informou por sua vez o Kremlin. "Consideramos que é correto esperar os resultados oficiais das eleições. Quero recordar que o presidente Putin disse em várias ocasiões que respeitará a escolha do povo americano", afirmou o porta-voz da presidência russa, Dmitri Peskov.."Esperamos ser capazes de estabelecer um diálogo com o próximo presidente dos EUA e acordar em conjunto formas de normalizar as nossas relações bilaterais", acrescentou Peskov..Em 2016, não houve lugar a tanta prudência: Putin felicitou Trump pouco mais de uma hora depois das projeções dos media. Peskov argumentou que então - ou seja, no espaço de pouco mais de uma hora - "não houve questionamento judicial" do resultado..Com o seu longo trajeto político, Joe Biden está longe de ser um desconhecido na cena política internacional, como foi o caso de Donald Trump quando chegou à Casa Branca. Conheceu pessoalmente os homens fortes em Pequim e Moscovo durante as suas funções de vice-presidente. Sabe com quem está a lidar - e o inverso também é verdade..Uma diferença fundamental de Biden e Trump é que o presidente cessante nunca subiu o tom de voz para defender os direitos humanos ou os movimentos da oposição democrática num e noutro país - em contraste com a sua própria administração. Um factor de irritação adicional para Pequim e Moscovo..Se Biden vê na China de Xi Jinping "um sério concorrente" e na Rússia de Vladimir Putin "um adversário", destrinçando os regimes destes países, também dos outros lados a visão não é igual em relação a uns EUA sob a liderança do democrata..Quer pela sua ascensão ao topo das maiores economias, em concorrência desleal com os Estados Unidos, quer pela cada vez mais agressiva geopolítica, quer pela gestão do novo coronavírus, quer ainda pela questão dos direitos humanos, a China é a grande dor de cabeça dos Estados Unidos e foi um tema quente na campanha eleitoral. Com dois terços dos norte-americanos com uma ideia negativa da China, ambos tentaram cavalgar a onda e retirar proveitos das críticas ao regime comunista.."Ambos atiraram-se à jugular", comentou à NPR Frank Luntz, um consultor republicano durante a campanha. "Ambos estão a tentar mostrar que o outro lado é fraco na China ou interpreta mal as intenções da China ou lidaria mal com a China no futuro.".Durante a campanha, nos debates, Joe Biden desmentiu as alegações do atual presidente de que "seria fraco com a China" e as consequências seriam a perda da soberania e da identidade. "Se eu não ganhar as eleições, a China será dona dos Estados Unidos. Terão de aprender a falar chinês", disse o empresário nova-iorquino numa entrevista radiofónica, em agosto, citado pela CNN..Em resposta, Biden prometeu firmeza, em concertação com os países aliados. "Precisamos de ter connosco o resto dos nossos amigos e dizermos à China: 'Estas são as regras. Jogamos seguindo-as, ou então vão pagar o preço por não as cumprirem economicamente'.".Em agosto, William Evanina, chefe do Centro Nacional de Segurança e Contrainformação (NCSC, sigla em inglês) dos EUA, emitiu um alerta sobre as tentativas de desestabilização estrangeira. E disse que a China "prefere que o presidente Trump - tido como imprevisível por Pequim - não seja reeleito"..Da China, conta a The Economist, nunca uma eleição nos Estados Unidos foi seguida com tanta atenção, com a censura nas redes sociais chinesas a permitir mensagens de apoio a Trump e piadas a ambos os candidatos..Um alto funcionário chinês disse à revista britânica que é indiferente à China quem se senta na Sala Oval, e que a grande questão é: "Os EUA têm de responder a esta pergunta: podem os EUA ou o mundo ocidental aceitar ou respeitar a ascensão da China?".Já Wang Yong, diretor do Centro de Estudos Americanos da Universidade de Pequim, vê diferenças. Para ele, Biden ouve os investidores de Wall Street e os patrões de Silicon Valley que procuram laços "mais racionais" com a China. Esses laços permitem explorar interesses comuns como as alterações climáticas, a saúde pública e a prosperidade global. No entanto, prevê que Washington irá "utilizar todos os meios para defender o seu estatuto" de número um na economia e no poderio militar..Sobre a Rússia, e em particular sobre o seu líder, Joe Biden disse durante um debate com os restantes candidatos às primárias democratas ter descoberto que Putin não o quer como presidente. Mais tarde, já num debate com Trump, depois de ter acusado o advogado pessoal do adversário, Rudy Giuliani, de ser um "peão" de Moscovo, afirmou: "A Rússia quer garantir que eu não seja eleito o próximo presidente dos Estados Unidos porque eles sabem que eu os conheço, e conhecem-me a mim.".Ficaram famosas as declarações de George W. Bush depois de ter conhecido Vladimir Putin: "Achei-o muito franco e digno de confiança - consegui ter uma noção da sua alma." Já Biden disse uma vez ao próprio ex-KGB, segundo contou à New Yorker: "'Estou a olhar-te nos olhos, e não creio que tenhas alma' (...) Ele olhou para mim, sorriu, e disse: 'Compreendemo-nos mutuamente'." .Segundo o diretor do NCSC, William Evanina, a Rússia estava em agosto a tentar "denegrir" a candidatura de Biden e de outros membros de um establishment considerado "anti-Rússia", em oposição a agentes ligados à Rússia que "procuram impulsionar a candidatura do presidente Trump nas redes sociais e na televisão russa". No mês seguinte, Trump voltava a trocar sinais de amor com Putin. "Ele gosta de mim. E eu dele.".Já Biden ameaçou a Rússia, a China e o Irão de sofrerem as consequências das tentativas de desestabilização das eleições através de hackers, desinformação nas redes sociais, etc. "Se eu for eleito vão pagar a fatura. Estão a interferir com a soberania norte-americana", declarou..Se ninguém acredita nos EUA que Biden vá procurar alma em Putin nem oferecer um botão para fazer reset à relação, como Hillary Clinton tentou em 2009, que expectativa há na Rússia? Pouca..Em outubro, em entrevista a um canal de televisão, Putin criticou Biden, mas manteve a porta aberta ao diálogo. "No que diz respeito ao candidato do Partido Democrata ... vemos também uma retórica anti-russa bastante acentuada. Infelizmente, estamos habituados a isto", disse. Mas acrescentou que Biden tinha feito declarações encorajadoras sobre o Novo START, o pacto de controlo de armas nucleares entre a Rússia e os Estados Unidos, que deverá expirar em fevereiro..Putin tem proposto a extensão de um ano do tratado, ao que a administração Trump tem recusado. Este é um campo em que o Kremlin e a Casa Branca podem chegar a um acordo, pois é do interesse de ambos o regresso a uma política de dissuasão nuclear, em contraste com os planos de Trump em apostar em novas armas nucleares..De resto, há um fosso cada vez maior entre os dois países, disfarçado por quatro anos de uma estranha relação entre os seus líderes. Enquanto isso a Rússia aprofundou cada vez mais o estatuto de pária no plano internacional - basta lembrar os envenenamentos do ex-agente duplo Sergei Skripal e da filha, bem como do opositor Alexei Navalny de um lado; mas também com a interferência nas eleições anteriores americanas, em benefício de Trump..Com Biden interessado em aprofundar as relações com a Ucrânia, com a Europa e a Aliança Atlântica, resta saber se o futuro presidente, como católico praticante vai dar a outra face e procurar estabelecer uma política pragmática, ou se vai fazer a vida negra a Putin.."Uma administração Biden verá uma grande mudança nas atitudes presidenciais em relação à Rússia e a Putin pessoalmente. Isto irá simultaneamente endurecer a política externa e aumentar a resiliência interna que a sustenta. Excecionalmente, vai gozar de apoio bipartidário. Nada disto será bem-vindo em Moscovo", comenta o ex-embaixador britânico Nigel Gould-Davies no International Institute for Strategic Studies.