Covid-19. Máscaras, luvas e desinfectantes furtados dos hospitais
O covid-19 fez esgotar nas farmácias máscaras e desinfectantes para as mãos. Nos hospitais, este material não está esgotado, mas está a desaparecer dos armários. Ninguém sabe como, ninguém vê, mas também ninguém reporta oficialmente. Ao DN explicaram que tal não é feito porque quem fica malvisto são os próprios hospitais por não conseguirem controlar a situação, até porque "às vezes é impossível. Numa situação destas há até mais monitorização do material que está em stock, mas não se controla tudo e todos. Há muita gente nos serviços", argumentou ao DN um profissional de uma grande unidade da região da Lisboa, que pediu o anonimato.
O problema é que numa situação de epidemia à escala global todos os países necessitam deste tipo de material para proteger os doentes e os seus profissionais de saúde e a sua reposição e substituição não é assim tão simples. Ou, pelo menos, "tão rápida quanto se gostaria e nas quantidades que se pretende", explicou a mesma fonte.
Mas não só. Os custos também são a dobrar. "Era material adquirido e pago, portanto, novas encomendas representam custos acrescidos." A situação parece não ser nova, "acontece sempre que há picos ou surtos de gripe e até de outras situações. Agora, se os hospitais a reportam? Não, não o fazem. Até porque falar sobre o assunto seria um incentivo a que mais pessoas o fizessem e depois o próprio hospital ou instituição ficariam mal vistos por não conseguirem controlar a situação", sublinhou a mesma fonte.
Os casos que vão existindo são falados internamente. "Há poucos dias, na reunião do grupo de contingência do meu hospital, foi referido que tinham desaparecido várias caixas de máscaras, desinfectantes e de luvas, mas não se pode fazer muito mais. Há pessoas que, infelizmente, têm esta perspetiva de roubar, prejudicando os outros para ganância pessoal", confirmou ao DN outro técnico de outra unidade de Lisboa, que também não quis ser identificado.
Numa unidade quase à entrada da capital, na semana passada, também desapareceram do serviço de urgência uma grande quantidade de máscaras e de desinfectantes. A situação repete-se noutras mais, mas até agora só o Hospital de Elvas instaurou um inquérito sobre o desaparecimento de máscaras, divulgando ontem que se tratou mesmo de um furto que poderá ter que ver com o coronavírus.
No norte, um profissional de uma grande unidade disse ao DN: "Temos pessoas a roubar máscaras e soluções desinfectantes. Não se sabe para quê, só para açambarcar? Para vender? Isto é incrível", desabafa. "Houve pessoas que foram às farmácias e que compraram 20 caixas de paracetamol para estarem abastecidas, nos hospitais temos pessoas a roubar os EPI", referiu, pedindo igualmente para não ser identificado.
Conforme já foi noticiado, os hospitais começaram a restringir o número de visitas a doentes e as faculdades de Medicina a suspender as aulas para que se racionalizasse também o uso deste tipo de material, mas ele acaba por desaparecer. "Há razões para se restringir as visitas nos hospitais e para se suspender as aulas nas faculdades de Medicina. Em primeiro lugar foi para se evitar o contágio e conter o vírus, em segundo porque cada visita ou cada aluno que está em contacto com um doente representa uma máscara, uma bata, luvas, etc. Este material tem de ser substituído ao fim de algum tempo, o que é um gasto imenso numa altura em que se deve racionalizar o seu uso para o canalizar para quem está doente e para proteção dos profissionais", explicou ao DN outra fonte.
Nos hospitais, dizem-nos, a racionalização do material vai dos medicamentos ao uso de batas, luvas, toucas, máscaras, reagentes, zaragatoas, etc. "Neste momento, tudo isto é essencial para se lidar com a situação", referem.
No norte, o DN falou com técnicos que relatam situações de desaparecimento de material como "máscaras e soluções de álcool. Está a acontecer nas unidades de saúde aquilo que as pessoas veem um pouco nos supermercados e nas farmácias no dia-a-dia. Açambarcamento. E depois deparamo-nos com alguma lentidão na reposição deste tipo de material. Aliás, o que nos dizem do lado das empresas fornecedoras é que para dar resposta aos hospitais já estão a ter dificuldade em abastecer outras entidades, nomeadamente empresas, escritórios que já têm também em falta este material".
O DN contactou a Associação de Distribuidores Farmacêuticos (ADIFA) para saber como estava a decorrer o abastecimento às unidades de saúde, se estava a aumentar, se estava a haver alguma dificuldade, como estavam a resolver a situação, mas foi-nos feito o encaminhamento para a assessora de comunicação, Sofia Aguiar, que afirmou não poder tecer nenhum comentário sobre o assunto. "Em reunião entre todos os parceiros do setor e as autoridades de saúde foi aceite e acordado que este tipo de resposta só pode ser dada pelas entidades competentes que estão a liderar este processo. O contacto deve ser feito para o Ministério da Saúde, Direção-Geral da Saúde e Infarmed."
Estas entidades foram contactadas pelo DN no sentido de obtermos um comentário sobre a situação do desaparecimento de material dos hospitais mas não recebemos qualquer resposta em tempo útil.
No plano de contingência nacional divulgado pela DGS ao final da tarde de segunda-feira, um dos pontos constantes tem que ver precisamente com a necessidade da criação de uma reserva estratégica nacional para o medicamento e para o equipamento que deverá ser administrada por uma comissão específica para este efeito. O primeiro-ministro António Costa, nas declarações que prestou aos jornalistas ao fim da tarde, também verbalizou a necessidade da racionalização do equipamento de proteção individual.
Fontes contactadas pelo nosso jornal explicaram que "a racionalização dos recursos é muito importante para se combater a situação". A diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, voltou a referir nesta terça-feira que está a ser feito um esforço imenso da parte de profissionais e das unidades para se responder da melhor forma à situação.
O diretor clínico do Centro Hospitalar Universitário do Porto também recomendava nesta terça-feira, em entrevista à Lusa, "o uso racional de materiais de proteção, elogiando, por outro lado, a forma como as pessoas estão a aderir às recomendações feitas pelas autoridades relacionadas com o surto do covid-19. O médico sublinhou que "o material não abunda e tem de ser gerido com racionalidade", embora até agora não tenha havido ruturas de stocks.
No caso de haver alguma unidade com mais dificuldade no abastecimento de material e equipamento, fontes hospitalares explicaram ao DN que há sempre uma regra de partilha entre as unidades. Isso acontece tanto em relação ao material de proteção como à disponibilidade de testes de despistagem, reagentes, etc.
O DN apurou ainda que os hospitais portugueses, nesta semana, e ao contrário do que aconteceu no início da epidemia, em que tiveram dificuldade em obter testes de despistagem do coronavírus, designados como PCR, estão bem. "Neste momento não estamos com tanta dificuldade, mas os hospitais também começaram a fazer encomendas a mais do que um fornecedor para não terem falhas", argumentaram.
Outra fonte explicou que "alguns hospitais portugueses perderam, na semana passada, encomendas de testes porque os espanhóis se chegaram à frente e pagaram primeiro. Nós não podemos fazer isso". Ou seja, "quando se trata de uma situação destas, em que há que encomendar e pagar, os hospitais não podem perder tempo com burocracia a enviar pedidos para o Ministério da Saúde, que depois envia para as Finanças e quando vem a autorização já a encomenda não está disponível".
Por isso, refere a mesma fonte, é que uma das primeiras medidas propostas pela Ordem dos Médicos para os hospitais poderem responder prontamente a esta situação era "terem um fundo do ministério para poderem comprar medicamentos e material. É preciso criar stocks antes das coisas acontecerem".
Nesta terça-feira, dia 10, as autoridades de saúde confirmaram a existência de 41 casos positivos de coronavírus - 27 na região norte e esmagadoramente ligados ao empresário que esteve na feira de calçado de Milão, dez em Lisboa, dois na região centro e dois no Algarve. No mundo, já há mais de 114 mil infetados e quatro mil mortes.
Neste dia, o governo português decidiu também suspender os voos para e de Itália, escolas e universidades optaram por suspender eventos e as atividades letivas por precaução, o Sindicato dos Trabalhadores dos Registos e do Notariado pediu à ministra que fechasse as Lojas do Cidadão e a própria Igreja anunciou que iria suprimir celebrações durante a quaresma e na Páscoa. As autarquias de Lisboa e do Porto decidiram igualmente, e por precaução, encerrar teatros, museus e cancelar eventos públicos.