"Não será fácil todos os dias, eu sei. A tarefa será dura." As palavras foram proferidas a 7 de maio de 2017 por Emmanuel Macron, diante da pirâmide do Louvre e de milhares de apoiantes após um vitória folgada na segunda volta das presidenciais com 66,1%, mas poderiam ter sido proferidas hoje face à pandemia do coronavírus..Um desafio que não é o primeiro que o presidente enfrenta em três anos de mandato, mas cuja resposta pode determinar as suas hipóteses de reeleição em 2022. Macron que disse que, diante desta pandemia, era preciso uma "reinvenção, minha antes de tudo"..A França, que pretende começar o desconfinamento a 11 de maio e reabrir as escolas, tinha esta quarta-feira 939 novos casos de coronavírus, num total de 137 150 desde o início da pandemia. Destes, 23 983 estão hospitalizados. Há ainda registo de 25 809 mortos, sendo que 278 foram só nas últimas 24 horas (na véspera tinham sido 330)..Depois de uma primeira subida nas sondagens BVA/Orange em março até aos 40% de popularidade, fruto da resposta inicial ao coronavírus, Macron registou em final de abril uma nova queda, para os 38%, com os franceses a sentirem já o cansaço do confinamento imposto a 17 de março, a reagirem a imagens de violência policial nos bairros mais desfavorecidos da periferia e à falta de materiais de proteção para os funcionários de saúde..Contudo, olhando para os números desde aquela vitória de maio de 2017, a lua-de-mel nem durou três meses, com a popularidade do presidente a cair logo em agosto para os 43%, já depois de o seu La Republique en Marche! ter ganho uma maioria confortável no Parlamento em junho. Só voltaria a estar acima dos 50% em dezembro, atingindo o ponto mais baixo de popularidade (26%) em novembro de 2018, com o rebentar da crise dos coletes-amarelos..De crise em crise.Macron tinha 39 anos quando foi eleito e é o mais jovem a ocupar o cargo. Garantida a maioria na Assembleia Nacional, o presidente que tomou posse uma semana depois da vitória, a 14 de maio de 2017, deu início à transformação radical que tinha proposto.Lançou a reforma da lei do trabalho (que agradou mais a patrões do que a sindicatos), a reforma do setor ferroviário, a lei da moralização da vida pública e substituiu o imposto de solidariedade sobre a fortuna, pelo imposto sobre a fortuna imobiliária..Apesar da queda nas sondagens, com Macron a ser apontado como "arrogante" ou como o "presidente dos ricos", estava melhor do que os seus antecessores por essa altura. A nível europeu, tinha lançado o seu plano para "refundar a União Europeia", ainda no rescaldo do referendo do Brexit no Reino Unido..A primeira crise chegou com o caso Benalla, em julho de 2018, que veio desestabilizar o Eliseu e dar um novo vigor à oposição. Alexandre Benalla era um dos elementos de segurança próximos do presidente que foi preso por agredir manifestantes durante os protestos do 1.º de Maio, seguindo-se uma tentativa de cobrir o caso por parte da polícia francesa..Macron, que nestes três anos já ficou sem 17 ministros (um número histórico, segundo a AFP), perdeu também rapidamente dois dos pesos pesados do governo: o ministro do Interior, Gérard Collomb, e o da Transição Energética, Nicolas Hulot..A grande crise chegaria contudo já em novembro de 2018: o que começa como protestos contra o aumento dos impostos sobre os combustíveis, transforma-se num movimento contra a polícia social e fiscal do governo. Depois de vário sábados de violência, com Paris sitiada pelos manifestantes que usavam os coletes-amarelos, Macron acabará pode ceder e aprovar uma série de medidas sociais no valor de milhões de euros..Os protestos prolongam-se por 2019, apesar de em menor dimensão, com Macron a lançar um debate nacional e a prometer mais diálogo, acabando por lançar o "Ato II" do seu mandato, que inclui medidas como a procriação medicamente assistida para todos ou uma redução de impostos..Um dos grande desafios passava pela reforma do sistema de pensões (para unificar os diferentes sistemas que existem), que foi sendo adiado desde as eleições de 2017 mas que acabou por ver a luz do dia no outono de 2019, levando novamente os franceses para a rua, com greves a deixarem o país bloqueado..Quando a reforma já estava a ser debatida na Assembleia Nacional, Macron acabou por suspender o processo a 16 de março, por causa do coronavírus. Não é claro que planos terá para o desconfinamento..Ao seu lado, Macron teve sempre o seu primeiro-ministro, Édouard Philippe, mas isso não significa que a relação entre ambos tenha sido sempre boa ou que não haja desentendimentos. A crise do coronavírus terá acentuado alguma tensão, com algumas contradições entre um e outro. A imprensa francesa lembra que a popularidade de Philippe continua a ser mais elevada (tem sido assim desde julho de 2017), chegando aos 41%, mas o ex-membro dos Republicanos não é apresentado como uma ameaça para Macron (por enquanto)..De Júpiter a Minerva.Na edição de 30 de abril, a The Economist escreveu que a crise de coronavírus obrigou o presidente francês a mudar de deuses: primeiro Júpiter, depois Marte e agora Minerva..Quando chegou ao Eliseu, Macron apresentava-se como Júpiter, o rei dos deuses romanos, defendendo a necessidade de um estilo de presidência diferente da do seu antecessor, o socialista François Hollande, visto como demasiado "normal".."Os franceses, com os seus mitos nacionais românticos de conquistas gloriosas e civilização, procuravam não apenas um governo competente, alegava Macron antes de ser eleito, mas uma liderança que simbolizava um poder excecional, quase místico", segundo a revista. Mas os ares de superioridade do presidente não caíram bem, especialmente com o rebentar do escândalo dos coletes-amarelos, com Macron e os seus perfeitos fatos azuis a representar uma elite..Com a chegada do coronavírus, Júpiter deu lugar a Marte, o deus da Guerra, nesta alegoria da The Economist. A revista lembra que, na sua declaração de 16 de março, o presidente usou seis vezes a expressão: "Estamos em guerra". Diante do "inimigo" invisível e com um governo "em combate", Macron decretou o confinamento do país e os franceses responderam ficando ao seu lado..Em finais de março, a popularidade do presidente subia pela primeira vez desde setembro, para 40% (sondagem Orage, RTL, BVA). É preciso recuar a junho de 2018 para ver um valor mais elevado, tendo a popularidade do presidente chegado a cair até aos 26% em novembro desse mesmo ano. Em maio de 2017, quando foi eleito e tomou posse, a popularidade era de 62%..Mas, à medida que passam as semanas em confinamento, cresce o cansaço entre os franceses, que como todos os outros percebem que esta guerra não será rápida e o covid-19 não pode ser "derrotado" de um dia para o outro. Em finais de abril, a popularidade do presidente voltou a cair para os 38%..Por essa altura, segundo a The Economist, já Macron tinha deixado cair Marte e apostava agora em Minerva a deusa da sabedoria, da estratégia, da inteligência. Cujo símbolo, a coruja, o próprio presidente já referiu noutras ocasiões, citando o filósofo Hegel numa entrevista com o The Guardian em finais de 2017.."Na sua terceira declaração televisiva a partir do palácio do Eliseu, a 13 de abril, havia muito de solidariedade e fraternidade para animar o espírito. Mas Macron era também um modelo de humildade. "Devemos ser honestos", disse, falando em "erros" e "falhas" em relação à falta de máscaras, batas ou gel desinfetante. Era tempo, concluiu misteriosamente, para "reinvenção, minha antes de tudo"", escreveu a revista..Desconfinamento e futuro.Os franceses preparam-se para começar o desconfinamento a 11 de maio, com Macron a avisar que isso não significa um regresso ao normal..O presidente tem estado debaixo de críticas pela decisão de começar já a reabrir as escolas, com mais de 300 presidentes de câmara, incluindo a de Paris, a dizer que o calendário é "insustentável e irrealista". Os pais podem decidir que os filhos não regressam às aulas, mas a ideia é também as empresas começarem a reabrir e pode haver muitos que não têm possibilidade de fazer de outra forma..Nesta primeira fase de desconfinamento, cafés e restaurantes vão continuar fechados e os franceses não podem deslocar-se para mais de 100 quilómetros do seu local de residência. "O vírus ainda está aqui, não o derrotámos", afirmou Macron, que também tem ouvido queixas por causa da disponibilidade de máscaras para a população em geral..Estima-se que França precisa de 40 milhões de máscaras por semana, tendo apenas capacidade para produzir 15 milhões. Depois de inicialmente também ter considerado inútil o uso de máscara, o governo defende agora que devem ser usadas nos espaços públicos (não sendo contudo obrigatório)..Entretanto, Macron estreou-se em público com uma máscara azul reutilizável, com as cores da bandeira francesa de lado, fazendo sucesso. A máscara, segundo a BFMTV custa 4,92 euros e é made in France, da empresa Chanteclair..Marine Le Pen, a líder da Frente Nacional (renomeada Reunião Nacional), que há três anos perdeu a segunda volta para Macron, tem criticado a atuação do governo, alegando que os ministros franceses mentiram sobre "absolutamente tudo"..Mas, por enquanto, não parece estar a convencer: uma sondagem Ifop publicada no domingo, pelo Le Journal du Dimanche, indicou que só 20% dos inquiridos acham que teria feito melhor que Macron, com 41% a dizer mesmo que teria feito pior. Nenhum político surge como podendo fazer melhor, com o ex-presidente Nicolas Sarkozy a surgir com os mesmos 20% a acharem que podia fazer melhor, mas com 58% a dizer que nem faria melhor nem pior que Macron. Nesta sondagem, 39% confiam no governo para enfrentar a crise sanitária..As eleições presidenciais são só em 2022, mas Macron terá pela frente o rescaldo do coronavírus e a agenda que tinha pensado implementar antes de tudo isto acontecer - que já não era popular entre os franceses - pode ter que ficar totalmente de lado, roubando-lhe um argumento de peso para conseguir a reeleição. Até ao final do mandato, a aposta poderá ter que ser nos apoios sociais e nos serviços públicos, com dúvidas sobre a sustentabilidade do sistema numa altura de crise..O desemprego, que em maio de 2017 chegava aos 9,5%, estava a cair, chegando em fevereiro aos 8,1%. O coronavírus veio mudar isso. A previsão da União Europeia aponta que possa chegar aos 10,1%, prevendo-se ainda uma queda de 8,2% do PIB este ano (tinha subido 1,3% no ano passado), num cenário de "recessão sem precedentes desde a grande depressão" de 1929 em toda a União Europeia.