Empresas propõem às farmácias compra de caixas de máscaras por 150 euros
"Temos caixas/25 máscaras a 150 euros cada, 6 euros a unidade"; "Mínimo de encomenda 100 caixas": "Caixas/50 máscaras até 1250 caixas preço à unidade a 6 euros"; "Entre 1250 caixas a 12 500, Caixas de 50 ou de 500 a 5 euros cada unidade". "Encomendas superiores a 12 500, cada unidade a 4 euros". "A estes preços acrescenta-se o IVA".
Esta é uma das muitas propostas que chegaram a várias farmácias portuguesas por parte de uma empresa de ocasião. Mas há mais. Até ontem a Associação Nacional das Farmácias (ANF), que representa em todo o país, 2750, farmácias já tinha enviado para a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) um dossier com 100 páginas onde constam várias situações destas, com propostas e faturas debitadas a algumas farmácias.
Segundo explicaram ao DN, os fornecedores normais não têm material para vender às farmácias, que estão a ser confrontadas com propostas enviadas por empresas de ocasião e com preços muito superiores ao normal.
Antes da covid-19, uma farmácia comprava caixas de 50 unidades por cinco euros ou pouco mais, a este preço acrescentava a sua margem de lucro e o utente poderia comprá-la por volta de sete euros. Agora, tais empresas, que anunciam entregas rápidas, no espaço de dias, máximo uma semana, ou fazem ofertas de apenas 24 horas, estão a pedir 150 euros por caixas de 25 unidades (uma máscara por mais de seis euros), faltando ainda o IVA e em muitos casos o transporte.
Ou seja, uma máscara pelo preço que custava antes da epidemia uma caixa, de 50 máscaras e não de 25. "É uma vergonha. São preços exorbitantes", referiu ao DN a proprietária de uma farmácia da zona de Lisboa, que diz não aceitar qualquer proposta deste tipo, reconhecendo porém que não tem "material para vender".
No dossier enviado à ASAE, consta outra empresa que propõe caixas de 20 unidades, sem ou com válvula. Do tipo N95, 110 euros a caixa, ou do tipo FPF3, 138 euros, mas para descansar os clientes anuncia que todo o material "está certificado pelo Infarmed, que é resistente, reutilizável, máximo de 90 lavagens, e que o pagamento tem de ser antecipado", mais IVA e portes de envio.
Outra empresa, esta com sede em Faro, e que se apresenta como uma entidade que se dedica ao comércio há vários anos entre Portugal e a China, faz propostas de compra de máscaras com válvula por 5,99 à unidade, mais IVA, mas a encomenda mínima que aceita é de 5000 unidades e com pagamento à cabeça de 50%.
Uma empresa de ferragens da Grande Lisboa enviou igualmente e-mails a algumas farmácias a dizer que tinha uma promoção válida para 24 horas: máscaras cirúrgicas pelo preço de 6,90 euros para encomendas até 100 unidades, até 500 unidades o preço é de 5,90 cada, para mais de 500 unidades já é de 4,99 euros cada.
Uma das propostas que mais tem chegado às farmácias é a seguinte: "Neste momento temos disponíveis máscaras cirúrgicas individuais, a caixa com 25 unidades fica a 132.17€ já com IVA e transporte incluído. A caixa com 50 unidades fica a 244.67€ já com IVA e transporte incluído. Se tiver interesse não hesite em contactar-nos".
As ofertas mais baratas que chegaram são da ordem dos 3,75 euros cada máscara, preço já com IVA, para uma quantidade mínima de 100. Ou ainda mais barata uma oferta de máscaras cirúrgicas a 1,5 euros, mas também sem IVA.
Tendo em conta que estes preços são de venda às farmácias, quem as comprar teria de acrescentar a margem de lucro para a venda ao público. O DN sabe que algumas farmácias compraram material a quem faz as ofertas mais baratas, e que depois estão a vendê-las "sem quase margem de lucro".
O DN tentou contactar oito empresas das referenciadas nas denúncias da ANF, através dos contactos telefónicos referenciados nos emails a que tivemos acesso, mas a maioria não atendeu e os restantes outros pediram para ligar mais tarde. Mas depois desta démarche deixaram de atender.
A meio de março, e quando o país entrou no estado de emergência, a ANF escreveu também uma carta ao primeiro-ministro, com conhecimento para várias entidades, nomeadamente para o Presidente da República, apelando para que alguma coisa fosse feita no sentido de se colocar um fim à especulação. Fonte da ANF referiu ao DN que daqui também não houve respostas até agora.
Na informação dada à ASAE como às outras entidades, referia tratarem-se de "propostas comerciais apresentadas às farmácias por dezenas de empresas nacionais e importadoras, na sua maioria estranhas ao mercado de produtos farmacêuticos, não só para a compra de máscaras, mas também de outro tipo de material de proteção, como frascos de 30 ml de álcool em gel a 5€, máscaras entre 7€ e 38€, garrafões de cinco litros de desinfetante a 79€ e termómetros a 97€".
Argumentando que "na atual situação, as farmácias não têm produto nem margem", a ANF considera que "está em risco a salvação de vidas humanas, que se veem privadas do acesso a produtos vitais para a sua sobrevivência. Estão em risco também as equipas das farmácias que trabalham sem condições de segurança, expostas permanentemente ao risco de infeção. Temos recolhido diariamente informação importante que ajuda a compreender a rutura do mercado e os preços praticados. É premente devolver aos portugueses e às equipas das farmácias o acesso aos produtos e equipamentos em causa."
O DN contactou também algumas farmácias na região de Lisboa que confirmaram continuar a receber inúmeras propostas de empresas que nem conhecem, mas que até agora a maioria tem rejeitado todas. A diretora de um dos estabelecimentos referia que nesta segunda-feira tinha recebido uma proposta para compra de caixas de 50 máscaras a 40 euros, mais barato do que as outras que foram já denunciadas, mas mais caro do que o preço normal, garantindo que recusa todas as situações.
Da parte da ASAE foi explicado ao DN que têm estado a ser desenvolvidas várias ações no terreno, tendo sido já identificados vários operadores no mercado, onde foram detetadas situações de "lucro ilegitimo" relativamente à venda de produtos muito solicitados devido à covid-19, como máscaras, álcool, gel desinfetante, etc. Deste grupo, segundo a ASAE fazem parte armazenistas, distribuidores, mas também farmácias, mercearias, supermercados.
Numa altura em que muitos países adotam o uso generalizado de máscaras, em que Portugal há várias entidades, como a Ordem dos Médicos e o Conselho de Escolas Médicas, que defendem máscaras para toda a população e não só para alguns grupos, como forma de controlar ainda mais a propagação da covid-19, o cenário é este: não há máscaras para abastecer o mercado e as que há são a preços especulativos. De onde vêm este material é outra incógnita, se é fabricado a nível nacional se vem de fora, ninguém sabe..
Por agora, e como referiu na conferência de imprensa desta segunda-feira a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, como esclarecimento às declarações da ministra Marta Temido durante uma entrevista à RTP1, no domingo à noite, Portugal continua a seguir as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) de o uso de máscara não ser generalizado. Mas se houver alguma alteração neste sentido, como vai ser abastecido o mercado para os portugueses terem máscaras suficientes?