Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Função Pública e Sociais (FNSTFPS) - é este o nome da megaestrutura, filiada na CGTP, que assumindo a representação de cerca de três dezenas de inspetores na Polícia Judiciária (PJ), se sentou à mesa de negociações com o governo, para discutir o novo estatuto destes profissionais - um situação inédita no histórico deste corpo superior de investigação criminal..A reunião, que decorreu na passada sexta-feira, no Ministério da Justiça, teve um inspetor do Porto a representar a federação, cujo presidente, Artur Sequeira, é um dirigente do "setor sindical" do PCP.."Estamos perplexos e revoltados. Nunca a PJ tinha sido infiltrada por forças partidárias desta maneira, com uma clara agenda política", reconhece Ricardo Valadas, presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal, uma organização "independente" que há 36 anos representa todos os inspetores (cerca de 1100) da Judiciária. Até agora..Ainda a recuperar do "choque", Ricardo Valadas revela que foram surpreendidos com a presença deste novo "ator", numa altura "altamente crítica" para a aprovação do novo estatuto da PJ, há 20 anos sem qualquer alteração..Valadas explica que este inspetor do Porto já tinha liderado uma lista rival à sua, no último congresso da ASFIC, em abril passado, mas não foi aceite, por falhas processuais. Valadas acabou por vencer com um esmagador 95% dos votos. Foi depois disso que terá reunido pouco mais de 30 inspetores dissidentes da ASFIC e filiaram-se na FNSTFPS.."O documento que está agora a ser discutido é fruto de quatro anos de negociações intensas. Apesar de reconhecermos algumas melhorias, ainda está longe do que queremos, mas é a primeira vez que temos um ponto de partida como este. Estranhamos muito que essa federação caia agora na mesa de negociações nesta fase derradeira e sensível, desconhecendo tudo o que se está a passar", assinala Ricardo Valadas..O risco que se corre é que, tendo agora a federação o mesmo poder negocial do que a ASFIC, apesar de representar um número reduzido de inspetores, não se consiga chegar a bom porto com o estatuto e, ou fique de novo na gaveta ou o governo avance como está, contra os inspetores.."Com a derrota eleitoral que teve, o PCP vai querer usar todas as armas para atacar o PS e deixando cair este estatuto é uma forma de dizer que o governo falhou a promessa de combate à corrupção, recentemente apresentado como prioridade pelo primeiro-ministro, porque não reforçou a PJ", sustenta um inspetor que pediu anonimato..O presidente da FNSTFPS, Artur Sequeira, refuta interpretações políticas acerca da intervenção da sua estrutura na PJ. "Não pretendemos criar cisões nos inspetores, muito menos fragilizar a sua luta. Queremos apenas reforçar a capacidade de negociação e ajudar os inspetores a conseguirem que as suas reivindicações sejam concedidas", afiança ao DN..Confrontado com as preocupações sobre a ligação da Federação à CGTP/PCP, Artur Sequeira afasta-as com veemência: "isso é que é criar uma fratura. É verdade que a nossa federação está com a CGTP, mas não deixa de querer fazer pontes e encontrar pontos comuns de luta. Não há nenhuma fissura. Estamos de boa-fé, só queremos encontrar a melhor solução para a PJ", garante o dirigente sindical, revelando que enviou uma carta a Ricardo Valadas a pedir uma reunião..Não convence, porém, o presidente da ASFIC, que afiança ter já pedido uma "reunião urgente" ao PCP, através de António Filipe, coordenador da bancada parlamentar para a área da Justiça e membro do Comité Central do partido. "Queremos perceber se se trata de uma ação planeada e aprovada pelo PCP e qual o objetivo. Vamos dizer que isto só vai prejudicar o processo", indica Valadas..O DN contactou o deputado comunista para obter também esses esclarecimentos, mas não obteve resposta até agora..Ao contrário do que alega Artur Sequeira, o dirigente máximo da ASFIC não tem dúvidas da intervenção "nefasta" desta federação da CGTP. "Já está a fragmentar a PJ", sublinha, "a PJ não pode ter representatividade política nas suas instalações. Já houve antes tentativas, sem sucesso, de infiltrações partidárias na ASFIC. Somos e temos sempre de ser independentes. Falamos com todos os partidos, mas uma polícia de investigação criminal de topo, como é a PJ, não pode estar infiltrada por forças políticas, ou fica em causa a sua independência"..O PCP tem sido das forças com representação parlamentar que mais tem a ideia de que o combate à corrupção passa principalmente por um reforço de meios da PJ, mas sempre se manteve ao largo de uma ação mais direta.."Consideramos que a PJ não tem sido bem tratada. Se hoje têm havido êxitos nas investigações, isso deve-se à capacidade dos profissionais, ao seu esforço e sacrifício", dizia, em outubro do ano passado, o secretário-geral Jerónimo de Sousa, depois de um encontro com a ASFIC..Jerónimo frisava que se tratava de "um setor que há mais de 20 anos não vê alteração do seu estatuto, nem na sua lei orgânica, tem carência de meios, principalmente num quadro em que a criminalidade está cada vez mais sofisticada".