Águas frias limitam intensidade do Lorenzo, mas a tempestade já bateu recordes

Furacão <em>Lorenzo </em>levou rajadas de vento de perto de 200 quilómetros por hora aos Açores, mas podia ter sido pior. Foi perdendo intensidade à medida que se dirigiu para norte do Atlântico, onde as águas são mais frias.
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O furacão Lorenzo, que atingiu os Açores nesta madrugada de quarta-feira, já fez história. De sábado para domingo passados, atingiu a categoria 5, a mais elevada na escala de Saffir-Simpson. Nunca tinha sido registado um furacão na categoria mais elevada no extremo norte e leste do Atlântico. Foi perdendo intensidade a caminho do arquipélago, onde chegou com a categoria 2, de acordo com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

Para um furacão ganhar intensidade tem de se verificar um conjunto de fatores. "Precisa de estar em águas quentes, acima dos 26 graus, as condições de vento têm de ser favoráveis para o seu crescimento e a humidade tem de estar nos níveis médios da atmosfera. Se esses ingredientes coexistirem, os furacões vão ganhando força e não têm nada que os pare", esclarece ao DN o meteorologista Nuno Moreira, do IPMA.

Mas, afinal, o que acontece para que os furacões percam intensidade à medida que se aproximam da região dos Açores? "Quando eles começam a ir mais para norte do Atlântico, vão caminhando para águas mais frias e ganham menos energia do oceano e, portanto, não têm condições para se intensificarem", explica o especialista. Além da temperatura da água, se a questão do vento ou o padrão da humidade não forem favoráveis, o furacão não vai intensificar-se.

Antes de perder força, o furacão Lorenzo fez história. "Na madrugada de sábado para domingo, de 28 para 29 de setembro, atingiu cerca de 260 quilómetros por hora de vento médio, portanto, já acima do limiar da categoria 5. A localização em que isto se verificou foi a 24 graus norte, 45 graus oeste. Nestas latitudes e longitudes, ou seja, tão a norte e tão a leste, não havia registo de um ciclone tropical tão intenso."

Aquecimento global contribui para furacões mais intensos

Quer isto dizer que o furacão encontrou condições que lhe permitiram chegar a latitudes tão elevadas. "O que há de extraordinário neste furacão é exatamente o facto de essas condições se terem combinado de modo a ser um de categoria 5 tão a norte e tão a leste no Atlântico. Isto obviamente que se enquadra na questão do aquecimento global", considera Nuno Moreira

Faz questão de esclarecer que "nunca se pode atribuir uma única ocorrência às alterações climáticas", mas tendo em conta o cenário atual, com o aumento global da temperatura, "temos atmosferas e oceanos mais quentes, o que de facto são alguns dos ingredientes que contribuem para que os furacões possam ser mais intensos", explica o meteorologista.

"No cenário de alterações climáticas é expectável um aumento da intensidade dos furacões, mas não da sua frequência", acrescenta o especialista.

Quer isto dizer que o oceano é mais quente em zonas onde não o era tanto e, portanto, há condições para os furacões surgirem noutras zonas e poderem "atingir categorias mais elevadas mais a norte e a leste do Atlântico, porque há mais condições para que se possam formar e continuar a desenvolver-se".

Mas desde o início da semana, o furacão Lorenzo foi perdendo intensidade, "gradualmente" e não "de uma forma brusca", esclarece Nuno Moreira. "Prevê-se que perca intensidade de forma mais significativa quando já tiver passado o norte dos Açores."

Por que razão se desloca para os Açores?

O furacão Lorenzo formou-se a sul de Cabo Verde, "uma das zonas conhecidas como uma espécie de berço de ciclones tropicais". Mas estes fenómenos meteorológicos não "nascem" todos nesta região, há, por exemplo, furacões que se formam no golfo do México", esclarece o meteorologista.

Nestas latitudes, entre 10 e 20 ou 30 graus norte, "os ventos predominantes são de leste para oeste, ou seja, de África para o continente americano", e tendem a deslocar-se nesse sentido. Mas nas latitudes mais elevadas, cerca de 40 a 45 graus norte - onde Portugal continental e os Açores se encontram -, o "vento predominante já é ao contrário, de oeste para leste, do continente americano para a Europa", conforme explica Nuno Moreira. Uma situação semelhante com a que está a acontecer com o furacão Lorenzo.

Começou como tempestade tropical e foi ganhando força até passar a furacão e atingir a categoria 5, tendo começado a perder a intensidade a caminho de águas mais frias na região dos Açores, que estão a cerca de 23 graus.

Nada a que os açorianos não estejam habituados. "Em todas as décadas, os Açores são afetados por alguns furacões, não é todos os anos. Passam mais perto ou mais longe", diz o meteorologista. E dá alguns exemplos, como o furacão Charlie, em 1992, e o Tanya, em 1995. "Foram furacões que chegaram em categoria 1 próximo de 2, muito parecidos com este."

Muitas vezes, o que acontece é que os furacões "passam entre as ilhas e podem ter uma dimensão menor", mas o Lorenzo apresenta "uma dimensão relativamente grande".

Mais recentemente, o furacão Gordon, em 2006 e depois em 2012, passou no arquipélago dos Açores, mas entre ilhas, eram ciclones tropicais mais pequenos. Em 2017 foi a vez do furacão Ofélia, categoria 3, que passou ao largo da ilha de Santa Maria.

Portugal continental e os Açores encontram-se nas latitudes médias, com superfícies frontais e depressões, sendo uma zona de transição. "Não há uma barreira [no meio do oceano], os furacões vêm dos trópicos e vão perdendo as características tropicais nas latitudes médias e com isso também há tendência para perder a força", explica o meteorologista do IPMA.

Atualizado às 14:34.

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