Marcelo vai renovar estado de emergência. Governo mantém medidas
Marcelo Rebelo de Sousa guardou a decisão formal para esta quarta-feira sobre a renovação do estado de emergência por mais 15 dias. Mas na terça-feira já comunicou a sua decisão ao país de maneira indireta. "Impõe-se manter as medidas de contenção." Estas palavras do Presidente da República foram ditas após a reunião das mais altas figuras do Estado, líderes políticos, conselheiros de Estado e especialistas de saúde pública, no Infarmed, para avaliar a evolução da pandemia de covid-19. Uma reunião que durou largas horas e que o levou a concluir que se "impõe manter a pressão na mola para que ela não suba".
Os líderes e dirigentes partidários secundaram-no. O deputado social-democrata Ricardo Batista Leite falou da "necessidade absoluta do confinamento para inverter o número de casos". O presidente do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, frisou que "não podemos afrouxar as medidas". O líder do PAN e deputado André Silva lembrou que têm sido "importantes as restrições nas deslocações e isolamento social na contenção da epidemia". Catarina Martins, a líder do BE, considerou o confinamento social "importante". E António Costa tinha aberto logo na segunda-feira a porta a mais um período de restrições por causa da pandemia.
Com todos de acordo, Marcelo deverá apenas renovar o decreto em que determinou o estado de emergência, já que este dá plenos poderes ao governo para escolher e combinar as medidas que entender necessárias e que, nos primeiros 15 dias, não foram no sentido de determinar a quarentena obrigatória, como vigora noutros países. António Costa e os seus ministros deverão manter as medidas que já vigoram, mas poderão apertar mais a malha, nomeadamente no que diz respeito às deslocações, para evitar um pico na semana da Páscoa. A atentar nas declarações que têm sido feitas quer pelo primeiro-ministro quer pelo ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, o esforço vai ser todo posto nos apelos à manutenção do cumprimento das restrições. E as forças de segurança deverão reforçar as operações de fiscalização e sensibilização.
Assim que o Presidente renovar o decreto do estado de emergência e o governo lhe der luz verde, o Parlamento estará em condições de o aprovar, já que tem uma sessão plenária agendada para esta quinta-feira para o fazer, precisamente um dia antes de terminar o prazo do primeiro período determinado por Marcelo Rebelo de Sousa.
Na reunião que o Presidente, os dirigentes partidários e os conselheiros de Estado (estes por videoconferência) tiveram no Infarmed, o DN apurou que os especialistas em saúde pública deram nota de a evolução da pandemia estar a correr bem, embora tenham dúvidas se se manterá a trajetória de um pico que não é muito acentuado como em Espanha, Itália e Estados Unidos. A palavra mais usada foi "disciplina", ou seja, defenderam a manutenção das medidas de contenção. Mas também não defenderam que fossem mais apertadas.
Na sequência desse encontro, Marcelo deu nota aos jornalistas, apesar da necessidade da manutenção do estado de emergência, dos dados positivos. Segundo o Presidente, olhando para a curva dos casos positivos de infeção pelo coronavírus, há uma "diferença apreciável" entre a primeira fase da pandemia e a fase recente. "A continuar o que parece ser uma tendência temos uma fixação em valores que podem vir a ser menos de metade, em média, dos que se verificaram na primeira fase." Marcelo estimou o crescimento atual das infeções por covid-19 entre os 15% e os 20%.
É a partir desta evolução que poderá ser determinada a altura em que se dará o chamado pico da pandemia, que poderá ou não ser "antecipado" em relação à data prevista para final de maio pela Direção-Geral da Saúde. No momento o que pode dizer é que "valeu a pena o esforço dos portugueses" que devem continuar a "fazer o que têm feito".
Dados que ligou às medidas adotadas de encerramento das escolas e de contenção. "E se for assim, é uma boa notícia a premiar o esforço dos portugueses que assumiram como tarefa coletiva as práticas de contenção." Sobre uma eventual escalada de medidas para travar os que ainda tenham a tentação de se deslocar na semana da Páscoa, Marcelo não se quis pronunciar. Remeteu qualquer decisão para a reunião do Conselho de Ministros de dia 7, altura em que o governo decidirá se mantém as escolas encerradas, já que estava prevista essa situação apenas até dia 9 de abril, e que medidas ao abrigo do estado de emergência renovará. Mas tudo aponta para que os alunos já não regressem aos estabelecimentos para o terceiro período.
Marcelo relembrou que a posição sobre a renovação do estado de emergência será concertada com o governo e depois autorizada pela Assembleia da República, deixando ao executivo "os mais amplos poderes" num "quadro preventivo".
Sobre a necessidade de mais testes à população, Marcelo reiterou que os especialistas garantiram estar a seguir "os critérios internacionais" quanto às prioridades dos mesmos. E, no caso, a prioridade é precisamente a sua extensão aos lares, começando pelos cuidadores e os utentes.
Após a visita a dois hospitais de campanha de retaguarda, na segunda-feira, o antigo hospital militar de Belém e o que foi instalado no Estádio Universitário, António Costa fez votos para que não venham a ser utilizados. E para que seja possível não os utilizar durante a pandemia de covid-19, fez um apelo aos portugueses, lembrando que o país está a entrar no "mês mais crítico". "O combate a esta pandemia depende deste enorme esforço, mas depende sobretudo da capacidade que cada um tiver de agir com toda a disciplina, para que não se infete nem infete os outros."
O primeiro-ministro voltou a admitir como muito provável que o estado de emergência se prolongue. "Neste momento nada justifica a alteração das coisas, que têm estado a correr muitíssimo bem", disse, apesar de deixar a decisão nas mãos do Presidente da República, que tomará uma decisão nesta semana. "Creio, sem fazer futurologia, que o que é expectável é que, sabendo nós que temos tido sucesso, felizmente, em baixar o pico desta pandemia e sabendo da sua duração prolongada, vamos ter de prolongar também as medidas que têm vindo a ser adotadas, com estado de emergência ou sem estado de emergência."
Os portugueses continuarão sujeitos a um "dever geral de recolhimento", mas as limitações à liberdade de circulação distinguem três tipos de pessoas: aos que estão obrigadas a estar isoladas; as pessoas com 70 anos ou mais; e "os outros", "as pessoas como nós".
Para os primeiros há ação repressiva, mas para os restantes não - apenas um "dever geral de recolhimento" e "ação pedagógica" por parte das autoridades a explicar as vantagens desse recolhimento, "sem quadro sancionatório".
Quanto às pessoas com 70 anos ou mais, estão sujeitas a um "dever especial de proteção" e só devem sair das suas residências em "circunstâncias muito excecionais". Costa exemplificou: irem ao banco, ao centro de saúde ou aos CTT tratar das suas pensões. "É pedido às pessoas que têm mais de 70 anos que limitem ao máximo as saídas. Têm riscos mais elevados e é essencial uma especial proteção. Famílias, vizinhos e autarquias devem assegurar o maior apoio possível a esta população."
No tal "dever geral de recolhimento" do resto da população a circulação de cada um deverá ser limitada às circunstâncias mínimas indispensáveis: deslocações de/para o trabalho; deslocações a unidades de saúde; "passeios higiénicos" (designadamente) com os filhos; levar os animais domésticos à rua; prestar assistência a familiares. Mas, seja como for, trata-se de um "dever", não de uma obrigação.
No trabalho, a regra geral é o teletrabalho, exceto para aquelas tarefas que não podem deixar de ser desempenhadas presencialmente. A regra aplica-se a funcionários públicos e privados - e nos serviços públicos os utentes são fortemente incentivados a tentar resolver os seus problemas telefonicamente ou online. As lojas do cidadão foram encerradas.
O governo decretou também o encerramento compulsório do comércio, apenas com cinco exceções: estabelecimentos de distribuição alimentar (de todo o tipo, do hipermercado à mercearia de bairro), postos de combustíveis, farmácias, bancos e quiosques de jornais (a bem da circulação dos jornais, segundo explicou o PM). Tudo o resto deverá fechar - inclusivamente, como perguntou uma jornalista, os cabeleireiros (e os barbeiros, por maioria de razão).
A restauração também terá de se manter fechada - mas não se tiver serviços de takeaway ou distribuição ao domicílio. António Costa, aliás, incentivou o setor a uma "restauração de proximidade" que ajude as famílias e as instituições mais atingidas pela crise. Os bancos mantêm-se abertos, tal como os postos de correios.