Não é habitual, mas os inquilinos e proprietários falam a uma só voz contra as propostas do governo para o mercado de arrendamento. Para Pedro Ventura, presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, as medidas anunciadas "são um verdadeiro escândalo e refletem um desconhecimento em relação à situação das famílias". António Frias Marques, presidente da Associação Nacional de Proprietários, considera "um atrevimento chamar de moderada a uma renda de 2300 euros".O executivo de Luís Montenegro aprovou quinta-feira, em Conselho de Ministros, um conjunto de propostas com o objetivo de "dinamizar e reforçar a oferta de habitação, em especial no mercado privado", disse em comunicado. Um dos anúncios que mais polémica está a suscitar é o conceito de habitação a preços moderados que, no caso do arrendamento, se estende até aos 2300 euros mensais sem qualquer restrição de tipologia ou territorial. Ou seja, em absoluto, um T1 em Almada pode ser arrendado por este valor e entrar no conceito de renda a preços moderados..Lei da Habitação: Conheça todas as mexidas anunciadas pelo Governo.Este novo enquadramento do mercado de arrendamento vem acompanhado de incentivos fiscais. Os senhorios que arrendam casas até ao valor limite de 2300 euros vão pagar uma taxa de 10% de IRS se celebrarem um contrato com um prazo de três anos, uma redução significativa face aos 25% atuais. Por sua vez, os inquilinos terão um aumento da dedução à coleta de IRS para gastos com habitação arrendada. O governo propõe um aumento para os 900 euros em 2026 (atualmente é de 700 euros) e de 1000 euros em 2027.Para António Frias Marques, esta resposta do governo não resolve o problema da falta de casas no mercado de arrendamento. Na sua opinião, "não há uma crise de habitação, há é uma crise de acesso à habitação de uma camada da população mais desfavorecida". E para esta população o mercado privado não é solução. "O Estado central e as autarquias é que têm de providenciar casas", defende. Estas medidas "são um falhanço rotundo, não servem para nada", diz. Frias Marques defende inclusive que "foram feitas para as classes mais elevadas, não para o comum cidadão". E vai ainda mais longe: "não convencem os senhorios a arrendar e não disponibilizam casas". O que os senhorios "precisam é de garantias, de recibos de vencimento e fiadores", diz.Por sua vez, Pedro Ventura considera que "há uma intenção clara de beneficiar grupos ou pessoas que estão claramente a beneficiar com a crise na habitação". E questiona como é que o governo estabelece como renda moderada um valor até 2300 euros, quando o salário mínimo nacional é de 870 euros brutos e o salário médio bruto é de 1741 euros. Na sua opinião, "o efeito imediato é o disparar do preço das rendas". O governo "está a falar para quem, quando temos um país com dois milhões de pobres, jovens a sair para o estrangeiro e com salários de 1000 euros em Portugal", questiona.Nem o aumento da dedução em sede de IRS dos gastos com as rendas convence estes dois responsáveis. Para Pedro Ventura, "é uma armadilha, quando 40% dos inquilinos não pagam impostos". Frias Marques também não vê grande impacto. O fiscalista Luís Leon diz mesmo que "este aumento é uma daquelas medidas de que os governos se servem para clickbait, porque não tem expressão real. Dá votos e provavelmente ninguém dá conta que não teve expressão no IRS". Pedro Ventura é também crítico da descida do IVA da construção para os 6% aprovada no Conselho de Ministros de quinta-feira que, na sua opinião, irá "estimular o mercado de venda". O governo avançou que irá reduzir a taxa de IVA para 6% em construções novas e reabilitação de edifícios para habitação, estabelecendo um valor de venda limite de 648 mil euros, considerado também pelo executivo como moderado. Para arrendar, o teto são os já referidos 2300 euros. Para o presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, "o Estado vai abdicar de receita por via dos impostos e estimular a venda". E pergunta: "Para quem são as casas de 648 mil euros?"Estas medidas fiscais têm de ser votadas na Assembleia da República, não sendo certo que sejam aprovadas, já que o Governo não tem maioria parlamentar. .Habitação. Oposição diz que medidas do Governo agravam "injustiças" e mostram "falta de visão abrangente".Construção própria vai ter IVA a 6% mas com 'travão' das Finanças