O panorama (outlook) político e orçamental de França, a segunda maior economia da Zona Euro, está novamente sob ameaça e vários fatores negativos, como incerteza e instabilidade nas contas, que ajudam a justificar um novo corte no rating soberano – isto é, na nota do crédito público e assim pressionando ainda mais em alta as taxas de juro do país –, voltaram a reaparecer de forma evidente na sequência da queda do governo do primeiro-ministro Sébastien Lecornu, que sobreviveu no cargo apenas 27 dias.De acordo com a agência de ratings Morningstar DBRS, "o colapso do governo [nesta segunda-feira de manhã] acentua a incerteza quanto às perspetivas políticas e orçamentais de França" e "a crescente fragmentação política interna e a redução do consenso político limitam a margem de manobra de sucessivos governos". Que o diga este último, escolhido e apadrinhado pelo Presidente da República Emmanuel Macron, que durou menos de um mês..Menos de um mês no cargo. Sébastien Lecornu apresentou a demissão a Emmanuel Macron. Para a agência, o peso da dívida pode agravar-se se a despesa com juros subir pois, neste quadro de alta incerteza política e financeira, "pode ser impactada pelo custo de financiamento relativamente elevado de França quando comparado com os seus pares da Zona Euro, que se tem vindo a deteriorar desde junho de 2024".A DBRS é uma das cinco empresas reconhecidas e homologadas pelo Banco Central Europeu (BCE) que elaboram notações da dívida, que fazem avaliações regulares à qualidade da dívida e à capacidade de os governos pagarem aos credores.No caso francês, somam-se os sinais de alerta que podem muito bem conduzir a um corte no rating, como já acontece em meados de setembro.Num comentário divulgado esta segunda-feira, Mehdi Fadli e Thomas Torgerson, os dois analistas da DBRS que seguem a República Francesa, avisam que "a instabilidade governativa em França reemergiu uma vez mais" e desta feita com algum estrondo por Lecornu "demitiu-se poucas horas após a nomeação dos membros do seu governo, e menos de um mês após a tomada de posse, na aquele que é o mandato mais curto de um primeiro-ministro na Quinta República Francesa", isto é, desde 1958. Foi o mais curto dos últimos 67 anos, por assim dizer.Mais de um ano de "instabilidade" e continua"Este último colapso governamental, o terceiro desde as eleições legislativas antecipadas de Julho de 2024, demonstra a instabilidade governativa que França está a viver desde o ano passado", "com a Assembleia Nacional fragmentada em três blocos políticos".Para os mesmos economistas, neste cenário, a margem de manobra dos governos foi e tenderá a ser curta, fazendo adensar o fantasma da instabilidade financeira e económica do país, designadamente do governo."A nossa descida da notação de crédito da França de AA (elevado)/Negativo para AA/Estável em 19 de setembro de 2025 refletiu a avaliação de que a trajetória de consolidação orçamental da França será mais gradual do que o previsto no seu Plano Orçamental Estrutural de Médio Prazo", o documento que todos os países enviam desde o ano passado à Comissão Europeia no âmbito da avaliação do Semestre Europeu."Devido aos desafios impostos pela situação política interna", a DBRS espera uma maior lentidão na compressão das contas públicas [acabar com défice e passar a entregar excedentes público] algo que, dizem Bruxelas, FMI e todas as agências de rating, prejudica diretamente a "necessária" redução do peso da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB).França está hoje num lugar que já foi de PortugalSó para se ter um termo de referência, França têm hoje o terceiro maior fardo de dívida da Europa, com quase 116% do PIB, atrás de Grécia e Itália, segundo dados do Eurostat.Recorde-se que o terceiro lugar neste pódio foi, até há poucos anos, ocupado por Portugal. Hoje, o país tem um rácio de dívida próximo de 90%. É elevada, mas está a descer.A DBRS recorda ainda que "em 2024, França registou o maior défice orçamental da Zona Euro e prevê-se que tal volte a acontecer em 2025".Assim, "continuaremos a monitorizar a capacidade de França para lidar com os desequilíbrios orçamentais a médio prazo e para conter o aumento do seu rácio dívida/PIB e da carga da dívida com juros".