Mourinho recebe o Chelsea. Como anfitrião pouco perdoa aos clubes que representou
A 28 de maio de 2004, "na sexta-feira pós-Gelsenkirchen", José Mourinho dava o primeiro passo concreto para lançar a carreira fora do futebol nacional em nome próprio, onde já conquistara como técnico principal tudo (ou quase, falhou apenas a vitória na Supertaça Europeia) o que era possível conquistar. Ao serviço do FC Porto ganhou Ligas, a Taça de Portugal, a Supertaça Cândido de Oliveira, uma Taça UEFA e o prémio mais ambicionado de todos, a Liga dos Campeões. Nesse dia, viajou para Nice e daí para o Mónaco, onde uma lancha rápida o transportou para o "monumental Pelorus", o iate privado do multimilionário russo Roman Abramovich, para negociar ("com o total conhecimento do FC Porto e do seu presidente") a sua mudança para Londres e para o Chelsea. "Falámos muito, muito, debatemos ideias incessantemente, chegámos a conclusões, assinámos contrato por quatro anos", descreve o próprio Mourinho no livro "Um ciclo de Vitórias".
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Hoje, mais de 16 anos depois, quase tudo mudou - as únicas exceções talvez sejam mesmo Roman Abramovich e Pinto da Costa como líderes dos dois clubes envolvidos nesse processo. O mundo está em suspenso por causa de uma pandemia e o futebol joga-se em estádios vazios. White Hart Lane já não existe e no seu lugar ergueu-se um recinto moderno e funcional ainda à espera de arranjar nome e provisoriamente batizado com o nome do clube que faz dele sua casa, enquanto um sponsor não avança com os milhões que garantam o naming do mesmo. E é como técnico do Tottenham Hotspur que José Mourinho vai reencontrar hoje, em partida a contar para a 22ª jornada da Premier League, o tal Chelsea que lhe abriu as portas de Inglaterra em 2004 - e que, até agora, foi o único ex-clube a ganhar-lhe um jogo na sua própria casa. Sucedeu na temporada passada, quando Frank Lampard, o ex-médio, pedra basilar no sucesso de Mou ao serviço dos blues londrinos, saiu do norte da capital inglesa com os três pontos no bolso, graças a um bis do brasileiro Willian.
Na partida desta noite, porém, já não será o seu ex-pupilo quem estará no banco dos visitantes. Uma série de maus resultados atiraram a equipa para um lugar pouco consentâneo para as ambições de Abramovich - que ainda fechou os olhos ao quarto lugar da época passada, não só pela qualificação para a Liga dos Campeões como pelo facto de Lampard não ter podido reforçar a equipa com contratações devido a um castigo da FIFA - e o russo não perdoou, trocando a antiga estrela pelo alemão Thomas Tuchel, recém-dispensado do Paris SG. Mas, do lado dos spurs, a situação não está melhor: depois de liderar à 11ª jornada, o Tottenham, demasiado dependente do rendimento de Harry Kane e do sul-coreano Son, foi somando resultados negativos e entrará no relvado, após duas derrotas seguidas, exatamente com os mesmos pontos do seu adversário (33), embora com um jogo a menos. Em perspetiva, pois, um "dérbi da crise".
Sendo figura proeminente na história do Chelsea, onde esteve cinco épocas completas e duas incompletas (o suficiente para vencer metade das ligas, três, que o clube conquistou ao longo dos seus quase 116 anos de história, isto além de mais cinco troféus), não deixa de ser significativo que nenhum outro clube que tenha treinado lhe dê tanto trabalho como adversário - a exceção é o Real Madrid, mas como se pode ver pelo quadro ao lado, os merengues só foram rivais num jogo oficial depois da sua passagem pelo Bernabéu.
Até hoje, aquele que na primeira conferência de imprensa em Stamford Bridge considerou ser um Special One e no regresso passou a Happy One, já defrontou o ex-clube em 13 ocasiões e tem mais derrotas que vitórias: seis contra quatro. E a história até começou bem, na altura em que representava o Inter de Milão, em partidas da Liga dos Campeões. Não só teve direito a receção calorosa por parte dos adeptos, como ganhou os dois encontros, qualificando-se para os quartos-de-final da competição de 2010 que viria a conquistar pelos nerazzurri no Santiago Bernabéu, que seria a sua futura casa. Depois da segunda passagem pelos "blues", tudo mudou. Não só os resultados não voltaram a ser os mesmos - desde então nunca mais ganhou em Stamford Bridge, nem pelo Man. United, nem pelo Tottenham -, como boa parte dos próprios adeptos não viu com bons olhos a sua opção pelos red devils. E quando a 23 de outubro de 2016 voltou a entrar no relvado que transformara em fortaleza, o acolhimento já foi bastante mais frio. E não só no resultado (um desaire por 4-0 perante os comandados de Antonio Conte).
"Até agora, foi sem dúvida um dos melhores treinadores da história do Chelsea. Mas estragou a sua reputação. Não devia ter sido despedido da primeira vez mas uma das imagens de marca dele é a de nunca durar mais de duas épocas e meia num clube. As pessoas fartam-se dele. É tudo sobre o José Mourinho, tem um ego gigantesco. Penso que [agora] ele conseguiu o emprego que sempre quis. Se Alex Ferguson se tivesse reformado antes de ele vir para o Chelsea, teria ido para o Man. United", dizia então Dave Johnstone, adepto blue, ao DN.
Em resumo, o Chelsea transformou-se numa espécie de "besta azul" para Mou. Nos 11 jogos posteriores ao confronto pelo Inter apenas ganhou duas vezes, ambas em Old Trafford - isto embora em setembro tenha afastado a sua antiga equipa da Taça da Liga no desempate por pontapés de penálti.
De qualquer forma, o saldo de José Mourinho frente aos clubes que representou (e depois de os ter deixado), ainda é bastante positivo. Hoje será o 40º confronto oficial frente a ex-equipas e nos 39 anteriores, o técnico português tem praticamente 50%de vitórias. São 19 no total, mais nove empates e apenas 11 derrotas.
Frente a Benfica, primeiro clube que orientou como treinador principal, ainda que só por poucos meses, apenas perdeu uma vez em nove confrontos (na final da Taça de Portugal poucos dias antes da decisão de Gelsenkirchen). Perante a União de Leiria, que treinou cerca de meia época antes de regressar às Antas (o Dragão seria inaugurado depois), nunca perdeu e ganhou cinco dos sete jogos. Já com o FC Porto sentiu mais dificuldades, nas três situações em que os azuis de brancos lhe saíram ao caminho na Champions - ainda assim, seguiu sempre em frente, mesmo sem nunca sair do Dragão vitorioso.
Perante o Inter, onde ainda hoje é idolatrado, Mourinho nunca teve um confronto oficial. Ainda assim, defrontou os italianos na International Champions Cup (um torneio de pré-época) de 2013 pelo Chelsea, vencendo por dois golos sem resposta. Nessa mesma prova, também reencontrou o Real Madrid, em duas ocasiões: na primeira, também em 2013 e poucas semanas depois de deixar os espanhóis, apanhou 3-1 na final (com CR7 a bisar, "respondendo" à provocação do seu antigo treinador que falara no "verdadeiro Ronaldo" antes do jogo); na segunda, pelo Man. United, bateu os merengues num desempate por penáltis que acabou 2-1. Como já foi referido, o único reencontro oficial com os espanhóis terminou de forma desfavorável, depois do Real bater o Man. United na Supertaça Europeia. E, no que diz respeito aos mancunianos, Mou tem três jogos no currículo todos pelo Tottenham e os três resultados possíveis - sendo que a vitória obtida já esta época em pleno Old Trafford, por 6-1, deve ter tido um sabor especial.
Numa altura em que está a cerca de duas dezenas de jogos de atingir os 1000 no banco como técnico principal, não deixa de ser curioso de referir o seu registo com os dois clubes onde foi adjunto e que rejeitaram a hipótese de o contratar como principal: Sporting (quando Mou deixou o Benfica) e Barcelona (que então preferiu Pep Guardiola). Frente aos leões, ganhou seis vezes e empatou duas, enquanto perante os catalães o saldo está muito mais equilibrado, com oito vitórias, nove empates e dez derrotas - uma delas a mais saborosa da carreira, com o Inter (na famosa correria pelo relvado de Camp Nou), outra uma das piores, a "manita" que sofreu pelos "merengues" no seu primeiro clássico.
CONTRA O BENFICA
9 JOGOS
6 VITÓRIAS
2 EMPATES
1 DERROTA
14-7 EM GOLOS
CONTRA A UNIÃO DE LEIRIA
7 JOGOS
5 VITÓRIAS
2 EMPATES
0 DERROTAS
12-5 EM GOLOS
CONTRA O FC PORTO
6 JOGOS
3 VITÓRIAS
1 EMPATE
2 DERROTAS
10-7 EM GOLOS
CONTRA O CHELSEA
13 JOGOS
4 VITÓRIAS
3 EMPATES
6 DERROTAS
11-16 EM GOLOS
09-10 Inter (c) 2-1 Liga dos Campeões
09-10 Inter (f) 1-0 Liga dos Campeoes
16-17 Man. United (f) 0-4 Liga
16-17 Man. United (f) 0-1 Taça de Inglaterra
16-17 Man. United (c) 2-0 Liga
17-18 Man. United (f) 0-1 Liga
17-18 Man. United (c) 2-1 Liga
17-18 Man. United (n) 0-1 Taça de Inglaterra
18-19 Man. United (f) 2-2 Liga
19-20 Tottenham (c) 0-2 Liga
19-20 Tottenham (f) 1-2 Liga
20-21 Tottenham (c) 1-1 (5-4 gp) Taça da Liga
20-21 Tottenham (f) 0-0 Liga
CONTRA O INTER
Nunca defrontou o Inter a nível oficial
CONTRA O REAL MADRID
1 JOGO
0 VITÓRIAS
0 EMPATES
1 DERROTA
1-2 EM GOLOS
17-18 Man. United (n) 1-2 Supertaça Europeia
CONTRA O MAN. UNITED
3 JOGOS
1 VITÓRIA
1 EMPATE
1 DERROTA
8-4 EM GOLOS
TOTAL
39 JOGOS
19 VITÓRIAS
9 EMPATES
11 DERROTAS
54-41 EM GOLOS