Monica Barbaro e Timothée Chalamet em A Complete Unknown: sob o signo de Bob Dylan.
Monica Barbaro e Timothée Chalamet em A Complete Unknown: sob o signo de Bob Dylan.

ÓSCARES. À procura da juventude perdida

A 97ª edição dos Óscares (na madrugada de segunda-feira) vai eleger os melhores de 2024. Este ano, na maior parte das categorias, está tudo em aberto. Conan O’Brien será o apresentador.
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Desta vez, as expectativas em relação aos Óscares estão baralhadas. Não há vencedores “antecipados” na 97ª edição dos prémios mais lendários do mundo do cinema. As tradicionais especulações em torno das distinções já atribuídas, em particular pelas associações profissionais (guilds) de Hollywood, não definem tendências claras. As dúvidas serão esclarecidas na cerimónia do Dolby Theatre, ao fim da tarde de domingo em Los Angeles — entre nós, na madrugada de domingo para segunda-feira, com transmissão na RTP1 (a partir da meia-noite) e na plataforma Disney+. 

Podemos resumir as expectativas através das surpresas dos prémios mais recentes. Depois de produtores e realizadores terem consagrado Anora, o filme de Sean Baker que ganhou notoriedade com a Palma de Ouro de Cannes/2024, o Screen Actors Guild (sindicato dos atores) escolheu Timothée Chalamet como melhor ator em A Complete Unknown, atribuindo o prémio de melhor elenco a Conclave, o drama vivido no interior do Vaticano — muitas vezes, o vencedor deste prémio tem arrebatado o Óscar de melhor filme... 

Ralph Fiennes em Conclave, filme consagrado pelo sindicato dos atores.
Ralph Fiennes em Conclave, filme consagrado pelo sindicato dos atores.

Uma coisa é certa: a cerimónia não estará assombrada pela sensação de uma “confirmação” de prémios já atribuídos por outras entidades. Há mesmo duas componentes que podem favorecer alguma revitalização mediática, ajudando a recuperar pelo menos uma parte das audiências perdidas nos últimos anos: a primeira é a estreia de Conan O’Brien como apresentador, por certo rentabilizando o seu know how de muitos anos de televisão; a segunda é a novidade dos Óscares como conteúdo de streaming

Chalamet e os outros 

No papel de Bob Dylan, recriando as convulsões artísticas e políticas da década de 1960, Timothée Chalamet, nomeado para melhor ator, emerge como marca de uma ideia de juventude que circula por vários filmes nomeados — sem esquecer que, também em A Complete Unknown, encontramos Monica Barbaro, interpretando Joan Baez, nomeada para melhor atriz secundária. 

Sem ceder aos lugares-comuns “juvenis” que circulam pelo espaço mediático, sobretudo televisivo, importa reconhecer que estes Óscares são sensíveis à necessidade de renovação de rostos e símbolos. Assim, por exemplo, em A Substância a veterana Demi Moore é, segundo muitos analistas americanos, favorita como melhor atriz, mas na mesma categoria encontramos a jovem Mikey Madison, nomeada por Anora. A par, por exemplo, de uma vedeta do mundo da música como Ariana Grande, em Wicked, nomeada para melhor atriz secundária. Nesta lista faz ainda sentido colocar Brady Corbet, não só porque era encarado como um independente quase marginal, mas também porque, com O Brutalista, o seu nome está em três nomeações (argumento original, realização e, na qualidade de coprodutor, melhor filme do ano). 

Aliás, pelo menos na primeira fase da temporada dos prémios, O Brutalista pareceu emergir como sério candidato ao Óscar máximo, tendo em conta que o retrato do arquiteto que sobreviveu ao Holocausto (Adrien Brody, nomeado para melhor ator) relança a possibilidade de reencontrar o fulgor das sagas históricas da década de 1960. Tal expectativa envolve também esse desejo, que continua a circular em Hollywood, de reconstruir alguns dos géneros mais populares dos seus tempos clássicos. 

Nesta perspectiva, Wicked ocupa também um lugar especial, já que refaz a ideia mais ou menos nostálgica segundo a qual continua a ser possível recuperar a energia (industrial e comercial) que distinguiu o género musical nas décadas douradas de 1940/50.  De todos os nomeados na categoria de melhor filme, Wicked ostenta mesmo o rótulo de recordista nas bilheteiras, logo seguido de Dune – Parte Dois; mais ainda: ambos integram o top 10 de sucessos de 2024, liderado por Divertida Mente 2, um dos candidatos ao Óscar de melhor filme de animação. 

Lugar aos estrangeiros 

A Semente do Figo Sagrado: filme iraniano com chancela de produção da Alemanha.
A Semente do Figo Sagrado: filme iraniano com chancela de produção da Alemanha.

Nos últimos anos, na sequência de múltiplas polémicas, a Academia de Hollywood — cuja designação oficial é, de facto, Academia das Artes e Ciências Cinematográficas — tem vivido um importante processo de reconversão interna. Desde logo, aumentando significativamente o número dos seus membros (mais 928, só no ano de 2018) e, nessa medida, favorecendo uma maior diversificação de género, idade e origem. Segundo números oficiais de finais de 2024, a Academia passou a ter 10.894 membros, dos quais 9.905 votam nos Óscares. 

Na prática, pode dizer-se que, para lá da entrada de muitos novos membros dos EUA (sim, é verdade: incluindo Billie Eilish!), a Academia abriu as portas aos estrangeiros, gerando uma nova dinâmica de internacionalização das estruturas cinematográficas americanas. Pormenor sintomático: a partir dos Óscares atribuídos em 2020, a categoria de melhor filme estrangeiro passou a designar-se melhor filme internacional — acabou por ser o ano em que, pela primeira vez, um título não em língua inglesa, o sul-coreano Parasistas, arrebatou a estatueta dourada de melhor filme (vencendo também na categoria de melhor filme internacional). 

Este ano, uma vez mais, o panorama é revelador de tal conjuntura, com grande evidência para títulos como o brasileiro Ainda Estou Aqui ou o francês Emilia Pérez. Aliás, essa internacionalização inclui um inevitável simbolismo político quando A Semente do Figo Sagrado, do iraniano Mohammad Rasoulof, autor várias vezes condenado pelas autoridades do seu país, surge nas nomeações para melhor filme internacional com a chancela de outro país ligado à sua produção, isto é, a Alemanha (onde Rasoulof se exilou). 

Tudo isto não pode ser desligado do facto de, depois de muitas polémicas conceptuais e orçamentais, o Museu da Academia (Academy Museum of Motion Pictures) ser, desde 2021, um símbolo imponente de uma entidade que quer manter e reforçar o seu lugar na história do cinema, quer como defensora do património fílmico, quer através de um papel ativo na discussão do futuro dos filmes. No domingo à noite, em Los Angeles, é também disso que se fará o espectáculo.  

Nomeados para melhor filme 

EPA / CAROLINE BREHMAN

São estes os 10 títulos que podem ganhar o Óscar de melhor filme de 2024 — indica-se o número total de nomeações e as categorias em que estão presentes (além da categoria principal). 

* EMILIA PEREZ (13): realização, atriz, atriz secundária, argumento adaptado, filme internacional, música, canção (2 nomeações), som, fotografia, caracterização, montagem. 

* O BRUTALISTA (10): realização, ator, ator secundário, actriz secundária, argumento original, música, cenografia, fotografia, montagem. 

* WICKED (10): atriz, atriz secundária, música, som, cenografia, caracterização, guarda-roupa, montagem, efeitos visuais. 

* A COMPLETE UNKNOWN (8): realização, ator, ator secundário, atriz secundária, argumento adaptado, som, guarda-roupa. 

* CONCLAVE (8): ator, atriz secundária, argumento adaptado, música, cenografia, guarda-roupa, montagem. 

* ANORA (6): realização, atriz, ator secundário, argumento original, montagem. 

* DUNE – PARTE DOIS (5): som, cenografia, fotografia, efeitos visuais. 

* A SUBSTÂNCIA (5): realização, atriz, argumento original, caracterização. 

* AINDA ESTOU AQUI (3): atriz, filme internacional. 

* NICKLE BOYS (2): argumento adaptado.  

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