Zendaya. Assim nasce um ícone
Se existe alguém a personificar um novo sistema de estrelas em Hollywood é Zendaya, antiga estrela juvenil e agora atriz nas conjeturas dos Óscares. Aos 24 anos é capa de revistas, símbolo de uma geração e voz ativa sobre o direito da igualdade de sexos. É também alguém com um discurso incómodo dentro dos padrões do sistema de estúdios, ou seja, põe em causa esse mesmo sistema. Desplante? Arrogância? Não, no seu caso é mesmo sinceridade e uma necessidade orgânica e genuína de não recorrer a filtros, ao ponto de já ter vindo a público dizer que nunca vai querer fazer personagens com as quais não possa ir além da "namorada" do herói, mesmo quando o seu próximo filme é mais uma sequela de Spider-Man, onde interpreta mais uma vez o interesse amoroso do rapaz de collants azuis...
Por esta altura, Zendaya está nas bocas do mundo com a chegada à Netflix de Malcom & Marie, de Sam Levinson, drama conjugal sobre um casal afro-americano, filmado a preto & branco e com temas como abuso masculino nas relações e desequilíbrio de méritos no sistema de Hollywood. É o seu grande papel até à data, interpretando a mulher de um cineasta vaidoso que o confronta acerca dos problemas da relação, do aproveitamento da sua condição de toxicodependente, revertendo a lógica machista de "por trás de um grande homem há uma grande mulher"...Trata-se de um filme claustrofóbico mas de uma crueldade realista estimulante. Entre ela e John David Washington há uma química que lembra a faísca de Gena Rowlands e Cassavettes. O filme vai precisamente sempre mais longe quando Zendaya se transfigura em explosões dramáticas. A sua Marie tanto pode estar de rastos, num pranto de lágrimas, como pode ser glaciar com o seu cigarro na mão ou mundana a cozinhar um macarrão de queijo com olheiras de sono. Há também a Marie sexual, desesperadamente triste e agressiva quando passa ao ataque. Mas é na vulnerabilidade do seu olhar de mulher apaixonada de forma incondicional que apetece ficar. Um trabalho de atriz tão introspetivo como visceral e há realmente razões para poder acreditar que pode ser nomeada para os principais prémios da temporada, mesmo quando na concorrência tem atrizes afro-americanas que lhe podem roubar a vaga, em especial Andra Day, de Estados Unidos vs, Billie Holiday (mas a Andra faltam-lhe nuances de subtileza...) ou Viola Davis em Ma Rainey - A Mãe dos Blues.
As más-línguas contestam que faz pouco sentido a promoção de um romance entre uma mulher 12 anos mais nova do que o seu companheiro. Essa brigada do politicamente correto passa ao lado da atriz que lembra já não ser a adolescente dos tempos do Disney Channel: "Não se preocupem, sou bem adulta", afirmou de pronto numa entrevista para a promoção de Malcom & Marie, em que havia alusões ao carácter explícito de algumas sequências sexuais do filme. Sim, esta versão de Zendaya não é para o público juvenil que a elevou aos píncaros nos tempos de O Grande Showman ou da série K.C.- Agente Secreta. A partir de agora, é melhor todos se mentalizarem: Zendaya cresceu e é uma artista total.
Para muitos, sobretudo aquela faixa de consumidores de séries televisivas, Zendaya é o rosto da série Euphoria, de Sam Levinson. Importa lembrar que no ano passado foi ela a grande vencedora dos Emmys, tornando-se a atriz mais jovem de sempre a vencer o "Óscar" da televisão americana. A sua Rue acabou por ser um espelho do mal-estar de uma geração de jovens desta América tóxica. Euphoria tocou de perto na angústia juvenil numa trama que inclui sexo, drogas e violência num liceu americano. Por estes dias, a HBO disponibilizou dois episódios especiais nos quais Zendaya e a sua personagem com problemas de vício têm quase todo o destaque.
A omnipresença de Zendaya faz-se sentir num grande impacto mediático nos EUA, sendo presença constante na imprensa e televisões. E a atriz-cantora tem causas, toma posições, é uma influencer nata. "Quando venci o Emmy disse que tenho esperança nos jovens americanos, mesmo apesar de Euphoria abordar traumas e coisas muito duras que os jovens vivem. Mas nestes dias é preciso esperança, sobretudo entre os jovens negros que precisam realmente de apreciar a beleza e não deixar que a roubem", disse numa entrevista à Elle. Depois, e isso ajuda, muda de visual - ora aparece com penteado grande afro ora com tranças dread. Um ícone fashion negro capaz de ditar tendências, não sendo por acaso que tenha já criado uma linha de roupa, a Daya, e ser o novo rosto da Lancôme.
O seu estranho nome tem que ver com a sua ascendência: em shona, dialeto do Zimbabwe, Zendaya quer dizer "agradecer". E esta jovem adulta tem de estar agradecida por ter aproveitado todas as oportunidades. Uma millennial que aproveitou todas e quaisquer chances para rentabilizar a fama: da experiência de modelo na adolescência à passagem pelo carimbo de Disney kid, passando pela experiência televisiva no programa de grandes audiências Dancing with the Stars. Mas antes da representação, tal como Miley Cyrus ou Selena Gomez, Zendaya era já um ídolo como artista pop. Agora, sobretudo após dos calendários exigentes de Euphoria, as canções ficaram um pouco para trás. Mas foi precisamente a cantar que também começou a ganhar peso na indústria de cinema ao fazer parte do sucesso O Grande Showman, onde encantava e cantava ao lado de Hugh Jackman.
Neste ano depois de tudo de bom que Malcom & Marie lhe trouxer, ainda tem um dos filmes mais esperados: Duna, de Dennis Villeneuve, onde contracena com Timothée Chalamet e Javier Bardem. Dir-se-ia que o sucesso de Zendaya faz que nunca mais subestimemos estrelas juvenis da Disney. E esta esguia dama tem soul lá dentro.