Tecidos tingidos secando ao sol.
Tecidos tingidos secando ao sol.

Tingimento bai: poesia têxtil em azul e branco

Em Dali, Yunnan, o tingimento bai é uma tradição milenar em que se utilizam tecidos artesanais e corantes naturais extraídos de plantas para criar delicados padrões em azul e branco.
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Conhecido como um “bordado em algodão colorido, feito sem tear nem agulha”, o tingimento artesanal do povo bai é uma das expressões mais fascinantes da tradição têxtil de Yunnan. Na região do Lago Erhai, em Dali, berço da civilização agrícola dos bai, o clima ameno e a abundância de recursos vegetais criaram condições ideais para o florescimento de uma cultura agrícola e artesanal rica.

A técnica do tingimento bai remonta, pelo menos, ao século IV e tornou-se uma verdadeira moda popular durante a Dinastia Tang (séculos VII-X). Registos históricos indicam que, em 800 d.C., artistas do reino de Nanzhao se apresentaram na capital imperial, Chang’an, vestidos com trajes de tecido tingidos com recurso a esta arte.

Em 2006, a técnica foi oficialmente inscrita na Lista Nacional do Património Imaterial da China, reconhecendo o seu valor artístico e o seu papel na preservação da herança cultural de Yunnan.

Os bai consideram o branco um símbolo de boa sorte, enquanto que  o azul representa esperança e pureza.
Os bai consideram o branco um símbolo de boa sorte, enquanto que o azul representa esperança e pureza.

O que torna o tingimento bai fascinante é a sua ligação íntima com a natureza. O corante é obtido de plantas e ervas medicinais como a raiz de pastel-dos-tintureiros (conhecida em chinês como banlangen), que cresce na Serra de Cangshan e se transforma num líquido azul-índigo natural após fermentação. O tecido utilizado é geralmente algodão branco puro ou uma mistura de algodão e linho.

Este método ancestral de tingimento vegetal confere aos tecidos cores suaves e luminosas, possuindo ainda qualidades que os corantes químicos não conseguem igualar. O banlangen tem propriedades medicinais, sendo conhecido por “refrescar o organismo” e eliminar toxinas, considerando-se que o tecido tingido com este corante tem um leve efeito calmante e purificador sobre a pele.

Antigamente, os habitantes locais aplicavam a água restante do tanque de tingimento sobre picadas de insetos ou irritações cutâneas para aliviar o desconforto. Essa sabedoria prática, que transforma o vestuário quotidiano num protetor natural, reflete a filosofia de vida dos bai: viver em harmonia com a natureza e aproveitar tudo o que oferece.

A criação de uma peça com recurso a esta técnica exige mais de uma dezena de etapas, entre elas, o desenho, a costura, o tingimento, a fervura, a secagem ao sol, a descostura, a lavagem e o polimento. As fases mais cruciais são a costura e o tingimento.

Uma mestre do tingimento bai (à esquerda) e uma mulher local de Dali tingem tecidos com corantes naturais.
Uma mestre do tingimento bai (à esquerda) e uma mulher local de Dali tingem tecidos com corantes naturais.

O artesão segue o desenho escolhido e, com gestos cuidadosos, franze, dobra e enrola o tecido, prendendo-o com pontos que formam pequenos nós. É este passo que determina o padrão final. Depois segue-se o tingimento: o tecido é mergulhado repetidamente no tanque com o corante de banlangen, intensificando-se a cor a cada imersão. O corante não penetra as partes cosidas, que conservam o branco original do tecido, mas o azul difunde-se suavemente nas bordas, criando um delicado efeito de sombreamento.

Cada variação na tensão ou tempo de imersão dá origem a uma obra única. É essa imprevisibilidade que confere vida a cada peça: nenhuma é igual a outra, cada uma guardando o calor das mãos do artesão e a beleza espontânea do acaso.

Os motivos decorativos contam-se aos milhares: nuvens sobre a serra de Cangshan, ondas do Lago Erhai, borboletas, peixes e insetos, além de símbolos retirados de mitos e tradições locais. Mais do que simples ornamentos, são verdadeiros emblemas da identidade bai. Os recém-nascidos são envoltos em tecidos tingidos com o símbolo do bagua (os oito trigramas) para proteção; os dotes das noivas e as vestes funerárias dos idosos refletem a estreita ligação entre o tingimento bai e os rituais de vida da comunidade.

Hoje, nas antigas aldeias de Dali, o tingimento bai vive uma nova fase de criatividade. Os artesãos locais desenvolveram a técnica do “tingimento colorido”, que rompe com a tradicional paleta azul e branca, criando composições multitonais através do controlo preciso da costura e do tempo de imersão. Estas inovações permitem que os tecidos ganhem vida em roupas, toalhas, cortinas e outros objetos do quotidiano, chegando até a mercados internacionais através de plataformas de comércio online.

O mais entusiasmante é que o viajante pode participar pessoalmente na criação desta arte ancestral. Nos tradicionais ateliers de tingimento, é possível aprender o processo com um mestre local e criar o nosso próprio desenho. Cada peça, feita com as próprias mãos, torna-se uma recordação única e um elo duradouro com a cultura bai.

O tingimento bai ensina-nos que a mais bela arte muitas vezes nasce dos elementos mais simples da natureza, e que a verdadeira essência da cultura se encontra nas rotinas do dia a dia. Quando visitar Yunnan, reserve algum tempo para parar num dos ateliers de Dali, mergulhe as mãos no aroma do índigo e deixe-se perder neste azul e branco milenar.

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Uma iniciativa "MACAO DAILY NEWS"

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