Mais de 40 anos depois da Sétima Legião ter integrado a vida cultural portuguesa, é como se nunca dela tivesse saído. Esta é a perspetiva do percussionista da banda lisboeta, Paulo Abelho, que contou ao DN os segredos que levaram um “grupo de amigos” a fazer uma banda num período post-punk e ainda no rescaldo da morte do vocalista dos Joy Division, Ian Curtis.A constelação de bandas e projetos que orbita esta família musical é vasta, entre Madredeus, Gaiteiros de Lisboa ou Cindy Kat e Comboio Fantasma. Todos têm membros comuns, histórias cruzadas, estúdios partilhados, viagens a quatro mãos. “Não somos uma banda, somos um grupo de amigos que fez uma banda”, diz Paulo Abelho, acrescentando que “foi dessa amizade que foram surgindo todas as outras”. Essa teia criativa, que ele próprio descreve como “tentacular, no bom sentido”, continua ativa, viva, com discos novos e pessoas novas, como os álbuns recentes do acordeonista Gabriel Gomes.Todas estas ligações nasceram nos mesmo lugares, entre encontros no Alentejo, tertúlias, noites ao redor dos instrumentos. E o início de tudo foi uma rua no bairro de Alvalade, em Lisboa, porque eram todos vizinhos.Estamos a falar de Rodrigo Leão, que tem tido um universo de participações em nome próprio, assim como nos Madredeus, ou de nomes como Paulo Marinho, que, com a sua gaita de fole, é um dos Gaiteiros de Lisboa mais experientes.Paulo Abelho, questionado sobre a longevidade da Sétima Legião, que, mesmo não tendo tido uma continuidade no tempo enquanto banda, perdurou através de todas as outras, só garante que não haverá apenas mais 40 anos de canções: “mais 440”, diz com emoção.“Eu nunca pensei ser músico, ou fazer parte de uma banda, ou ter outras bandas, nunca pensei”, confessa, mas sem nunca ter deixado o som de lado. Paulo Abelho dá aulas de som numa universidade e trabalha nessa área, em várias vertentes. A parte etérea eletrónica é uma consequência da época. E expressão do post-punk é evidente, porque, explica o músico, “as primeiras músicas de Sétima Legião são cantadas em inglês, são muito dark”. “Aliás, nós agora fomos recuperar um pouco isso, descobrir os arranjos novos que tínhamos”, revela, preparando o público para os concertos que aí vêm.Mas a Sétima Legião, na altura em que surgiu, trazia uma componente acústica que diferenciava a banda de outras expressões. Isto aconteceu com a gaita de fole galega de Paulo Marinho e com as percussões de Paulo Abelho.“Ele [Paulo Marinho] gostava de ir passar férias à Galiza e tinha familiares ali na zona raiana. Um dia, traz uma gaita de fole. Ele tocava na varanda e era um basqueiro gigantesco, a incomodar toda a gente, como ainda hoje incomoda”, conta Paulo Abelho, frisando: “Estou a brincar!”Com um instrumento exótico em cena, a banda incorporou-o, por convite. “Houve um espetáculo em que de repente eu entrei a tocar um tambor”, continua o percussionista, explicando como é que se formou uma banda a partir de um grupo de amigos.As ideias foram surgindo, e passaram pela afirmação de que “vamos revolucionar isto tudo, vamos fazer uma coisa diferente, ou vamos intervencionar o mundo da música popular”, confessa Paulo Abelho, que acabou por assumir que as ideias iniciais não se concretizaram.“Nada aconteceu, as coisas foram crescendo, nós éramos meninos”, diz, mas com a certeza de que “as coisas foram crescendo de uma forma absolutamente natural”, e nem sequer tinham a ideia de “conceito artístico”. Simplesmente tocavam.Questionado sobre se há lugar para a Sétima Legião num mundo que já não é post-punk e que enfrenta o advento da inteligência artificial, Paulo Abelho diz que nada disto constitui um problema. “A inteligência artificial ajuda em muita coisa, ajuda na pesquisa e é um instrumento importante, como é óbvio, mas, acima de tudo, existe uma coisa que se chama emoções”, afirma. “E por muito que a máquina tente, a máquina não expressa emoções”, considera Paulo Abelho, antes de ir buscar um dos ícones cinematográficos de ficção científica - o Hal, do 2001, Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick - para explicar a forma como a música perdurará. “Nós podemos apaixonar-nos por muitas coisas. Mais do que alguma vez uma máquina conseguirá”, garante.Os Sétima Legião vão atuar no Misty Fest em mais três concertos: no Centro Cultural de Belém, a 30 de novembro e 1 de dezembro, e na Casa da Música, no Porto, a 7 de fevereiro de 2026..Moisés P. Sánchez: “Respeito o folclore de Espanha, mas não sou um tipo do flamenco”