O que é que o público pode esperar de si no Misty Fest, tendo em conta que promete um concerto improvisado, como no álbum Soliloquio? Vai deixar-se levar pelo momento?Sim, os meus concertos de piano a solo são bastante diferentes entre si. Depende de várias coisas. A energia, o meu estado de humor, o que sinto no lugar. Enfim, muitas coisas influenciam os concertos de piano. Eu improviso, mas também sou compositor, tenho muitas músicas, tento compor coisas novas todos os dias. Então, quem sabe, quem sabe? Soliloquio significa isso. É sobre uma conversa connosco. E para mim é muito entusiasmante manter isto em aberto, ver o que acontece e fazer daquela noite uma oportunidade rara e exclusiva para o público ter uma experiência única. Para mim, isso é importante. Podia ser um grande concerto, mas também tenho muitas músicas, por isso, não sei. Se tiver total liberdade dos programadores para tocar o que eu quiser, mantenho o concerto em aberto até às últimas horas, mesmo até aos últimos 30 minutos.O improviso é um lugar confortável?É absolutamente confortável. Para mim, vivo nessa área. Sou um improvisador. Para mim, é como ir direto ao assunto. É tão emocionante. Por vezes, isso faz-me lembrar porque é que eu faço música. Tem a ver com o momento, com a liberdade. Não me interpretes mal. Sou compositor e gosto de pensar na narrativa, na energia, na curva do concerto, na curva que o concerto proporciona, mas sinto-me muito bem nesses momentos, quando me permito tocar e cada nota é verdadeira. Cada nota é verdadeira, ou pelo menos tento que seja. Portanto, sinto-me muito bem com isso.Quando compõe, utiliza a mesma receita a que recorre quando improvisa?Não se pode compor da mesma forma que se toca durante o improviso, porque o ouvinte também não funciona da mesma forma. Quando ouves uma composição, quando tocas um CD, iTunes ou Apple Music, seja o que for, o ouvido funciona de uma forma muito diferente de quando me vês a tocar piano. Portanto, tem de se ter isso em mente quando se compõe. Há várias técnicas de composição, mas o equilíbrio entre os dois mundos é muito interessante para mim. Estão mais próximos do que parece, é um trabalho muito interessante quando tens de misturar os dois mundos. Mas, honestamente, quando trabalho como compositor, às vezes penso demasiado, e gosto de pensar muito no argumento narrativo, nas partes de contraponto, no timbre dos instrumentos e a mistura entre eles. Se estou a compor para um tema orquestral, ou um tema de câmara, ou um tema para piano solo, ou um tema para uma banda de jazz, é muito diferente. Entusiasma-me, porque gosto muito de pensar de várias formas, dependendo do tipo de música que estou a compor.Não toca apenas um género musical. É também essa a mensagem para o mundo: sem limites, sem fronteiras?Bem, eu tenho formação clássica. Tenho formação em jazz. Tenho formação em rock. O meu pai era um melómano incrível. Ouvia muitos estilos, muitos mesmo. Em casa, ouvíamos King Crimson, John Coltrane e Béla Bartók, passando por Bach. E depois disso veio Michael Jackson ou Björk ou algo do género. Cresci num meio em que a mensagem era que a música é o mais importante. É sempre sobre a mensagem que transmites com a música, portanto, não ligo aos géneros, aos estilos. Se soa a jazz, soa a jazz. Eu acho que a música é música. Se tiver de adaptar a minha música a um estilo clássico, ou rock progressivo, ou outro qualquer, para que funcione, assim o farei.Onde estão as suas raízes musicais? Espanha é muito diversa, desde a Galiza à Catalunha.Eu digo sempre que o folclore é aquilo que se ouvia quando se era criança. E quando eu era criança ouvia Béla Bartók. Sou de Madrid. Não temos uma música folclórica muito definida em Madrid. Temos os chotis [dança tradicional], mas não me sinto muito ligado aos chotis. Tenho um enorme respeito pela música folclórica das diferentes regiões de Espanha, mas não sou um tipo do flamenco, não sou um tipo da Galiza, não sou um tipo da Catalunha. O meu repertório musical é a música que eu ouvia quando tinha três, quatro, cinco anos. Béla Bartók, Genesis, King Crimson, John Coltrane, Pat Metheny Group. É uma mistura de tudo. E todos eles me deram a base sólida para crescer. Para fazer a minha música a partir daí.Foi nomeado para um Latin Grammy com o álbum Unbalanced: concerto for ensemble. O que torna este disco tão especial? Se olhares para a capa, vês uma esfera enorme, branca, e o reflexo dela. Está tudo misturado, está como se tivesse derretido. Se abrires a capa, encontras um poema que, em espanhol, contém a mensagem deste álbum: “Ao querermos mostrar sempre a face mais brilhante da lua, como mercúrio derramado, nós derretemos na noite”. A mensagem é essa. É como o conceito de sucesso nos Estados Unidos ou no Japão. Para mim, é muito stressante, agora mesmo, mostrar a cara ao público, através das redes sociais. Mostrar o que estou realmente a sentir, em casa, quando ninguém te vê. Esta é a mensagem. Para o Unbalanced [desequilíbrio] é o desequilíbrio entre os dois rostos. Foi por isso que compus um movimento muito longo, porque precisava que quem ouvisse a música mantivesse a atenção, porque precisa de tempo para ser ouvida. Preciso do tempo deles. Preciso da atenção deles. Se me forem ouvir, ouçam-me de verdade. Deem-me o vosso tempo, a atenção. Esta é a mensagem de Unbalanced..Morreu o baterista de jazz Jack DeJohnette, que tocou com Miles Davis e Keith Jarrett. Tinha 83 anos.Jazz volta à Gulbenkian com "o melhor e mais original" do que se faz no mundo