Denise Weinberg: que futuro é este?
Denise Weinberg: que futuro é este?

O Último Azul. Ser ou não ser velho, eis a questão

'O Último Azul' projeta-nos num Brasil futurista em que os velhos são obrigados a viver em “colónias” — a premissa é sugestiva, mas os resultados ficam aquém das suas possibilidades dramáticas.
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Ficção científica? Eis um rótulo possível para O Último Azul, filme do brasileiro Gabriel Mascaro distinguido em fevereiro deste ano, no Festival de Berlim, com um Urso de Prata (Grande Prémio do Júri). Seja como for, convém esclarecer que estamos longe de qualquer derivação de Star Wars ou do universo da Marvel & Cª. Dito de outro modo: importa não confundir tal designação com a presença de seres mais ou menos alienígenas e o ruído de muitas naves espaciais a povoar o horizonte...

Nada disso. Esta é a história de Tereza (Denise Weinberg), uma mulher de 77 anos que vive uma existência tão pobre quanto rotineira. Subitamente, vê cancelado o seu trabalho numa fábrica. Porquê? Porque tudo acontece num Brasil de um futuro mais ou menos próximo (embora não haja indicações precisas sobre a data da ação) em que os velhos são obrigados a renunciar a qualquer atividade produtiva e colocados em “colónias”; será aí, nesses espaços de exílio que, supostamente, irão encontrar o ambiente adequado para um capítulo final de felicidade — felicidade compulsiva, bem entendido. Tereza não se conforma com a situação e decide partir de avião para outras paragens, hipótese que não se concretiza porque as novas leis obrigam a que os filhos autorizem os pais a consumar tal “ousadia”. Ainda assim, clandestinamente, consegue escapar-se no barco de Cadu (Rodrigo Santoro), iniciando uma viagem libertadora nos cenários luxuriantes da Amazónia...

O ponto de partida de O Último Azul tem tanto de desconcertante como de sugestivo. É pena que a sua dramaturgia se vá estiolando num jogo de redundâncias que nem mesmo a verdade anímica da presença de Denise Weinberg consegue contrariar. O mais interessante resulta, afinal, do modo como a realização de Gabriel Mascaro aposta na ambígua caracterização desse futuro através de um paradoxal “congelamento” realista.

Afinal de contas, tudo acontece em cenários reconhecíveis como eminentemente presentes, quase todos refletindo modos precários de existência. Mais do que isso: os elementos naturais da Amazónia acabam por funcionar como uma insólita “personagem”, de tal modo a sua exuberância de formas e cores pontua todo o trajeto de Tereza — daí um sublinhado especial para a contribuição decisiva da direção fotográfica, com assinatura de Guillermo Garza.

No final, a canção Rosa dos Ventos, de Chico Buarque, interpretada por Maria Bethânia, transporta uma tocante sugestão simbólica: “E do amor gritou-se o escândalo / Do medo criou-se o trágico.” Todos os cruzamentos metafóricos com o Brasil do presente são possíveis, ainda que O Último Azul seja, no essencial, uma curiosa parábola existencial que não terá encontrado o tom mais consistente para desenvolver a sua premissa narrativa.

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