Uma menina prodígio à beira de um esgotamento enquanto tenta resolver um teorema matemático impossível. Podia ser a sinopse deste O Teorema de Marguerite mas não é. Anna Novion prefere levar este drama leve para uma outra esfera, a do diálogo com aquilo que de mais insondável têm os números e as suas propostas de problemas lógicos, algures perto de um romantizar da poesia das equações e a angústia das soluções. Para Novion o suspense está na saga do pensamento matemático, sempre entre a exaltação da disciplina e a possibilidade do raciocínio do risco. Bela metáfora para nos sacudir perante um mundo que nos obriga a estudar sem contemplações e em que o que fica como lição é uma competição capaz de colocar esta heroína perdida entre a passagem ao lugar de aluna à jovem mulher nessa coisa chamada “vida real”.E Marguerite está sozinha, entre a obrigação dos deveres académicos ao prazer do seu dom matemático, ela que não é como as outras colegas: a sua solidão impede-a de viver a juventude, impede-a de respirar. Até que o corpo explode e nessa explosão o seu génio solta-se e os caminhos existencialistas dos teoremas matemáticos dão lugar a uma transcendência do saber e de uma possível renovação dos paradigmas das sua intimidade. O seu vício em trabalho e na pesquisa funciona como um olhar para uma sociedade que torna prodígios em alienados, mesmo quando a mente lhe faz ganhar milhares de euros em jogos de mah jong com a comunidade chinesa de Paris depois de abandonar a tese em que tentava desvendar o teorema de Goldbach.O que é sedutor nestes caminhos de fórmulas é a maneira como o filme nos cativa sem estarmos à espera, como se um espetáculo sentimental se tratasse, mesmo quando o cerne são números, somas e divisões. Uma procura por uma verdade matemática que se torna num espetáculo de emoções diversas, em especial porque queremos saber o que sai da menina-génio que está quase a ser mulher para lá da caixa de óculos e dos “looks” de geek. E tem tanto thriller científico como de conto romântico sobre almas gémeas - sim, a estudante em questão fica apaixonada com um colega também com neurónios para as matemáticas. Se o problema e a conjetura de Goldbach vive do mistério da sua resolução, o filme enfeitiça o espectador com essa impossibilidade, mesmo quando em muitas vezes o raio de luz do romance em questão tenha um entusiasmo francamente conseguido. Um entusiasmo contaminado pelos dotes camaleónicos de Ella Rumpf, atriz subtil que já tinha sido preciosa em Grave, de Julie Ducournau e na série de Michael Mann, Tokyo Vice, vista na HBO, agora Max. É no seu brilhozinho nos olhos que o filme se levanta e faz-se valer perante um argumento que nem sempre dá a volta à previsibilidade.Le Théorème de Marguerite é uma parábola à vida e a matemática. Um filme do “meio” como é preciso no atual contexto do cinema francês, mesmo que não adiante nem atrase muito. Aliás, até adianta quando se sai da sala a pensar se a matemática não comporta a sua própria fantasia…