Rita Blanco juntou-se a Nuno Vieira de Almeida na casa deste, em Lisboa, para ensaiar.
Rita Blanco juntou-se a Nuno Vieira de Almeida na casa deste, em Lisboa, para ensaiar. Paulo Spranger

Nuno Vieira de Almeida e Rita Blanco voltam ao melodrama

Atriz terminou filme com João Canijo e está ocupada com a nova película de Ruben Alves. Ao mesmo tempo ensaia com pianista um novo melodrama, de Viktor Ullmann, depois da parceria em 'Enoch Arden'.
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A amizade tem destas coisas, como levar uma atriz conhecida do grande público, Rita Blanco, a narrar o melodrama A Balada de Amor e Morte do Porta-estandarte Christoph Rilke, escrito pelo compositor austríaco Viktor Ullmann com base num poema de Rainer Maria Rilke, com Nuno Vieira de Almeida ao piano. Este recital pode ser ouvido no Teatro São Luiz, em Lisboa, nos próximos dias 4 e 5 de novembro, mas para a atriz o melhor deste projeto é todo o trabalho prévio até à apresentação pública.

“A parte de que eu gosto mais é dos ensaios, porque gosto muito do Nuno e do ato de nos juntarmos. Em vez de ser só para bebermos café e conversarmos sobre a vida, para mim é muito mais estimulante pensar que vou ter com o Nuno e vou aprender coisas e vamos ensaiar juntos. É um verdadeiro prazer. Muito mais do que os espetáculos, confesso”, diz Rita Blanco ao DN. “A minha bagagem como atriz cresce, pela maneira como nós trabalhamos, como ele me mostra a música e me faz pensar os textos. Aumenta a tessitura do trabalho de um ator”.

Rita Blanco esteve dois anos a trabalhar no novo filme de João Canijo, Encenação, um projeto que já terminou. “Agora estou com o filme de Ruben Alves, foi mesmo um em cima do outro. O problema maior foi que eu vinha de uma carga muito forte, porque os filmes do João Canijo não são filmes tradicionais”, explica. A nova película do realizador luso-francês de A Gaiola Dourada, que Rita Blanco também protagonizou, intitula-se Os casamentos de Santo António e está a ser rodada em Lisboa. O tempo não é muito, mas o trabalho com Nuno Vieira de Almeida no melodrama de Viktor Ullmann prossegue.

Em julho deste ano os dois já estiveram mais de um mês e meio a ensaiar. “Isto não se faz com dois ensaios”, sublinha o pianista, ressalvando que “fazer música de câmara não tem a ver com a perfeição absoluta. Tem a ver com o entendimento e a maneira como os dois artistas servem melhor a obra musical”.

A Balada de Amor e Morte do Porta-estandarte Christoph Rilke foi escrita por Viktor Ullmann enquanto estava no campo de concentração de Theresienstadt, em 1944, pouco antes de ser deportado para Auschwitz, onde viria a ser morto dois dias depois numa câmara de gás, em 18 de outubro de 1944. Foi escrita sobre o poema em prosa de Rainer Maria Rilke e não é uma “história tradicional”. Narra o último episódio da vida de um jovem aristocrata de 18 anos que parte para a Hungria para combater contra os turcos, e na véspera da sua primeira batalha é nomeado porta-estandarte. No final deste poema com várias cenas, o castelo onde ele passa a noite com uma mulher é incendiado pelos inimigos. Sem nome, descrito apenas como “o de Languenau”, ele cavalga sozinho no meio deles e é morto. Trata-se, diz o pianista, de “uma prosa extremamente poética e impressionista, não é óbvia”. Os temas não representam personagens, mas antes situações ou sentimentos, sublinha.

'A Balada de Amor e Morte do Porta-estandarte Christoph Rilke' foi escrito pelo compositor austríaco Viktor Ullmann quando estava no campo de concentração de Theresienstadt, em 1944, pouco antes de ser deportado para Auschwitz, onde foi morto.

Nuno Vieira de Almeida toca piano e Rita Blanco narra o poema. Já o tinham feito anteriormente no melodrama de Strauss Enoch Arden, com base no poema de Tennyson com o mesmo nome.

É a primeira vez que o pianista toca esta música, que não é fácil. “Não é fácil porque é muito orquestral. Nota-se que ele queria orquestrar, porque a obra é extremamente difícil do ponto de vista técnico, é preciso termos muitos dedos e muitas vozes, ele escreve muito bem para piano, era um bom pianista, de certeza.”

Nuno Vieira de Almeida diz que queria muito fazer esta obra, e que “a Rita é a partner de eleição”, sublinhando que também aprende com esta colaboração. É da dinâmica entre os dois artistas que a interpretação da obra se consolida. “Do ponto de vista musical, a mim também me faz imensa coisa. A Rita põe muitas questões. Se tem que ser exatamente naquele sítio que ela tem de dizer aquela frase, como é que há de dizer aquela frase, se pode dizer ligeiramente mais tarde ou ligeiramente mais cedo. E isso muitas vezes faz-nos pensar até do ponto de vista dramatúrgico. Porque fazer uma obra para piano e narração não é a mesma coisa do que fazer uma obra para dois instrumentos diferentes. A narração tem o seu tempo.”

Além disso, a obra original é em alemão e a adaptação para o português tem de ser trabalhada. “É preciso calibrarmos o tamanho das frases, onde começam e acabam. Porque o alemão, às vezes, é mais curto - por estranho que pareça - do que o português. Mas muitas vezes acontece o contrário. Temos que calibrar exatamente o tamanho das frases para serem ditas de acordo com a música.”

Para Rita Blanco, o maior desafio destes projetos de narração advém de não saber música. “Tenho que fazer tudo de ouvido. Aliás, todos os trabalhos que fizemos até agora, esse é o único obstáculo, mas que passa a ser um estímulo, um desafio. Eu tenho que perceber suficientemente a obra, a música, para poder entrar no sítio certo."

Para os admiradores de Rita Blanco será mais uma oportunidade para ver a atriz noutro registo, o que até pode atrair público, admite Nuno Vieira de Almeida. “Penso que sim, mas nós não estamos a fazer nada para facilitar a vida às pessoas. A obra em si não é difícil, mas a arte, a música, neste caso esta obra, deve suscitar questões, interrogações”.

A música e a narração têm que estar em sintonia, para que os ouvintes não se sintam perdidos. “O piano tem que trabalhar completamente com a narração, com a maneira como a atriz está a dizer o texto, para que se torne claro para o público que está a ouvir o que é que a música está a querer dizer. E vice-versa. Não podemos ter a ideia de que aqui ele está esfuziante ou está raivoso, quando a música nos está a indicar exatamente o contrário”, aponta Nuno Vieira de Almeida.

Para os admiradores de Rita Blanco será mais uma oportunidade para ver a atriz noutro registo, o que até pode atrair público, admite Nuno Vieira de Almeida. “Penso que sim, mas nós não estamos a fazer nada para facilitar a vida às pessoas. A obra em si não é difícil, mas a arte, a música, neste caso esta obra, deve suscitar questões, interrogações”.

“Eu acho que cada vez mais as pessoas vão ver espetáculos com a papinha toda feita. E isso, do meu ponto de vista, é a coisa mais desinteressante que pode acontecer. Irmos ver uma coisa e sairmos de lá a dizer ‘ah, percebi tudo'”, reforça Rita Blanco.

O melodrama arranca com “o que podemos ouvir quase onomatopaicamente como o motivo de cavalgar”, descreve o pianista. Um cavalgar que percorre toda a obra e que se entretece com os temas “do envolvimento sentimental com a mãe, as mulheres, o fogo e a morte”.

“Viktor Ullmann acaba por nos dar pistas para podermos tornar a obra muitíssimo mais concreta e percebermos exatamente o que é que se está a passar", sublinha Nuno Vieira de Almeida. "É uma obra de uma enorme beleza musical em que o texto e a música se sobrepõem de uma maneira extraordinária e isso faz dela uma obra maior”.

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