Meryl Streep e Greta Gerwig: de ir às lágrimas!
Um festival que não tem medo de abrir com uma comédia merece respeito, por muito que este endeusamento a Quentin Dupieux, já alvo de uma recente retrospetiva em Lisboa, pareça excessivamente extemporâneo. Um festival que abre com uma comédia que troça o atual estado do cinema francês ainda mais respeito merece. Foi o que aconteceu ontem na gala de abertura de Cannes com Le Deusième Acte, do enfant terrible Dupieux, aqui a convocar estrelas como Louis Garrel, Léa Seydoux e um extraordinário Vicent Lindon num restaurante chamado Le Deusième Acte, onde um par romântico se encontra para a apresentação ao pai.
Mas nada é o que parece: afinal, eles são apenas atores de um filme realizado pela Inteligência Artificial, cada um preocupado com o seu umbigo e um deles nas sete quintas por ter recebido um telefonema para entrar no novo de Paul Thomas Anderson.
É um cinema de piada interna, sem medos formais da anedota cinéfila e com um assombroso discurso doutrinal sobre a woke culture, em especial sobre os medos da linguagem sob as minorias. Tem muita piada mas está longe de ser Dupieux vintage.
Antes, na cerimónia de abertura propriamente dita, também transmitida em direto em 700 cinemas franceses, viu-se a presidente do júri, Greta Gerwig, num faustoso vestido bordeaux a dizer bem alto que o cinema é “sagrado” e, logo a seguir, ir às lágrimas com uma homenagem surpresa da nova estrela da pop, Zaho de Sagazan, que meteu David Bowie e a canção Modern Love, rima lindíssima com Frances Ha, de Noah Baumbach, filme que escreveu e interpretou.
Binoche a venerar Streep
Mas desta cerimónia pensada com requintes de bom gosto, Juliette Binoche ofereceu a Palma de Ouro de tributo a Meryl Streep, alvo de um fabuloso clip com imagens dos seus grandes momentos no cinema. A grande senhora do acting americano teve uma longa ovação de pé, daquelas que emociona e toca fundo quem cresceu com o seu rosto, sempre com Binoche a não conter as lágrimas. Poder-se-à afirmar que terá sido uma das mais tocantes aberturas de Cannes, aqui sim a impor o peso do maior festival do mundo. Streep, também comovida, dizia apenas: “amo-vos”. Coisas de amor puro do cinema.
Rui Pedro Tendinha, em Cannes.