Estamos em plena rentrée. A Festa do Cinema Francês começa agora, mas há outros eventos do instituto para os próximos tempos. O que há de novo? A Festa é definitivamente o maior evento do ano, mas temos outros eventos importantes. A Festa vai na 26.ª edição e é muito importante para o Instituto e para a cultura francesa, mas também para a portuguesa. Durante 15 dias, de uma forma mais rítmica do que noutras edições, vamos celebrar o cinema francês, com uma nova produtora, a associação Il Sorpasso, com uma direção artística, o que não existia antes, na pessoa de Anne Delseth, que é uma diretora artística de renome na indústria, uma grande profissional. Estas são as pequenas novidades. Queríamos construir algo em torno da audácia da juventude. E é por isso que a escolha do filme de abertura, Nouvelle Vague, de Richard Linklater, que foi apresentado em Cannes e muito bem recebido no festival, é emblemática, uma vez que é um filme que conta a história de como O Acossado foi feito. O Acossado é um filme que transformou por completo a cultura francesa. É uma espécie de ode ao que a juventude tem de mais criativo, mais ousado, mais emancipado. E são todos estes valores que Linklater, ao filmar Nouvelle Vague, quis celebrar. Ao exibi-lo como filme de abertura da Festa, estamos a dizer ao público - sejam franceses, portugueses, francófonos, não importa - que o cinema representa uma arte onde podemos mostrar coisas, viver emoções em conjunto com força e audácia. Nesta 26.ª edição, para além de Nouvelle Vague, para além das muitas comédias, da retrospetiva de Alain Delon, que é também uma referência e um ícone do cinema francês, teremos a oportunidade de receber Thierry Frémaux. Frémaux é o delegado geral do Festival de Cannes, e vem a esta Festa porque reconhece a grande importância do evento na cultura francesa e europeia. Ele vem apresentar o seu documentário Lumière, l’aventure continue que trata da invenção do cinema. A Frémaux o que lhe interessa é trazer para a tela os primeiros filmes rodados pelos Irmãos Lumière no final do século XIX. Há toda uma discussão sobre se foram os Irmãos Lumière que inventaram o cinema e Thierry Frémaux diz que sim. Porque foi a primeira vez que alguém pousou uma câmara e fez um take. Foi isso que os Irmãos Lumière inventaram. É algo muito poderoso, algo que ainda nos une e que faz com que as pessoas hoje vejam os filmes da Festa. Estamos a celebrar o cinema nos seus primórdios graças a este documentário. Thierry Frémaux veio ao Porto apresentá-lo como antestreia no dia 1. É a primeira vez que temos um grande destaque logo no início da Festa no Porto. Vamos celebrar juntos, os amantes do cinema e aqueles que não o são, vamos unir-nos em torno da ideia de que colocar um suporte de câmara e olhar através destas imagens animadas para um pedaço de vida pode, ainda hoje, comover-nos, fazer-nos refletir sobre o mundo. Estivemos há pouco na mediateca do instituto, onde organizam eventos com artistas, escritores e cineastas. Esta é um pouco a cara do Instituto?A mediateca, este espaço que temos no Institut Français du Portugal, aqui no bairro de Santos, é uma oportunidade real. É um espaço onde acontecem muitas coisas. No campo educativo, no campo cultural, no campo da cooperação científica e universitária. Este espaço é um reflexo de tudo o que o instituto faz e também do que nos importa. A juventude importa muito para nós, a criação contemporânea, a circulação de ideias. Sim, há livros na mediateca, mas também há um piano, há uma tela onde exibimos filmes. Há tudo isto, e não é por acaso, é porque no Institut Français du Portugal tentamos propor uma cultura francesa tal como ela é, aberta, transdisciplinar. É um espaço aberto e estará cada vez mais aberto no futuro. Há sempre alguma coisa a acontecer por lá que é exigente e ao mesmo tempo acessível..Falava do público, e sabemos que a comunidade francesa em Portugal cresceu muito. Quem é o público do instituto atualmente? É mais português, é cada vez mais francês?Depende das atividades. Claro que temos um público francês e francófono muito fiel. Mas cada vez mais portugueses vêm a este espaço porque, ou são francófonos, ou estão ligados de alguma forma à cultura francesa. Os laços entre franceses e portugueses são laços humanos. Quer falemos da chegada de artistas franceses a Portugal no início do século XX, quer falemos de exílio ou de histórias de emigração, há sempre um denominador comum: os laços humanos. Se franceses e portugueses, a nível cultural, se sentem tão próximos, é porque partilham histórias. A missão do Institut Français du Portugal é manter a cultura francesa a pulsar no coração dos portugueses. Mesmo que os jovens portugueses não tenham a mesma história e a mesma ligação que os seus pais, avós, bisavós. Estávamos a falar da comunidade francesa em Portugal, mas também há uma enorme comunidade portuguesa em França. Este grande nível de proximidade torna o trabalho do instituto em Portugal diferente do que acontece noutros países? Há mais interesse entre os portugueses pela cultura francesa?Claro, nas nossas atividades no instituto vemos isso todos os dias. Acredito que existe um grande desejo mútuo de trabalhar em conjunto. Temos tentado desde a Temporada Cruzada, que foi um grande momento de celebração, construir laços, porque não queríamos parar por aí. Nessa Temporada Cruzada, criámos o selo MaisFRANÇA, em torno do qual, com os nossos parceiros portugueses, nos reunimos à mesa para construir algo juntos. Há um grande anseio que sentimos quando apresentámos o programa MaisFRANÇA no início de junho. Não sei se há uma expectativa ou uma atenção especial da parte dos portugueses, mas há, sem dúvida, muita vontade de trabalhar em conjunto. Isso conta. Sabemos que as elites portuguesas foram muito francófonas e francófilas durante muito tempo. Um dos desafios do Instituto é despertar esse interesse nas novas gerações?Uma das principais áreas em que estamos a trabalhar ativamente é a dos jovens, o que eles querem fazer e o que vão construir para o mundo de amanhã. Damos importância a isso em toda a nossa programação. Dirigimo-nos sempre aos jovens, ouvimos o que dizem, ouvimos a forma como se querem apropriar da cultura francesa. A alma do MaisFRANÇA é ser contemporâneo, propor uma criação contemporânea. E, sendo contemporâneos, estamos em sintonia e em vibração com os temas que os jovens querem trazer para a mesa - a igualdade de direitos, a relação com as novas tecnologias, a abertura ao mundo, a circulação de ideias. O compromisso ecológico, claro, é outra questão, os jovens de toda a Europa dizem que deve ser uma prioridade. Vamos ter uma aposta muito forte nas artes visuais e digitais em novembro, em Braga e na região de Castelo Branco. Será o chamado Novembro Digital. Em breve vamos também receber Manon Garcia, que discutirá a questão da defesa dos direitos, a luta contra a violência sexista e sexual, em torno do seu último livro que trata do julgamento [de Gisèle] Pelicot. É nisso que estamos a trabalhar.Ao contrário de outros institutos, como o alemão Goethe ou o espanhol Cervantes, o Institut Français du Portugal não dá aulas de francês. Isso fica a cargo da Alliance Française. Mas a divulgação da língua francesa é uma das vossas prioridades, também através de programas para professores de francês. Como funcionam? A Alliance encarrega-se de ministrar os cursos, mas é claro que a língua francesa é importante para tudo o que acabei de falar, porque através da língua celebramos uma cultura. Não se trata apenas de aprender francês, mas de unir uma série de valores à língua francesa: a abertura ao outro, o multilinguismo. A ideia é não só de aprender francês como segunda língua estrangeira, como 40% dos jovens portugueses fazem no ensino secundário, mas mais. Temos uma relação muito especial com o mundo da educação, com aqueles que estão no terreno para ensinar a língua francesa, os professores. Temos, nomeadamente, um programa de assistentes de língua francesa, que todos os anos vêm a Portugal às escolas, e, inversamente, há assistentes de língua portuguesa que se deslocam a França para apoiar o ensino do português. Eu fui professora antes de me tornar diplomata e considero que estes professores, mas também os bibliotecários, os assistentes de línguas, todos estes profissionais, participam nesta cadeia que estamos a tentar consolidar, em França como na Europa, porque é ela que nos permite continuar a compreender-nos, a partilhar imaginários. É crucial para nós..O instituto foi criado em 1937 e mudou de nome várias vezes e de localização. Muitos portugueses ainda se lembram das instalações na rua Luís Bívar. Mas aqui no Palácio de Santos, o facto de estarem mais limitados em termos de espaço é uma desvantagem ou, pelo contrário, obriga-vos a tirar o instituto de dentro do instituto?É uma expressão muito bonita, essa! Sim, o mundo mudou em comparação, não só com 1937, isso é claro, mas mesmo com a época do Instituto Franco-Português na Luís Bívar. A paisagem cultural portuguesa mudou e era necessário e normal que o Institut Français du Portugal se transformasse. Nesta transformação, houve a instalação aqui, e temos sorte, pois estamos dentro do alcance diplomático da Embaixada de França. Mas também transformámos a forma como trabalhamos. Estamos aqui há dez anos e neste tempo o instituto conseguiu reinventar-se. Gosto muito da expressão que usou, porque, de facto, muitas coisas estão a acontecer aqui, é o nosso coração, é a nossa estrela, mas esta estrela emana luz lá fora. O que significa que estamos aqui, em Santos, com atividades, mas também estamos em todo o lado em Portugal, com os nossos parceiros, em todo o território, nas grandes instituições culturais portuguesas que tanto admiramos e com as quais tão bem trabalhamos. A Mathilde chegou a Lisboa em maio passado. E sei que escolheu especificamente Portugal. O que a trouxe ao nosso país?Tudo o que acabámos de dizer! Temos sorte, com o Institut Français du Portugal, em ter uma ferramenta que celebra a circulação da cultura. Sempre foi importante na minha vida. Transmissão, circulação, explicação. Como disse, fui professora antes de me tornar diplomata. Creio que o ponto comum destas experiências que tive foi confiar na criação de um imaginário comum. Isso não significa que concordemos sempre. O instituto tem isso no seu ADN, ou seja, organizar o debate, fomentar o pensamento crítico. Porque mesmo que nem sempre concordemos, partilhamos imaginários, referências, línguas. E isso permite-nos ouvir e compreender-nos uns aos outros. Foi o que fiz com os meus alunos e foi importante na mudança para me tornar diplomata. Na diplomacia, o princípio é compreender o outro e, por vezes, perceber porque discordamos. Então era natural que, no terreno, noutro país, eu quisesse contribuir de alguma forma para essa circulação, para essa partilha. Neste aspeto, os institutos franceses na Europa têm um papel particular a desempenhar no contexto que vivemos. Precisamos urgentemente de promover a cultura europeia na sua diversidade, na sua pluralidade. E a cultura francesa tem valores a defender: liberdade, respeito pelos direitos, espírito e racionalidade científica. Era importante para mim contribuir para este esforço. Depois, há também, no mundo francófono, como no lusófono, muitos laços comuns, que eu queria explorar e construir com parceiros portugueses. Temos hoje muitos jovens artistas, jovens empreendedores, que são franceses ou portugueses, mas com origens na África francófona e na África lusófona, que têm muito a dizer ao serviço da paz, de um melhor entendimento entre os povos. Esta proximidade entre as histórias destes artistas pareceu-me interessante de explorar. É algo em que trabalharemos no Institut Français du Portugal nos próximos anos.Imagino que já conhecesse Lisboa, ainda assim, é diferente viver aqui do que visitar. O que mais a surpreendeu? Não sei se fiquei verdadeiramente surpreendida. Mas estou encantada com a beleza deste país e com a bondade das pessoas que cá vivem. Há muita humanidade na forma como os portugueses recebem as pessoas, ou pelo menos na forma como me receberam. E isso é muito poderoso. Por último, como é que vai o seu português?Bom, está tudo bem. Estou ativamente envolvida nisso. Cada vez que falo, tento fazer um pouco mais. Em junho, era uma frase. Ultimamente, tenho feito mais. Faço aulas com afinco. É uma língua que adoro e que considero magnífica. Acho que tem uma poesia, uma musicalidade extraordinária. Por isso, espero poder sentir-me mais à vontade e falar mais, com mais fluidez, porque isso é crucial e faz parte do nosso trabalho enquanto diplomatas.