Uma montagem "ao branco", descreve Nuno Faria, o curador de 'Ascensão: Vers la Lumière' , o quinto e último capítulo do ciclo expositivo '331 Amoreiras em Metamorfose'.
Uma montagem "ao branco", descreve Nuno Faria, o curador de 'Ascensão: Vers la Lumière' , o quinto e último capítulo do ciclo expositivo '331 Amoreiras em Metamorfose'.Leonardo Negrão

Luz e transcendência: as obras de final de vida de Vieira da Silva e Arpad Szenes no museu que lhes é dedicado

O último capítulo do ciclo expositivo '331 Amoreiras em Metamorfose' no Museu Arpad Szenes-Vieira da Silva mostra obras dos últimos anos da pintora em diálogo com Arpad Szenes e outros artistas.
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Vers la Lumière, um dos últimos quadros pintados por Helena Vieira da Silva antes da sua morte, em 1992, foi pedido emprestado para a grande retrospetiva da pintora portuguesa que é inaugurada no Guggenheim de Bilbau no próximo dia 16, mas essa obra não pôde seguir para Espanha por ser central no quinto e último capítulo do ciclo expositivo 331 Amoreiras em Metamorfose, com que o curador Nuno Faria assumiu a direção do Museu Arpad Szenes-Vieira da Silva, em 2024.

Esta mostra, que abriu portas ao público ontem, dia 3 de outubro, ficará patente até 31 de dezembro deste ano e intitula-se Ascensão: Vers la Lumière, fechando o ciclo iniciado em novembro do ano passado. Em exposição estão obras de final de vida da pintora portuguesa e trabalhos emblemáticos do seu companheiro de mais de cinco décadas, Arpad Szenes. São obras onde a paleta é mais clara, a luz predomina e o traço denota um movimento ascendente, numa aproximação de Vieira da Silva à obra mais tardia de Arpad Szenes, que morrera em janeiro de 1985, aos 87 anos.

'Vers la Lumière' (1991), no centro.
'Vers la Lumière' (1991), no centro.Leonardo Negrão

Trata-se de uma montagem "ao branco" como se lhe refere Nuno Faria, onde estas pinturas da coleção do museu entram em diálogo com o trabalho de outros artistas, nomeadamente com obras de Alexandre Conefrey, Ana Hatherly, Carolina Vieira, Fernando Marques Penteado, Francisco Janes, Frida Baranek, Ilda David, Inez Teixeira, Manuel Rosa, Maria Capelo, Miguel Rondon, Rui Toscano, Sara & André, e Sara Sara, muitos dos quais reforçam a "brancura" desta exposição.

Obra de Ilda David.
Obra de Ilda David.Leonardo Negrão

A pintura Vers la Lumière (1991) está logo no início do ciclo expositivo, ladeada pela pintura de Arpad Szenes e de Ilda David, uma das artistas em destaque nesta quinta mostra. Mas primeiro passa-se pelo quadro que permaneceu em todos os capítulos de 331 Amoreiras em Metamorfose, intitulado Le retour d’Orphée (1982–1986), feito durante os anos de doença de Arpad e concluído em 1986, já depois da sua morte.

'Le retour d’Orphée'(1982–1986)
'Le retour d’Orphée'(1982–1986)Leonardo Negrão

"Remete para a união entre eles, remete para a doença do Arpad, para o pedido de clemência aos deuses para que não o levem, e para o jogo de amor entre eles. O Orfeu e a Eurídice, o Arpad chamava Eurídice a Vieira, entre muitos outros miminhos", sublinha Nuno Faria sobre esta obra.

Depois surge o único trabalho que Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes assinaram juntos, em guache sobre cartão, apontando para a "união cósmica" entre os dois artistas que este ciclo expositivo também quis mostrar. Trata-se de Le feu d’artifice, de 1939.

'Le feu d’artifice' (1939).
'Le feu d’artifice' (1939).

Na mostra Ascensão: Vers la Lumière há também referências ao transcendente."Há nesta exposição um enlevo espiritual", diz Nuno Faria, visível, por exemplo, numa das salas com pinturas que Vieira da Silva fez "para projetar a intervenção na capela do Palácio de Santos, a atual embaixada francesa, que é uma intervenção incrível e merece mesmo a visita", diz o curador. Mas esta espiritualidade pode ver-se, por exemplo, naquela que Nuno Faria considera "uma das obras mais emblemáticas da exposição", Corda Trina, em folha de ouro, de Sara Sara, cujo trabalho se insere na "tradição espiritualista", ou no trabalho de Rui Toscano, "que também trabalha muito com o universo celeste, cósmico", aponta o curador.

Painel para a sacristia da capela do Palácio de Santos, Lisboa, estudo, (1983).
Painel para a sacristia da capela do Palácio de Santos, Lisboa, estudo, (1983).Leonardo Negrão

Há também no museu um espaço dedicado à escultura e instalação que nesta mostra está ocupado por uma obra de Sara & André, uma tridimensionalização do trabalho Atelier, Lisbonne, da Vieira da Silva, um quadro que estará na retrospetiva em Bilbau, e que depois regressará para se juntar à escultura.

Escultura de Sara & André, que tridimensionaliza o quadro 'Atelier, Lisbonne', de Vieira da Silva.
Escultura de Sara & André, que tridimensionaliza o quadro 'Atelier, Lisbonne', de Vieira da Silva. Leonardo Negrão

"Surdina" e som

Como "câmara de ressonância" do espaço da exposição está a obra de Francisco Janes, artista visual e sonoro, que apresenta no auditório do museu uma instalação com filmes curtos e peças sonoras. "Aquilo que está aqui em surdina, vai estar lá em baixo magnificado pelo som", diz Nuno Faria.

Francisco Janes fez uma montagem de oito dos seus trabalhos, criados na Lituânia (onde vive), na região de Lisboa, na Serra da Estrela e nos Açores. A instalação passará de forma contínua, mas haverá também sessões onde serão projetados três filmes seus na íntegra, Mira Rio (2023), Regada (2019) e Visão Solar (2017).

O cineasta e artista sonoro Francisco Janes.
O cineasta e artista sonoro Francisco Janes. Leonardo Negrão

As ligações que se podem estabelecer entre a instalação e a exposição remetem para "questões que têm a ver com transcendência, mas a partir de uma materialidade e de um concretismo observáveis. Acho que as ligações são inerentes, mas estas quatro montagens que eu elaborei são de propósito para esta fase da Vieira de Silva. E também tem a ver com outras questões, como o amor, uma coisa em que se fala menos. Há várias questões aqui que se podem ligar, mas nada normativo", diz Francisco Janes ao DN.

E qual é o papel do áudio que às vezes corre com as imagens, outras vezes sozinho, perguntamos ao artista, que diz que "o som no meu trabalho tem um papel permutável e de equivalente importância à imagem".

"Há quem diga que o som nos lembra que estamos aqui, porque o som é uma forma imediata de presencialidade, tem esse lado de nos convocar para o momento presente, para nos lembrar que isto já me está a fartar tenho de me ir embora, ou então para nos fazer esquecer que aqui estamos, para nos fazer esquecer um pouco o corpo".

"Permanente" ausente

Apesar deste último capítulo do 331 Amoreiras em Metamorfose ter "uma narrativa bem engendrada, ela abre muitas linhas de fuga. Há uma narrativa, há um desenlace e há uma abertura também", sublinha Nuno Faria. "As pinturas e as obras de museu bastam-se muito a elas próprias. Às vezes criamos diversões que não são, eu diria, vitais para o público embarcar numa espécie de viagem sensorial, percetiva, intelectual, no contacto com uma pintura", acrescenta, mostrando-se satisfeito com o público fiel e a comunidade criada em torno deste museu nas Amoreiras.

Nuno Faria junto a uma obra de Carolina Vieira.
Nuno Faria junto a uma obra de Carolina Vieira.Leonardo Negrão

Este ciclo inaugural do curador e diretor do Museu Arpad Szenes-Vieira da Silva representou uma certa rutura com o que se fazia anteriormente, e a programação que se vai seguir, em 2026, "não vai ser nem o que era antes, nem o que é agora", diz Nuno Faria. "O repto é apresentar a coleção sem a palavra permanente, sem o cariz de permanência. Os ritmos de apresentação da coleção vão ser diferentes dos ritmos de apresentação de exposições individuais", sublinha. "Vamos ter núcleos da coleção em mostra e vamos ter a preocupação de criar uma legibilidade para os visitantes. Vamos trabalhar muito em profundidade, mais do que estamos a fazer agora".

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