Livrarias reabrem mas... Podemos folhear um livro antes de comprá-lo?

As livrarias reabriram e têm regras de segurança a cumprir por causa da covid-19. Nalgumas só é possível mexer nos livros depois de desinfetar as mãos, noutras as regras são menos rígidas.

"Está na fila?" "Para a livraria? Não, estou para os correios." "Ah, obrigado." A fila para os correios tem umas dez pessoas, a da livraria só tem duas, mesmo assim, quem haveria de dizer que um dia estaríamos numa fila para entrar numa livraria? "É uma coisa inédita, não é?", comenta Jorge, por detrás da máscara azul. Tem 76 anos, é reformado e hoje só está de passagem mas garante que é cliente habitual da Livraria Barata, na avenida de Roma, desde os tempos de "antigamente" quando se compravam ali "livros proibidos".

Antes do estado de emergência, a livraria fazia parte do seu passeio habitual, quando saía para tomar um café, comprar o jornal, dar uns dedos de conversa com os amigos. Ao fim de quase dois meses, este lisboeta procura regressar à normalidade. "Não é bem a normalidade. Andamos com estas máscaras, não podemos tocar nas outras pessoas e ainda não nos podemos sentar num café", lamenta-se. Além disso, gosta de ir à livraria com tempo, para ver se há novidades e folhear os livros. Este sistema de ficar na fila e sentir que tem de se despachar para dar lugar a outra pessoa não o convence: "Venho noutro dia."

As livrarias, tal como os stands de automóveis, não estão sujeitas à limitação dos 200 metros quadrados impostos às outras lojas nesta primeira semana em estado de calamidade, pelo que puderam reabrir todas na segunda-feira (4 de maio), das mais pequenas às maiores, desde que cumprindo as normas de segurança: limitação de cinco pessoas por 100 m2, uso obrigatório de máscaras, distanciamento físico e cuidados extraordinários com a limpeza e desinfeção.

E mexer nos livros, pode-se? Sim, mas com cuidados. Na livraria Ler Devagar, em Lisboa, "toda a gente pode mexer nos livros. Depois os funcionários limpam tudo", explica o dono, José Pinho. "Vamos ter alguma atenção mas não vamos proibir os clientes de mexerem nos livros."

Fernando Ramalho, o dono da livraria Tigre de Papel, também em Lisboa, concorda: "Ninguém imagina uma livraria sem se poder mexer nos livros, ver a contracapa, folhear..." O frasco de desinfetante está ali mesmo junto à caixa, e todos podem usá-lo, mas não é obrigatório.

Mas nas livrarias Bertrand, por exemplo, as instruções para os funcionários são que "os clientes poderão consultar os livros, para o que deverão desinfetar as mãos com álcool gel que disponibilizaremos para o efeito, ou em alternativa, solicitar a colaboração dos livreiros".

É uma questão de bom senso, portanto. Na livraria Tigre de Papel, em Arroios, quem não tiver máscara é atendido à porta (ou então pode comprar uma das máscaras de pano, feitas por uma amiga e que estão ali à venda). Assim que entra algum cliente, Fernando puxa a máscara que tem ao pescoço até ela lhe tapar a boca e o nariz. Aqui só podem estar três clientes de cada vez, o que na maior parte dos dias não será um grande problema. "No primeiro dia, apareceram várias pessoas e até houve algum movimento", comenta.

Mas não espera muitas filas à porta: "Por agora, acho que as pessoas vão continuar com medo e é provável que continuem a agir numa lógica de confinamento. E, além disso, é previsível que se acentue a crise económica, há mais desemprego, as pessoas têm mais dificuldades e é normal que limitem o consumo aos bens essenciais." E os livros, apesar de tudo, não são tão essenciais quanto a comida. Por isso, é de esperar uma quebra considerável nas vendas.

Para já, ainda estão suspensos todos os eventos que habitualmente fazem parte da programação da Tigre de Papel, como os lançamentos de livros, conversas com autores ou workshops. No próximo dia 12, a livraria promove uma oficina online de narrativa ilustrada com a autora Júlia Barata. "É uma experiência, vamos ver como corre."

Na Ler Devagar também está tudo a meio-gás. "No nosso caso, a limitação do número de pessoas não é um problema porque temos 600 m2, ou seja, podemos ter até 30 pessoas", comenta José Pinho. "Quem nos dera a nós ter 30 pessoas." Para já não há esse tipo de preocupações. Mas é pouco provável que, tal como acontecia antes da pandemia, as pessoas venham à livraria só para visitar, tomar um café, folhear um livro - e só depois, eventualmente, comprar alguma obra. "Muita coisa vai mudar", prevê este livreiro.

Na LX Factory os estabelecimentos comerciais (muitos deles ligados à restauração) continuam quase todos fechados. As ruas vazias. "Decidimos abrir as portas sobretudo para dar um sinal aos clientes, dizer que estamos aqui. Sabemos que as pessoas ainda têm muito medo e ainda estão em casa. Mas preferimos estar aqui e não aparecer ninguém, do que os clientes virem cá e baterem com o nariz na porta. É a nossa atitude." No entanto, José Pinho sabe que estes são tempos difíceis. Para todos e também para os livreiros.

"E no nosso caso é ainda pior porque a Ler Devagar, tal como as livrarias de Óbidos, vive sobretudo dos turistas", garante José Pinho. São os livros estrangeiros, em inglês e em francês, os mais vendidos nesta loja. "Portanto, nós temos os problemas que as livrarias têm e temos ainda todos os problemas que afetam o turismo." Se, para o comércio em geral, o livreiro acredita que o regresso à normalidade poderá acontecer num prazo de seis meses, no caso do turismo ele acredita que só depois de haver uma vacina contra a covid-19 se poderá começar a pensar na retoma das atividades.

"Vivemos um dia de cada vez." Por agora, as livrarias de José Pinho estão quase todas com horário reduzido (4 a seis horas por dias) e parte dos funcionários mantém-se em lay off. "Mantivemos sempre algumas pessoas a trabalhar, para responder às encomendas e fazer entregas, e foi com essas que abrimos. Vamos avaliar como corre esta semana e veremos se será necessário ter mais alguém. Não sabemos o que vai acontecer. Ninguém sabe."

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