Moreno, Zeca e Tom: quem são os filhos que Caetano traz aos coliseus?
"Isso tudo é apenas um truque meu para manter a família por perto. Você sabe, os filhos crescem e vão ficando mais distantes..." Numa entrevista à Folha de São Paulo, o músico Caetano Veloso explicava assim, com uma piada, como tinha nascido a ideia para Ofertório, o espetáculo que montou com os três filhos, e que, depois de ser apresentado no Brasil e em algumas cidades europeias, agora chega a Portugal: segunda-feira (30 de julho) no Coliseu do Porto e nos dias 1 e 2 de agosto no Coliseu de Lisboa.
Há pelo menos quatro anos que o músico brasileiro, atualmente com 75 anos, sonhava em juntar os filhos Moreno, de 45 anos, Zeca, de 26, e Tom, de 21, num espetáculo especial. A estreia de Ofertório aconteceu em outubro do ano passado: "É um show familiar, nascido da minha vontade de ser feliz", explicou ao público desse primeiro concerto no Rio de Janeiro, em que foi apresentado um repertório com composições de todos eles e foram contadas muitas histórias da família, recuando até Dona Canô (a mãe de Caetano, para quem ele compôs o tema Ofertório), passando pela irmã Maria Bethânia e também pelas mães dos rapazes, Andréa Gadelha (conhecida como Dedé, mulher de Caetano entre 1967 e 1983 e mãe de Moreno) e Paula Lavigne (mãe de Zeca e Tom, de quem Caetano se separou em 2004 mas com quem voltou a namorar há dois anos, embora não vivam juntos).
O músico não esconde o orgulho que tem nos rapazes: "Moreno me mostrou Buika, Zeca me mostra James Blake, Tom me faz reouvir os Mutantes da fase progressiva, o Yes, o Clube da Esquina e o Amoroso de João. O mundo só faz sentido para mim por causa dos meus filhos", escreveu em 2015.
Este espetáculo é uma boa oportunidade para conhecê-los um pouco melhor:
Moreno Veloso nasceu em Salvador da Bahia em 1972, quando Caetano regressou do exílio londrino. O músico tropicalista sempre falou da sua paixão pelo primogénito: "A chegada de Moreno foi o grande acontecimento de minha vida adulta. Uns dois anos antes, eu ainda pensava que nunca ia ter filhos. Sou muito mais feliz, sou maior e melhor por causa dele. Quando Zeca e Tom vieram, eu já sabia a maravilha que isso era", contou numa entrevista recente.
Moreno cresceu rodeado de música e de músicos e a ouvir que "filho de peixe sabe nadar", expressão que obviamente acabou por odiar. Aos 9 anos começou a aprender a tocar violão com Almir Chediak e cantou com o pai Um Canto de Afoxé para o Bloco do Ilê (no disco Cores, Nomes).
Ótimo aluno de Matemática e Ciências, Moreno tinha como grandes companheiros do colégio Pedro Sá e Domenico Lancellotti, com quem se atreveu nas primeiras aventuras musicais; estudou Física Atómica ao mesmo tempo que montava o seu primeiro estúdio de gravação com o amigo Lucas Santtana; e trabalhou cinco anos num laboratório para logo a seguir desistir da carreira e dedicar-se a tempo inteiro à música. A partir daí já não tinha volta.
O primeiro projeto a sério foi partilhado com os amigos Domenico e Kassin. No primeiro disco, editado em 2000, intitulado Máquina de Escrever Música, gravou a canção que o pai lhe cantava para adormecer: Só Vendo Que Beleza, tema de 1942 da dupla Henricão e Rubens Campos, gravada por Carmen Costa. O trio lançou mais três discos, Sincerly Hot (2003), Futurismo (2006) e Imã (2009).
Sozinho, editou Solo in Tokyo e depois, em 2014, Coisa Boa, o primeiro disco oficial a solo mas em que continuava rodeado por muitos dos amigos. Três músicas deste álbum entram na banda sonora de Boyhood, de Richard Linklater.
Membro da Orquestra Imperial, compõe, toca e produz para vários artistas, incluindo Adriana Calcanhotto, Roberta Sá e o próprio pai de quem é parceiro habitual há já bastante tempo - desde que, ainda jovem, escreveu e ofereceu ao pai o tema How Beautiful Could a Being Be.
Nos últimos anos, Moreno já era um músico indispensável no grupo que acompanha Caetano. Ao mesmo tempo que está em Ofertório, participou em Refavela 40, projeto que o juntou a Gilberto Gil, Céu e Maíra Freitas.
"Meu projeto com meu pai e com meus irmãos mostra uma ligação caseira, familiar com a música, estritamente sanguínea", explicou Moreno Veloso à imprensa brasileira. "Demorou para a gente juntar todos nós, mas conseguimos e o que parece é que estamos em casa tocando e não num palco, tamanha é a liberdade e o ficar à vontade de cada um de nós. "
"Quando ele nasceu, Moreno já era grande e eu o chamava 'meu filho'. Aí Zeca ficou sendo 'meu filhinho'", recordou Caetano na sua página de Facebook no passado dia 7 de março, dia do aniversário de Zeca Veloso. "Hoje é um homem com a sua própria visão de mundo, escreve canções que são tão só dele que a gente se comove."
Zeca começou a tocar violão aos 8 anos mas achou difícil. Tentou então o baixo. E o piano. Desistiu de tocar e dedicou-se à música eletrónica. Isto tudo ainda na adolescência. "Compor foi só aos 21. Fiz uma música bem ruim. Mostrei pro Tom, que gostou um pouco. Meu pai não. Todo Homem foi a segunda. Essa meu pai gostou", contou numa entrevista a O Globo. Todo Homem é uma das músicas que integram o repertório de Ofertório e acabou por ser o primeiro single do disco. A canção fala dos laços familiares e quase parece ter sido composta de propósito para o projeto.
Fiel da Igreja Universal, Zeca Veloso estava um pouco afastado da música e foi o filho que mais resistiu a esta reunião familiar. "O Zeca não estava trabalhando mais com música. Ele atuou como DJ, fez alguns trabalhos na linha de produção e ficava compondo solitariamente e não queria se apresentar no palco. Estava muito distante disso. Foi difícil convencê-lo", contou Moreno numa entrevista. Ou como o próprio acabou por explicar: "Demorei um pouco a topar fazer o show, não me sentia preparado tecnicamente, mentalmente, de muitas formas. Não era e ainda não sou músico de nível profissional..."
Influenciado por Prince e por pagode, por country e Björk, Marvin Gaye e música sertaneja, Zeca tem no falsete que usa para cantar uma das suas marcas. O pai diz que ele tem uma "voz celestial" que "parece um milagre quotidiano". Depois de ver Ofertório, o crítico Leonardo Lichote escreveu no jornal O Globo: "A presença de Zeca se afirma ali por ser tão discreta quanto contundente, ao mesmo tempo num movimento para dentro (do músico concentrado em seu ofício) e para fora (seu canto em falsete, alto contraste com o que o cerca)."
Mas a sua maior influência é, sem dúvida, Caetano Veloso: "Quando faço música, ele é minha maior referência. Não o trabalho, a pessoa. Não que a música não me influencie, mas a cabeça dele, nossas conversas e as ideias que surgem delas são mais importantes para minha produção do que a matéria-prima musical, são as ferramentas", contou. Neste momento, Zeca pondera a hipótese de, depois de Ofertório, trabalhar num álbum a solo. Mas ainda é só mesmo uma hipótese.
Tom nasceu a 25 de janeiro de 1997, no dia de aniversário de Tom Jobim, e por isso não houve grandes dúvidas quanto ao seu nome. Em 2015, o pai partilhava nas redes sociais um pequeno retrato do caçula: "Tom ganhou esse nome porque nasceu no dia do aniversário de Jobim. E, dos meus três filhos, é o mais sintonizado com o que o Grande Maestro fez com a harmonia da canção brasileira. Também é o que ouve Debussy repetidamente. Sempre jogador, crítico e amante do futebol, Tom, em sua masculinidade lacónica, exibe sempre claridade de palavras, gestos e decisões. É o mais alto e mais forte dos meus três. À primeira vista, pode parecer que não deseja se comunicar: mantém, mais do que os outros, o ar arredio das crianças. Mas é doce como poucos homens podem ser. Como os outros dois, é inteligente, educado e sagaz."
Em pequeno, Tom não gostava que o pai cantasse para adormecê-lo. Depois, apaixonado por futebol, não se interessava muito por música. Aos 7 anos, acompanhou o pai numa digressão pela Europa em que Caetano estava sozinho em palco, só com o seu violão. O rapaz assistiu a todos os espetáculos e terá sido então que começou a gostar mais de umas músicas do que de outras. "Hoje é o melhor violonista de todos", comenta o pai babado.
Tom Veloso é um dos elementos fundadores, violonista e compositor da Dônica, grupo criado em 2011 por José Ibarra (vocalista e pianista), Miguel Guimarães (baixista), André Almeida (baterista) e Lucas Nunes (guitarrista). Começaram ainda adolescentes e em 2015 lançaram um primeiro disco, Continuidade dos Parques, produzido por Milton Nascimento, misturando influências internacionais e a essência da música brasileira. Numa das primeiras entrevistas, o grupo elencava como suas influências nomes como Supertramp, Clube da Esquina, Snarkky Puupy, Take 6 e, claro, Caetano Veloso.
Ser filho de Caetano, "não atrapalha nem ajuda" a sua carreira, dizia Tom numa entrevista ao site da Globo em abril de 2016. "Ele é meu pai, vivo com ele (...) Como pai, compositor e pessoa, ele é excelente. Então ajuda nisso. Mas ele não mexe em nada. A gente que faz tudo." "O chato é as pessoas ficarem comparando", dizia. "As pessoas acabam falando mal sem conhecer, só por preconceito, como se por já estar naquele meio [musical] não tivesse valor, mas tem que ver também a qualidade da nossa música. A gente preza por isso, a gente gosta de tocar e a gente é feliz fazendo."
O segundo disco da Dônica está neste momento em preparação. Tom faz parte mas não participa nos espetáculos.
Concertos
Coliseu do Porto, 30 de julho
Coliseu de Lisboa, 1 e 2 de agosto
Disco Ofertório ao Vivo
Editora Universal
Preço: 15,90 euros