Durante anos, a escritora Inês Pedrosa recusou participar em debates literários compostos exclusivamente por mulheres. À primeira vista, o pensamento parece antifeminista, mas é precisamente o contrário: defende que as mulheres são tão escritoras quanto os homens, rejeitando o rótulo de uma “literatura feminina” ou algo do género.“Enquanto nós não começarmos a assumir o singular, a pessoa singular que produz, a artista singular, nós não saímos desta cepa torta de sermos as mulheres, enquanto eles são os escritores, são o grande A, B, C, D, E, e nós somos apenas as mulheres”, afirmou ao DN num centro cultural que anteriormente fora uma igreja, em João Pessoa, capital de Paraíba, no Brasil. Inês Pedrosa foi uma das autoras convidadas para a 2.ª edição do Festival Literário Internacional de Paraíba (Fliparaíba), que reuniu escritoras e escritores de língua portuguesa. E porque aceitou o convite desta vez? Porque a proposta da mesa era outra, com o tema Mulheres que fundam mundos - O mundo nasce do corpo. E a coimbrã, autora de livros premiados como Nas Tuas Mãos, fundou não só livros e histórias, mas também a sua própria editora, a Sibila. “O meu marido brasileiro disse-me: ‘Ah, podes falar que fundaste uma editora, por exemplo, porque isso é um mundo paralelo, fundaste o teu universo e fundaste a editora’”, destaca.Na mesa do festival, acabou por falar-se pouco da editora, porque a conversa enveredou pelo que une as mulheres na literatura: dificuldades, machismo, violências que conhecem e escrevem, os mundos que fundam através das palavras. O painel contou também com a promotora de Justiça e escritora brasileira Andréa Nunes e com Odete Semedo, escritora e investigadora da Guiné-Bissau, com mediação da autora brasileira Marília Arnaud, nascida no interior de Paraíba. Apesar de serem de origens totalmente distintas, todas enfrentam as dificuldades que o mundo impõe às mulheres. “Quando mudei de editora, por exemplo, da LeYa para a Porto Editora, disseram-me: ‘Sabemos que tens mau feitio.’ Sempre tive de ouvir isso, mas quando perguntava o motivo ninguém sabia responder”, frisa. A certa altura, diz, afirmaram que era por causa das capas dos livros. “Respondi: qual é o escritor que não é exigente com a capa dos seus livros? O Cardoso Pires era chatíssimo com as capas e com razão. A capa é a cara do nosso livro. Portanto, tem de ser uma cara que não nos envergonhe e que, de preferência, seja vista e venda, que tenha uma estética que corresponda ao que o livro diz lá dentro. Acho isso perfeitamente normal, mas quando uma mulher protesta é mau feitio”, acrescenta.Ao mesmo tempo, Inês Pedrosa afirma que “não há diferença” na literatura feita por homens ou por mulheres. “Porque sou feminista. Não há diferença feminina. Nós não somos um rebanho. Eu sou feminista e isso significa que considero que uma mulher tem os mesmos direitos - tem o direito de ser tão medíocre como um homem e tão brilhante como um homem”, defende.O mesmo acontece quando associam as mulheres ao romantismo. “Dizem sempre que eu escrevo sobre amor nos meus livros. De facto, quando um homem escreve, escreve sobre a Humanidade. E quando uma mulher escreve, escreve sobre sentimentos. Embora a Humanidade, as relações humanas, sejam feitas de sentimentos”, explica. Numa ocasião em que o moderador a apresentou dessa forma, a escritora leu um trecho do seu romance O Processo Violeta, que descrevia uma cena brutal de violação. “É disto que falam os meus romances também, não de histórias cor-de-rosa”, sublinha.E, já que se fala de livros, Inês Pedrosa está a escrever uma nova obra. “É sobre o dia a dia do fascismo, no passado. Porque não sei o que aconteceu na escola portuguesa: esta nova geração pensa que a ditadura era uma maravilha, que o país era rico, que era tudo maravilhoso”, afirma. O livro terá uma componente familiar, para perceber como algumas pessoas consentiam a ditadura. “Quero perceber como é que tantas gerações, incluindo os jovens, lá está, com formação superior, incluindo os meus pais, consentiam. É uma espécie de homenagem perversa que faço aos meus pais”, conta. Na casa da avó encontrou algumas cartas enviadas pelo pai quando esteve na Guerra Colonial, mas a maioria foi queimada, precisamente por escrever. E, por fim, sublinha que “o momento político exige” um novo livro sobre a realidade da ditadura, dedicado especialmente à nova geração que está em negação quanto a esse passado.amanda.lima@dn.pt*A jornalista viajou a convite do Fliparaíba..Zineb Sedira: “Há um aumento do fascismo na Europa. Olhar para trás é muito importante” .Carla Pais vence prémio LeYa com 'A Sombra das Árvores no Inverno'