Quarenta e três anos depois da inscrição do Centro Histórico de Florença como Património Mundial da Humanidade, a cidade renascentista que atrai milhões de turistas por ano para ver obras de arte como David, de Miguel Ângelo, compreende agora que é esta classificação que tem permitido resolver alguns constrangimentos, como contendas legais com proprietários. Ao DN, Carlo Francini, o diretor do sítio classificado, reconhece que a cidade aprendeu tardiamente o que significava pertencer àquela lista, mas defende que Sintra pode usar a seu favor o facto de ter, desde 1995, a sua Paisagem Cultural classificada como Património Mundial da Humanidade para ultrapassar constrangimentos. Esta será uma das ideias debatidas nos próximos dias 4 e 5 de dezembro, na Bienal Ibérica de Património Cultural 2025, que decorre em Sintra.Ao contrário de Barcelona, onde a tensão entre população face a visitantes desencadeou protestos, Florença mantém alguma estabilidade social, em parte porque muitos florentinos dependem do arrendamento de curta duração para complementar rendimentos. Ainda assim, Carlo Francini explica que “o desequilíbrio está todo do lado do turismo massivo”.Florença recebe cerca de 15 milhões de turistas por ano, um volume que ameaça o quotidiano dos habitantes e o equilíbrio do sítio classificado. “A cidade é muito pequena e o impacto do turismo é enorme”, sublinha Francini enquanto explica que a estratégia municipal passa por tentar “espalhar” os visitantes para fora do centro, enquanto se aposta também em fomentar o comércio local e criar habitação permanente, tal como aconteceu, lembra Francini, com o complexo La Murate, em Florença, que, numa área de 14.500 metros quadrados, começou por ser um convento, que foi convertido numa prisão, acabando por chegar à sua função atual, enquanto espaço de recreação cultural e de habitação permanente.Para reforçar a ideia de que esta estratégia aplicada a La Murate não é um caso isolado, Carlo Francini lembra também que Santa Maria Novella era um antigo convento “que no século XIX foi transformado numa escola para polícias”, e que agora foi desenvolvido para “arrendamento para habitação no centro histórico”.“A ideia é ter mais prédios para habitação permanente. Acho que é muito estratégico, mas é apenas uma parte da resposta, porque é impossível ter só prédios de habitação”, explica, enquanto defende também a taxação mais pesada sobre o Alojamento Local e a criação de serviços que devolvam vida quotidiana ao centro.Para além disto, o diretor do Centro Histórico de Florença ainda lembra que está em vigor uma “regulamentação forte sobre veículos atípicos”.“Nós temos um grande problema com os tuk-tuk, ou veículos atípicos de turismo. A presença na cidade [de Florença], agora é impossível”, explica.Quando questionado sobre a aplicabilidade deste modelo a Sintra - que sofre de problemas semelhantes no que diz respeito a veículos de turismo, e que, além do património edificado, enfrenta o desafio acrescido da preservação da paisagem natural - Francini vê paralelos óbvios com Florença.“A presença de grandes massas de pessoas pode danificar tanto monumentos como florestas, mas não há solução definitiva”, observa.Para o especialista, a chave está na criação de uma consciência coletiva que una habitantes, visitantes e instituições. “O Património Mundial não é uma força dura, é um soft power. É um valor partilhado por toda a Humanidade”, considera, argumentando que é precisamente por esse motivo que não se pode fechar uma cidade classificada. Portanto, conclui, “o Património Mundial é um compromisso com o futuro e exige consciência, regras e, sobretudo, comunidade.”.Centro Histórico de Macau: 20 anos de Património Mundial.PRR: Reprogramação na Cultura propõe mais 27 milhões no património e menos 400 mil em digitalização