Há poucas semanas apresentado no Porto/Post/Doc, o filme Evidências, da americana Lee Anne Schmitt, agora disponível na plataforma Filmin, é das coisas mais assombrosas que, em tempos recentes, surgiram no domínio da produção documental. E digo “coisas” porque importa valorizar o misto de estranheza e transparência com que somos confrontados.Digamos que aquilo que habitualmente designamos pela relação “forma/conteúdo” encontra, aqui uma concretização, não apenas original, mas sobretudo contagiante. Somos convidados a seguir modos de expor factos e propor interpretações que, por fim, procurem entrever as bases de uma filosofia de vida que reforce os valores da nossa humanidade. No plano ideológico, as propostas de Lee Ann Schmitt são indissociáveis de uma visão obviamente distante das diretrizes da administração Trump - em qualquer caso, este é um objeto de cinema que não fará muito sentido encerrar no domínio esquemático do filme “militante” ou “panfletário”.Em causa está a Olin Corporation, empresa ligada à produção de matérias químicas e munições para armas de combate cuja história integra diversos casos de poluição e degradação dos elementos naturais. Criada na década de 1970, a Fundação John M. Olin é mesmo apontada pela realizadora como uma das fundações familiares surgidas nessa época que “conjuntamente financiaram o início do movimento neoconservador dos EUA.”A argumentação surpreende, antes do mais, pela quantidade e didatismo das provas apresentadas, a começar pelos livros direta ou indiretamente financiados pela Fundação Olin, sem esquecer a contundência de alguns dados sociais (por exemplo, “três em cada cinco negros e hispânicos da América vivem numa comunidade onde são armazenados resíduos tóxicos”). No limite, Lee Anne Schmitt visa um sistema de pensamento que concebe o tecido social apenas a partir dos interesses económicos, já que considera “que são as regras da economia que devem ditar a estrutura da nossa sociedade.”Tudo isto é-nos apresentado através de uma exposição a que a serena voz off da realizadora confere uma peculiar sensação de intimidade. Até porque tudo começa no facto de o pai da produtora e realizadora de Evidências ter trabalhado para a Olin Corporation. As suas ausências profissionais, regulares e prolongadas, eram “compensadas” pelo facto de ele lhe trazer bonecas de todos os países do mundo que visitava. São essas bonecas que definem o espaço (familiar) a partir do qual se organiza a exposição de Lee Anne Schmitt, no limite fundamentando a moral da sua história: “O corpo é onde todas as coisas começam e tudo acaba.” .A reinvenção de George Clooney .'Laguna'. A viagem interior de Sharunas Bartas